Por: MpvM | 12 Março 2021
“Jesus é graça em nossa vida e o nosso atual cenário é de des-graça. Precisamos recuperar o espírito do amor de Deus anunciado e vivido por Jesus. Portanto, todas às vezes que nos negamos a nos proteger e também proteger ao nosso próximo, no cuidado da saúde é a Jesus que negamos. Se o nosso amor precisa ser incondicional como o amor de Deus para conosco e assim não o manifesto, estou a errar com Deus, estou a errar com seu projeto de vida. A mensagem do amor de Deus está distorcida para mim e com isso, distorço-a aos meus irmãos e irmãs. Mato-os um pouco a cada dia, como faz o vírus no meio de nós."
A reflexão é de Perla Cabral Duarte Doneda. Ela é mestra em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, graduada em Teologia pelo Centro Universitário Claretiano-Batatais, bacharel em Ciências Religiosas pela PUC Campinas e, atualmente, doutoranda em Ciências da Religião na UMESP, bolsista Capes/Prosuc. Integrante do Grupo de Pesquisa Religião e Vida Cotidiana na UMESP. Sócia da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião - SOTER
Leituras do Dia
1ª Leitura - 2Cr 36,14-16.19-23
Salmo - Sl 136,1-2.3.4-5.6 (R. 6a)
2ª Leitura - Ef 2,4-10
Evangelho - Jo 3,14-21
Estamos no 4º Domingo da Quaresma e a liturgia de hoje tem muito a nos dizer em tempos de pandemia. Para nós cristãos é tempo de rememorarmos a história de Jesus, especialmente, revivermos os seus ensinamentos mais expressivos dos seus últimos dias. A primeira leitura (2Cr 36,14-16.19-23), da liturgia de hoje, está em 2Cronicas, no capítulo 36 que vai nos mostrar que Deus dá sempre uma nova chance ao seu povo, uma nova possibilidade de recomeçar, de refazer o caminho do amor, de uma vida nova.
Já a oração do Salmo (Sl 136,1-2.3.4-5.6) traz para nós uma resposta nesse processo de recomeçar ou refazer uma caminhada que é, na verdade, a nossa própria sentença se não cumprirmos o mandamento do amor de Deus. A resposta principal do Salmo diz assim: “Se eu não me lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua”. Este Salmo refere-se a lembrança de um tempo ainda bom, um tempo em que o povo não estava cativo. É um rememorar no tempo do pós-exílio e, que sendo Deus o seu libertador, deveriam então se lembrar de seu socorro, de sua bondade em tirá-los da escravidão. É uma advertência a não se esquecerem de Deus.
A segunda leitura (Ef 2,4-10) nos dizer que esse amor de Deus é incondicional, desmedido é verdadeiramente misericordioso. Como disse o Papa Francisco na Encíclica Misericordia et Misera, no n. 12 que: “não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai”.
No Evangelho (Jo 3,14-21), João nos afirma que Deus é amor e essa confirmação do amor é tão grande, profundo, misterioso e ao mesmo tempo, tão verdadeiro, a tal ponto que Deus enviou seu próprio filho para demonstra-lo.
Diante destas leituras, podemos destacar verbos que demonstram a centralidade e o objetivo destes textos, ressaltando a especificidade do tempo quaresmal e por isso, importa destacar. O destaque vai para as ações: recomeçar, refazer, lembrar, amar... tudo é ação em movimento para uma vida nova. No entanto, a humanidade vive nessa quaresma uma das fases mais dolorosas da nossa história. E é justamente nessa fase difícil que somos impelidos a buscar uma maior compreensão e que devemos nos esforçar para criar um recomeço, um refazer... Refazer significa olhar para um tempo antes, assim como fez o cronista da primeira leitura e ver como a humanidade superou seus desafios, suas dores, suas mortes. Tempos e situações, em que líderes e povos buscavam coisas em comum. Buscavam libertação!
Hoje o Brasil e o mundo precisam recomeçar, pois, estão totalmente presos por situações de morte, chegamos a mais de 265 mil mortes pelo Covid-19 e com esse vírus somos convidados a perceber quais são as pessoas que promovem o amor ao próximo e quais são as que agem de forma a desumanizar o próximo, gerando uma situação ou um estado de desamor. Na nossa história do Covid-19, estas pessoas a cada dia têm se mostrado ainda mais indiferentes, toda vez que desconsideram as orientações da OMS, dos médicos no Brasil, dos relatórios científicos que tem revelado a gravidade com que esse vírus está se modificando e se fortalecendo no meio de nós. Então, essa é uma quaresma dos mistérios dolorosos de Jesus. Muitos brasileiros estão sendo postos no caminho da cruz que não mereciam. Carregam fardos mais pesados do que podem suportar. Somos chamados a meditar nossa indiferença diante disso tudo e a ressignificar o valor da vida para cada um de nós.
