Por: André | 09 Dezembro 2015
“Devemos saber, sem nos iludir: nós teremos outros atentados do mesmo tipo; talvez muitos, que virão em intervalos cada vez menos regulares para nos mergulhar nesse ‘estado de violência’, novo nome da guerra. Em última análise, não sei se nós ‘estamos em guerra’, no sentido estrito da palavra. No entanto, estou seguro de uma coisa: qualquer que seja a sua natureza, temos que reaprender a pensar a guerra sem ceder ao pânico.”
A reflexão é de Jean-Claude Guillebaud e publicada por La Vie, 19-11-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Após os atentados sem precedentes de 13 de novembro, a palavra guerra povoa novamente o discurso público, tanto na França como no resto da Europa. Mas esse retorno tem seus problemas. Nós sentimos que, se estamos “em guerra”, como a mídia proclama ou como afirma o presidente da República, esta expressão, na verdade, não dá conta da realidade. Em guerra contra quem, exatamente? Onde estão os exércitos? Onde está o campo de batalha? Quais são os “objetivos da guerra”, como se costumava dizer?
Na verdade, este constrangimento capital em que estamos mergulhados não é surpreendente. Pela primeira vez em mais de dois séculos, os europeus viveram um período de paz de 70 anos. É longo... Se excluirmos as guerras da descolonização (todas fora da França), as “Opex” (operações exteriores) no Mali ou na República Centro-Africana e os breves sobressaltos na ex-Iugoslávia, já faz duas gerações que a guerra saiu do nosso imaginário coletivo.
De repente, desaprendemos a olhar a guerra de frente. Nós esquecemos até que ponto o estado de paz é frágil, protegido que é por uma fina camada de civilidade e de respeito pelo direito. A intensidade da emoção que nos agarra hoje, quando a violência e a barbárie retornam, explica-se por este longo período em que nos acostumamos com a paz. Chegamos a acreditar – erroneamente – que ela era o estado natural de uma sociedade. O nosso estado de deslumbramento se deve, em primeiro lugar, a este esquecimento muito confortável.
Mas a nossa consternação, o nosso medo, é agravado pelo fato de que o terrorismo, mesmo o mais mortal, é uma guerra bem particular. O filósofo Frédéric Gros, em 2005, propôs inclusive não utilizar esta palavra. Em uma obra que fez algum barulho em 2006 (États de violence. Essai sur la fin de la guerre – Estados de violência. Ensaio sobre o fim da guerra, Gallimard), defendeu que a guerra tradicional foi desaparecendo pouco a pouco e se viu substituída por “estados de violência”. Estes últimos já não estavam mais ligados a um território particular, não passavam mais pelos exércitos em ordem de batalha, mas se introduziam em nosso universo mais cotidiano: cafés, estações de metrô, restaurantes e lugares públicos. As operações reivindicadas pelo Estado Islâmico fazem pensar justamente nesses “estados de violência”.
Devemos acrescentar que nesses “estados de violência” os meios de comunicação tendem a tornar-se o principal campo de batalha. Pensemos um pouco. O que queriam os autores das abjetas chacinas de 13 de novembro em Paris? O que eles esperavam? A resposta é simples. Eles queriam, em primeiro lugar, nos fazer tremer, e em seguida nos empurrar para a violência intercomunitária. Nada agradaria mais a esses “estrategistas” de um novo tipo que uma contra-violência vingativa que se exerceria amanhã na França contra os franceses muçulmanos. O sonho absoluto seria precipitar o nosso país em uma guerra civil comunitária. Uma vez mais, é uma vitória psicológica – e não militar – que eles visavam; é o “bumbo” midiático que eles queriam fazer funcionar com esta finalidade. E sempre mais forte.
Ora, no longo prazo, eles aprenderam tão bem a caçar com os ditos da mídia que eles são diabolicamente bem sucedidos nessa frente imaterial. No dia 13 de novembro, diante da chacina, uma retórica convencional é imediatamente posta em movimento e um mesmo vocabulário voltou a florescer em todas as partes, sem precaução nem medida: horror, carnificina, apocalipse, terceira guerra mundial, corpos despedaçados, etc. Durante várias horas seguidas, as imagens e os testemunhos mais enlouquecedores são passados e reprisados nas cadeias de notícias e nas redes sociais.
Uma vez mais, é uma escalada ao mesmo tempo imbecil e desajeitada, para não dizer estúpida, que prevaleceu. Sem mesmo se dar conta, aqueles que se abandonam a isso acabam obedecendo docilmente aos próprios terroristas, acreditando denunciá-los. Por piedade, recobremos o controle. Devemos urgentemente aprender a resistir a esta involuntária complacência, eu ia escrever esta cumplicidade.
Dito isso, devemos acrescentar que a aventura sangrenta dos terroristas tomou, desta vez, uma nova dimensão. Pelo menos para o que diz respeito à França. Alguma coisa mudou de natureza, mas o quê? Vou me limitar a fazer algumas observações muito simples para que cada um de nós possa memorizá-las.
Primeira observação: desta vez, o alvo dos terroristas não eram caricaturistas do Charlie Hebdo, nem judeus, nem mesmo cristãos, socialistas ou sei lá quem. O verdadeiro alvo, indiferenciado, era todo o mundo e toda pessoa. O objetivo visado era apenas estatístico: tratava-se de matar o maior número de homens e mulheres possível, para aterrorizar os políticos e acionar a mídia. Desse ponto de vista, a ação terrorista na França alinhou-se com aquela que está sendo usada durante muito tempo no Iraque, na Síria ou no Cáucaso.
Segunda observação: os autores do crime utilizaram, pela primeira vez em solo francês, os homens-bomba prontos para morrer. Em suma, passamos do amadorismo dos “lobos solitários” aos profissionais da morte em massa. Esta novidade desqualifica antecipadamente uma parte das nossas estratégias de segurança. E isso apesar do excelente profissionalismo dos nossos serviços de inteligência e das nossas unidades especializadas, como a Raid (Polícia Nacional Francesa).
Uma nova assimetria se impõe: ela distingue aqueles que são indiferentes à morte e aqueles que, como nós, ainda atribuem – com razão – um grande preço à vida humana. O “profissionalismo” e o sangue frio desconcertante desses terroristas têm uma relação específica com a morte e com o estatuto de mártir que lhe é prometido. Antes mesmo de armar suas kalachnikovs, colocar os coletes explosivos, eles sabem que vão morrer e aceitam a morte. Do início de sua ação, eles já estão evoluindo para uma espécie de vida além da morte. Sua tranquilidade é de natureza quase psicótica.
A esse consentimento ao “sacrifício” nós só podemos nos opor com a eficácia das nossas tecnologias (inteligência, escutas, DNA, uso de drones, etc.) e um saber fazer tático sempre mais eficaz. Mas, um e outro, às vezes, serão necessariamente vistos como insuficientes. Devemos saber, sem nos iludir: nós teremos outros atentados do mesmo tipo; talvez muitos, que virão em intervalos cada vez menos regulares para nos mergulhar nesse “estado de violência”, novo nome da guerra. Em última análise, não sei se nós “estamos em guerra”, no sentido estrito da palavra. No entanto, estou seguro de uma coisa: qualquer que seja a sua natureza, temos que reaprender a pensar a guerra sem ceder ao pânico.
A nossa verdadeira resposta aos terroristas nunca será ser “aterrorizados”.
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Reaprender a pensar a guerra. Artigo de Jean-Claude Guillebaud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU