A reflexão é de Sirlei do Rocio Goncalves Cordeiro, sdp. Religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência, ela é graduada em pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (2002), possui especialização em “Formação de formadores e animadores vocacionais” pela Università Pontificia Salesiana (2012) e em “Formação e formadores no âmbito da Vida Consagrada” (2013) pela Pontificia Facoltà di Scienze dell'Educazione Auxilium, e possui mestrado em Psicologia pela Universidade de Petrópolis (2023). Atualmente atua em diversas pastorais na cidade de São Paulo do Potengi em Rio Grande do Norte, faz parte do IPV (Instituto de Pastoral Vocacional) e é professora na Universidade LaSalle.
Primeira leitura: At 9,26-31
Salmo: Sl 21(22),26b-27.28.30.31-32 (R. 26a)
Segunda lietura: 1Jo 3,18-24
Evangelho: Jo 15,1-8
“O ramo não pode dar fruto por si mesmo” (Jo 15,4)
O Evangelho de Jo 15, 1-8 é a continuação do discurso de despedida de Jesus. Ele encontra-se com seus discípulos tendo consciência do que iria acontecer nos próximos dias. Queria prepará-los para o momento em que Ele não estaria mais no meio deles, fala de sua volta ao Pai, e diz que, mesmo fisicamente distante, se estivessem ligados à Sua Palavra, não existiria separação e bons frutos continuariam sendo produzidos.
Ele se manifesta como a “verdadeira videira”; o Pai como o agricultor/viticultor (Aquele que cuida da videira) e os discípulos como os ramos. É permanecendo em Jesus (esta é a única condição) que o ramo evita de ser cortado e é capaz de produzir fruto.
Neste trecho do Evangelho, Jesus demonstra ter presente em sua vida os escritos dos Profetas que falavam da vinha, da videira.
No antigo testamento, por exemplo, no cântico de Isaías 5, 1-7, diz que “a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel” (v.7), que “esperava dela uvas boas, mas só colheu uvas más” (v.2); Oseias 10,1, vai falar de Israel como “videira luxuriante”, referindo-se à infidelidade do povo ao Senhor. Os profetas vão mostrar o cuidado de Deus com a vinha/povo e a Sua “frustração” depois de todo o seu trabalho, a ponto de querer abandonar a vinha.
No salmo 80, 9-15 relaciona Israel como a “vinha tirada do Egito” e que é “replantada” na terra prometida; aqui encontra-se a grande súplica do salmista que, depois que o povo se afastou do Senhor, pede que Ele intervenha “em favor desta vinha” e diz que o povo não mais O abandonará; poderíamos dizer também: que o povo “permanecerá com Ele.
Em João 15, 1-8 Jesus se mostra como o “verdadeiro Israel”, pois, se Deus deixou a Sua “vinha” ser destruída por causa da infidelidade, em Jesus encontra-se a “videira verdadeira” que não poderá ser mais arrancada ou destruída, pois Sua fidelidade é irrepreensível. E o ramo que estiver ligado à esta videira não será mais incendiado ou cortado sem motivo. Outro ponto importante é que não é na ação do ramo que acontece a produção do fruto, mas no fato dele estar ligado à videira.
Também não é possível permanecer na videira e não dar frutos, isto seria falso, pois o Agricultor tem todo o cuidado para não deixar proliferar “ramos inúteis” e depurar aquilo que impede a sua produção. No caso da “videira verdadeira” a limpeza acontece através da Palavra ouvida e vivida. Palavra “que não é minha, mas do Pai/Agricultor, que me enviou”. Jesus é a própria “Palavra que se fez carne”.
Se não permaneço em Jesus, não produzo fruto. Mas pode acontecer que a pessoa queira produzir fruto por si mesmo e isto também não dará certo, pois ao se afastar da videira não é possível “fazer nada”, não se pode dar nada, muito menos bons frutos. Porém, não permanecer na “videira verdadeira” é uma escolha do ramo/discípulo. E um ramo fora da videira serve apenas para ser jogado e queimado.
Quem permanece na videira passa a agir como ela e este agir é semelhante ao do Agricultor. Quando mais ligado à videira/Jesus, mais os ramos/discípulos se tornam como a “Verdadeira Videira”. É nesta relação dos ramos com a videira que aparecerão os frutos, pois quem permanece com Jesus, a videira verdadeira, tem seus pedidos atendidos: “pedi o que quiserdes e vos será dado” (v.7), pois o discípulo/ramo deixa passar cada vez mais a seiva da videira que é o próprio Jesus. O discípulo se torna um canal cada vez mais transparente da videira.
