A reflexão é de Lucileide Cavalcante Silva, MRCJ. Ela é religiosa da Congregação das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus. Graduada em Ciências da Religião pelo Instituto de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Estadual Vale do Acaraú (2003), ela é mestre em Teologia pela Universidade Católica de Pernambuco (2017-2019) e doutoranda em Ciências da Religião na mesma Instituição. Possui experiência em Gestão Escolar, Assessoria Bíblica, Retiros, Formação em Espiritualidade e facilitadora de Eneagrama. É membro efetivo do Instituto Eneagrama Shalom (IESH)
Ez 33,7-9
Sl 94(95),1-2.6-7.8-9 (R. 8)
Rm 13,8-10
Mt 18,15-20
A liturgia do 23º domingo do tempo comum nos convida a refletir sobre o exercício cotidiano da correção fraterna, do sincero desejo em ajudar o outro a reencontrar o caminho do bem. Ninguém nasce para viver sozinho, crescemos na relação com o diferente, criamos vínculos à medida que nos conhecemos, acolhemos e respeitamos o outro. Neste caminhar, nem sempre conseguimos aceitar uma correção fraterna e em vários momentos corrigimos o outro sem compaixão.
Na escola de Jesus, ele nos provoca e instiga-nos a sairmos de nossa zona de conforto e olharmos além de nós mesmos, pois, somos responsáveis uns pelos outros, especialmente aos mais vulneráveis, e se “ele te ouvir, tu ganharás o teu irmão”. Na primeira leitura, Ezequiel recebe a missão do Senhor para ser o vigia da casa de Israel, para corrigir e orientar aos que se desviarem da vontade de Deus na comunidade.
No Evangelho, Mateus dispõe uma sequência de passos para orientar com atenção e respeito os irmãos que se afastarem da comunhão fraterna. Na segunda leitura, o Apóstolo faz a experiência que só o amor é o cumprimento perfeito da Lei, pois, quem ama não maltrata o outro.
1. I leitura: Ez 33,7-9
O profeta Ezequiel, foi deportado, junto com o povo no exílio da Babilônia (597 a.C) e lá acolheu a missão de se tornar o vigia do povo de Israel. A missão de ser vigia desperta os sentidos para atenção, o zelo e o cuidado com os outros. Pois, quando todos adormecem ao declinar o dia, o vigia está desperto, vigilante a qualquer ruído, focado em proteger o povo. A metáfora do vigia sinaliza para a arte de cuidar dos irmãos, gerenciar o tempo não somente para si, mas, com responsabilidade de zelar pelo bem da comunidade.
2. II leitura: Rm 13, 8-10
Na segunda leitura, Paulo assegura que o Amor é a essência da comunidade. Quem diz amar a Cristo, escolhe cultivar a arte da escuta às necessidades do próximo, procura concretizar desde as pequenas atitudes o cumprimento fiel à Lei. Nessa perspectiva, para os cristãos, Cristo é a Lei, a Torá, o amor encarnado, sendo assim, quem ama o próximo cumpriu toda a Lei. Não é tarefa simples cultivar o amor ao próximo, por isso o Apóstolo nos interpela a amar na ação. No trato com os outros, o amor é a respiração que nutre as relações nos compassos e descompassos da vida, pois fomos criados para amar, o resumo de todos os preceitos.
3. Evangelho: Mt 18, 15-20
O Evangelho de Mateus brotou no coração de uma comunidade, uma segunda geração de cristãos, com membros provenientes de origem judaica e outros de origem pagã. A comunidade matiana enfrentava conflitos externos (a sua oposição com o judaísmo) e internos, devido a composição pluralista da comunidade. Mateus aos poucos procura conciliar em seu Evangelho as diversas tradições, as diversas posturas que refletem no texto a marca do cristianismo primitivo do século I d.C.
Por ser uma comunidade pluralista, alguns problemas de convivência e de posições contrárias surgiam na relação interna do grupo e um jeito que Mateus encontra é orientar a comunidade a partir da relação fraternal, como uma família. O texto que a liturgia nos propõe a refletir hoje, esta coleção de ensinamentos éticos, como a correção fraterna, situa-se na terceira parte do Evangelho, nas instruções dirigidas anteriormente aos discípulos de Jesus e que o Evangelista agora dirige à comunidade dos cristãos:
"Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo,
mas em particular, a sós contigo!
Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão.
Se ele não te ouvir,
toma contigo mais uma ou duas pessoas,
para que toda a questão seja decidida
sob a palavra de duas ou três testemunhas.
Se ele não vos der ouvido, dize-o à Igreja”.
Os apóstolos devem interpretar e ensinar tudo o que Jesus ordenou. O processo de correção ao irmão é um caminho pedagógico em que o respeito e a responsabilidade mútua permeiam as relações dentro da comunidade eclesial. Quem corrige o irmão necessita olhá-lo com a misericórdia ensinada e vivida por Jesus: o amor pelo irmão é maior que suas falhas; corrige-o com bondade e respeito, em particular, para que ele ao reconhecer o seu erro, volte ao seio fraterno. “Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão”. Por outro lado, o cristão a ser corrigido pode, neste clima de carinho e atenção, pode repensar as suas atitudes. É largo o desejo de reconduzir o irmão ou irmã à comunidade, “até setenta vezes sete”, pois, a comunidade cristã é o espaço do perdão, da responsabilidade mútua e do crescimento em Cristo.
A comunidade dos discípulos de Jesus é o espaço fraterno em que o amor é ação e não quer o mal do próximo. Ele, o amor, nos interpela a sermos responsáveis uns pelos outros, na liberdade, cultivando a arte do cuidado, da escuta e do serviço fraterno. Assim, neste terreno do cotidiano, o perdão floresce como exercício da intimidade orante com Jesus.