"Em várias ocasiões, o Papa Francisco exortou os sacerdotes, e continua exortando a todas as pessoas que são líderes nas comunidades cristãs, a serem "pastores com cheiro de ovelha" e não com cheiro de sacristia ou de flores de altar. E alertou que essas ovelhas as encontramos nas periferias existenciais e também geográficas das nossas cidades e comunidades."
A reflexão é de Alzira Munhoz, religiosa da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas. Ela possui graduação em Filosofia e especialização em Comunicação Social e Pastoral, é mestre e doutora em Teologia Sistemática. Trabalhou como professora de cursos de graduação e pós-graduação na Faculdade de Teologia de Santo Tomás de Aquino, de Belo Horizonte/MG, e na Faculdade de Filosofia e Teologia (ITEPA) de Passo Fundo/RS. Atualmente participa do Núcleo Mujeres y Teología, de Guatemala, e trabalha como professora de Teologia no Instituto Americano de Ciências Religiosas, na Universidade Rafael Landívar, na Conferência das Religiosas e Religiosos de Guatemala (CONFREGUA), e na Paróquia Nossa Senhora dos Anjos.
Eis o texto.
Estamos celebrando o quarto domingo da Páscoa, domingo do Bom Pastor, dia de oração pelas vocações ministeriais na Igreja. Duas imagens alegóricas ajudam-nos a aprofundar a nossa compreensão da liturgia de hoje. A primeira é a da "pedra angular", retirada do mundo da arquitetura e encontra-se nos Atos dos Apóstolos, que por sua vez cita o Salmo 117. A segunda imagem, a do "Bom Pastor", é tirada do mundo rural e é retratada com grande beleza pelo evangelista João.
Primeira Leitura - Atos dos Apóstolos 4, 8-12
Na primeira leitura, Pedro e João explicam a transformação provocada pela morte e ressurreição de Jesus. Pedro, cheio do Espírito Santo, confronta as autoridades judaicas e declara sem medo que todo o bem que os apóstolos fazem às pessoas necessitadas, o realizam em nome de Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Ele é o alicerce, a pedra descartada, que se tornou a "pedra fundamental".
Salmo Responsorial - Salmos 117,1 e 8-9. 21-23, 26 e 28-29
O Salmo 117 também afirma que a pedra que os arquitetos descartaram tornou-se a pedra fundamental. O salmo nos convida a dar graças porque a misericórdia de Deus se manifestou em Jesus Cristo. Ele é bom e cheio de amor. Portanto, é melhor confiar e se refugiar nele e não nos poderosos que dominam e matam.
Segunda Leitura - 1 João 3,1-2
Na primeira carta de João hoje lemos uma pequena passagem cheia de mensagens profundamente pascais e otimistas que nos convidam a contemplar o grande amor de Deus Pai-Mãe, tornando-nos semelhantes a Ele.
Evangelho - Jo 10, 11-18
No evangelho é o próprio Jesus que se nos apresenta como "Bom Pastor" e nos descreve as qualidades de um bom pastor ou pastora, que se realizam plenamente em si mesmo e devem ser cumpridas também em seus seguidores. Ele veio "para que todos tenham vida em abundância".
O Bom Pastor dá a vida pelas ovelhas; o assalariado, que não é pastor nem dono das ovelhas, não se interessa por elas. Quando os lobos as atacam ele as abandona e foge. O Bom Pastor, ao contrário, se arrisca pelas ovelhas e é capaz de dar a vida por elas. Ele conhece a cada uma e elas também o conhecem. Ele se preocupa com todas as ovelhas e atende a cada uma de acordo com sua necessidade, com amor particular. Nenhuma é excluída da sua atenção e dos seus cuidados.
No evangelho que lemos hoje, os adjetivos "bom" e "mau" indicam que, assim como há bons pastores, há outros que são maus pastores. Bom pastor, boa pastora é quem defende as ovelhas e é capaz de dar a vida por elas; o mau pastor as ignora e as abandona nas situações difíceis e perigosas. Portanto, a partir da analogia e do simbolismo do rebanho e do pastor, o evangelista convida cada pessoa a estar atenta, a ter os olhos abertos para identificar se o seu líder, pastor ou pastora, está ou não conduzindo o povo no caminho de Jesus.
Na Bíblia, o pastor é a representação do "líder". E Jesus diz que muitos líderes se apresentaram como pastores, mas na verdade eram "ladrões e assaltantes". Isso acontece hoje também. Existem pessoas que se apresentam como líderes, mas na realidade, em vez de servir e cuidar, utilizam as ovelhas para o seu próprio proveito, como muito bem expressa o profeta Ezequiel. Alguns têm uma maneira de falar tão atraente e fazem uma propaganda tão inteligente que conseguem enganar descaradamente muitas pessoas. Por isso, um dos objetivos da analogia do Bom Pastor apresentada por João é o de oferecer alguns critérios para que as comunidades pudessem discernir qual é o líder ou pastor que realmente pode ser creditado para tal ofício.
Na Palestina, a sobrevivência do povo dependia muito do cuidado dos rebanhos, sobretudo de cabras e ovelhas. A imagem do pastor cuidando ou se aproveitando das ovelhas, descrita pelo profeta Ezequiel (34-36), era bem conhecida de todos. Era comum usar a imagem do pastor para indicar o papel daquele que governava. Assim, muitos profetas criticavam os reis e as autoridades religiosas que não cuidavam e não atendiam às necessidades do povo (cf. Jr 2,8; 10,21; 23,1-2).
Diante da frustração por causa das ações dos maus pastores, o povo passa a pedir a Deus que Ele mesmo seja o pastor que o guie e o cuide, desejo tão bem expresso no Salmo 23,1-6: "O Senhor é meu Pastor, nada me pode faltar". Jesus conhecia esses anseios do povo e cumpriu essa esperança apresentando-se como o Bom Pastor, diferente dos líderes que enganavam e roubavam o povo.
Em várias ocasiões, o Papa Francisco exortou os sacerdotes, e continua exortando a todas as pessoas que são líderes nas comunidades cristãs, a serem "pastores com cheiro de ovelha" e não com cheiro de sacristia ou de flores de altar. E alertou que essas ovelhas as encontramos nas periferias existenciais e também geográficas das nossas cidades e comunidades.
Hoje algumas paróquias aproveitam para celebrar o pároco e o seu serviço pastoral. Mas todas as mulheres e homens de fé, quer exerçam diversificados ministérios na comunidade, quer façam parte da hierarquia da Igreja, devem fundamentar-se na "pedra angular" apresentada na liturgia de hoje, e seguir o exemplo e a voz do Bom Pastor, Jesus de Nazaré. Mais do que exaltar os pastores e pastoras ou destacá-los como líderes ou pessoas que guiam os outros, o evangelho de hoje nos convida a discernir, com bons critérios, quem são os pastores e as pastoras que lideram nossas comunidades.
Portanto, Jesus, o Bom Pastor, nos convoca a sermos pastores e pastoras da vida onde ela está mais ameaçada e agredida, onde há pessoas sem ninguém para amá-las, defender os seus direitos e cuidá-las. Por isso, não devemos ter medo do cheiro das ovelhas que mais precisam de nossos cuidados.
Um bom domingo, irmãos e irmãs, e muita sabedoria e discernimento para todas/os nós.
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