Jesus é graça em nossa vida e o nosso atual cenário é de des-graça. Precisamos recuperar o espírito do amor de Deus anunciado e vivido por Jesus. Portanto, todas às vezes que nos negamos a nos proteger e também proteger ao nosso próximo, no cuidado da saúde, é a Jesus que negamos. Se o nosso amor precisa ser incondicional como o amor de Deus para conosco e assim não o manifesto, estou a errar com Deus, estou a errar com seu projeto de vida. A mensagem do amor de Deus está distorcida para mim e com isso, distorço-a aos meus irmãos e irmãs. Mato-os um pouco a cada dia, como faz o vírus no meio de nós.
Liturgicamente somos capazes de iniciar e terminar um tempo quaresmal. Mas, pandemicamente não sabemos quanto tempo durará nossa quaresma, nossa via dolorosa, pois, não sabemos quanto tempo durará a ação viral. Mas podemos saber o que fazer bem a cada dia e a cada dia podemos fazer ainda melhor para cuidarmos uns dos outros. Iremos ressuscitar ao final? Não sei. Na nossa liturgia celebramos que Deus ressuscitou Jesus e que, por seu filho nos salvou. Mas, Jesus nos salvou mesmo? Como nos encontramos hoje, salvos de verdade? Podemos dizer que todos estão curados que nos amámos muito que não matamos com palavras ou armas que cultivamos a natureza com respeito e que aos animais, tratamos com bondade? Fazemos isso tudo mesmo?
A Campanha da Fraternidade neste ano é ecumênica e ela pretende ser um sinal de salvação. Igrejas cristãs se propõem a refletir juntos o mistério de Jesus na história humana sob o tema: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. Sabemos o quanto é delicado falarmos com Igrejas irmãs nas nossas mais variadas formas de ver e sentir a dimensão do amor de Deus na vida comunitária. Tanto é difícil que gerou uma desastrosa polêmica antes mesmo de iniciarmos a campanha e, que dirá, se nos propormos a pensar nas religiões em geral. As religiões, todas, a princípio não são projeto de Deus, elas foram acontecendo no mundo, como lá no mundo antigo e, de processo em processo, de linguagens e divergências, umas foram desaparecendo e outras foram surgindo. Por que chamo a atenção para isso? Para dizer que em meio ao caos da vida, de um Covid-19, há um tempo da quaresma que somos convidados a repensar juntos com outros irmãos na fé, na graça e na prática evangélica, ecumenicamente falando, mas que podemos ir além. Em todo tempo Deus se fez presente e se manifestou e se manifesta hoje na nossa pandemia, na nossa Igreja, nas religiões e na nossa quaresma e haverá o ápice do tempo da graça que chamaremos, de nossa Páscoa.
Para tal finalidade devemos dialogar, como propõe a CF deste ano e as leituras de hoje. Para mostrar que Jesus é um caminho para o recomeço... é sempre uma forma para pensar ou evidenciar o óbvio, o amor. O perdão. A misericórdia. A compaixão entre as pessoas. Deus veio ao mundo para evidenciar a importância de vivermos no amor e na fraternidade. E, se eu me esquecer disso, o salmo de hoje me sentencia: que seque minha mão e cole a minha língua ao céu da boca.
Neste 4º domingo da quaresma somos convidados a repensar, refazer, recomeçar. Se nos esquecermos disso, somos Sião a esquecer de Jerusalém. Todos que defendam instrumentos de morte, na política, na economia, na educação, na saúde, na cultura, na arte e se dizem cristãos e se dizem ter fé em Deus, como professava a comunidade de Efésios e, assim, contavam com a crença na graça pela parte de Deus e que somente por ela seriam salvos, hoje estaríamos nós equivocados. Não nos basta ter apenas fé em Jesus porque não nos basta somente o céu. Nós precisamos cá na terra. Logo, concretamente, a fé não nos salvará de nada, nem do vírus, nem da fome. Estão salvos, meus irmãos e minhas irmãs que estão de baixo das pontes? Salvos estão os que não tem o que comer, beber, vestir ou morar? A fé lhes garante essa graça/conquista? Salvos estão os que morrem nas filas dos hospitais? Alguns de vocês podem argumentar: sim, estamos salvos. Sim a fé me reservará a glória nos céus. Aí lhes digo: a vocês basta a glória nos céus mesmo que o inferno esteja presente cá na terra? Disse nos hoje São João: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras eram más... Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas de Deus”. Obras emanadas de Deus é todo bem e justiça que oferecemos aos nossos irmãos e irmãs de hoje, enquanto tudo na vida acontece. O céu poderá ser uma consequência disso tudo.
Ai de voz que esqueçais dessas coisas... De que Deus mandou seu Filho para nos ensinar a viver com amor e justiça cá na terra. Ai de mim, o Sião, se me esquecer de Jerusalém, que se prenda a minha língua. Creio que, muitos de nós esquecemos por todos esses séculos da história que aconteceu em Jerusalém, com a cruz de Jesus, pois, nossa língua está presa, não conseguimos nos entender, nos respeitar, dialogar e amar de verdade. Talvez, nossas mãos estejam secas.... Precisamos recomeçar. Que está pan-quaresma nos ajude a refazer a nossa história do amor cristão.
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4º domingo da quaresma - Ano B - Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por Ele - Instituto Humanitas Unisinos - IHU