O fruto desta vinha é para agradar o Agricultor (quão grande a alegria de quem cultiva, ver a sua planta dando fruto). Quanto mais fruto, mais feliz se torna o Cuidador da Videira, mas este é um sinal também que os ramos são sadios e estão bastante conectados a Videira. É neste momento que se dá glória ao Senhor e glorificá-Lo “não significa dar a Deus o que lhe falta, mas reconhecer o que lhe é próprio” . Deus tem a glória por si, Ele é Santo, e reconhecer esta glória que há Nele é glorificá-Lo. O agir de Jesus é dar glória a Deus, mas como ramos/discípulos podemos querer que deem glória à nós mesmos, sem reconhecermos a nossa dependência de Deus, mas querermos a autossuficiência em nosso agir pensando sermos capazes de produzir frutos por nós mesmos.
Permanecer na videira verdadeira é se tornar discípulo dependente de Jesus: “sem mim nada podeis fazer” (v.5).
Porém, “permanecer” (verbo ménein), indica um acontecimento dinâmico, não é a permanência de alguém que “persiste no mesmo estado sem mudança” como descreve nosso dicionário de língua portuguesa, mas é alguém que experimenta a cada dia a “seiva da vida” que corre por suas veias ou pelos seus “ramos”, e desta experiência de fé, de estar ligado com a “Verdadeira Videira” que acontece a transformação capaz de gerar frutos.
É isto o que aconteceu com Paulo, como vimos na primeira leitura de Atos 9,26-31. Paulo foi se inserindo na comunidade dos primeiros cristãos. De perseguidor, ele se torna perseguido. Ao caminhar para Damasco para prender na comunidade judaica aqueles que acreditavam em Jesus, ele encontra-se com o Ressuscitado e é “envolvido por uma intensa luz”. O caminho de Paulo nasce de uma experiência individual: ele encontra-se com Jesus no caminho de Damasco e se une aos discípulos (“ele procurava juntar-se aos discípulos”- v.28). Assim a sua fé vai amadurecendo e produzindo frutos. A comunidade que tem, no início, receio de Paulo, lhe abre as portas.
Paulo permanece com eles e “prega com firmeza e entusiasmo” (v. 28), porque em primeiro lugar a sua permanência é em Cristo, a “Videira Verdadeira” e, consequentemente, com os discípulos que são os ramos.
No final do texto é narrado a situação da Igreja de Jerusalém daquele tempo e nesta narração é possível encontrar os frutos desta permanência com a “Vinha Verdadeira”: a paz, o temor do Senhor e o crescimento em número com ajuda do Espírito Santo.
Já na segunda leitura (1João 3,18-24), uma carta de João dirigida às Igrejas da Ásia Menor, propunha-se mostrar como seria uma vida cristã autêntica. O autor começa falando do significado do amor autêntico, que é um amor feito de ações e de verdade. Mostra como é o amor de Deus, que é maior que “nosso coração” e Nele podemos confiar. Propõe a obediência aos mandamentos e de maneira especial ao mandamento do amor, mas não um amor qualquer, é um amor que brota de Deus e impele a amar as pessoas, amor que gera frutos. “Acreditar em Jesus” e “amar uns aos outros” conforme Ele nos mandou. Aqui novamente a importância de permanecer na Palavra, em Deus, em Jesus: “que Ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que Ele nos deu”(v.24). É da “permanência” que seremos capazes de amar verdadeiramente a Ele e a nossos irmãos e irmãs.
Para quem quer ser discípulo de Jesus, a condição é permanecer Nele. Por isso, não nos separemos desta videira e, ainda que isto possa acontecer, que possamos rezar como o salmista: “Põe tua mão sobre esta pessoa...... então tu nos fará viver, invocaremos teu nome” e, completando a prece, permaneceremos contigo.
Para refletir
- Como discípulo/a, quanto tempo, de fato, permaneço com Jesus?
- Sinto-me dependente da “videira verdadeira” ou a auto-suficiência que existe em mim me dá a ilusão de estar produzindo frutos com minhas próprias forças?
- Existe em mim alguma irritação por não darem “glórias” naquilo que faço?