10 Abril 2011
A conjuntura da semana é uma (re)leitura das "Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. Particularmente, a análise dessa semana toma como referência principal a revista IHU On-Line, edição nº 356. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Sumário:
A política econômica do governo Dilma Rousseff
Continuidades e descontinuidades
Inflação. Foco central das políticas econômicas
Juros e câmbio. Política heterodoxa?
Política industrial em baixa – Commodities em alta
China. O dragão a ser enfrentado
Crescimento resolve tudo?
Conjuntura da Semana em frases
Eis a análise.
Depois de três meses é possível descrever as linhas fundamentais da política econômica do governo da presidenta Dilma Rousseff? A resposta a essa pergunta é o tema da Revista IHU On-Line, edição nº 356. Participam do debate economistas e analistas sociais de diferentes vertentes teóricas: Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), José Luis Oreiro (UnB), David Kupfer (UFRJ), Reinaldo Gonçalves (UFRJ) e Francisco de Oliveira (USP).
A essas vozes, são agregadas outras a partir de matérias, artigos, reportagens e entrevistas publicadas diariamente nas "Notícias do Dia" no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Grosso modo, e tomando a Revista IHU On-Line como referência, pode-se dizer que há três vertentes de análise sobre os rumos da economia no governo Dilma Rousseff:
1) aqueles que consideram "uma boa supresa" o início do governo Dilma e avaliam como corretas as medidas adotadas até o momento, compatíveis com a conjuntura internacional e as pressões internas, embora sugiram algumas correções;
2) aqueles que avaliam o início do governo como o "mais do mesmo", ou seja, a continuidade de uma política econômica refém dos interesses do capital financeiro e das oligarquias produtivas e;
3) aqueles que veem continuidade em relação ao governo anterior, porém com a introdução de algumas modificações.
No primeiro grupo situam-se José Luis Oreiro (UnB), Fernando Cardim (UFRJ) e Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), no segundo grupo estão Francisco de Oliveira (USP) e Reinaldo Gonçalves (UFRJ) e no terceiro grupo encontra-se David Kupfer (UFRJ). É evidente que essa matização pode incorrer num certo simplismo, mas ajuda na compreensão mais geral de visões diferenciadas em relação aos indicativos e perspectivas na área economica do governo Dilma Rousseff.
Entre os temas mais espinhosos da economia e que tem sido objeto de preocupação da presidenta e sua equipe econômica, os economistas entrevistados pela IHU On-Line citam: a inflação, os juros, o câmbio, o ajuste fiscal, a política industrial e a relação comercial com a China. Esses temas interagem entre si e decisões tomadas em um dos "nós" interferem nos demais. Sobre a essência do modelo adotado por Dilma, todos concordam que ele é de coloração desenvolvimentista, ou seja, nele o Estado joga um papel importante na regulação e indução do crescimento econômico, bem como na estratégia de crescimento – ramos de atividade que merecem o apoio do Estado. A polêmica fica por conta de quem essas decisões beneficiam.
Entre os entrevistados há também certa concordância de que as perspectivas de crescimento do país para os próximos anos é na faixa de 4% a 5%, um crescimento insuficiente, mas também longe de ser considerado desastroso. Aqui, outro debate surge: Crescimento econômico é suficiente para resolver os problemas sociais do país?
Continuidades e descontinuidades
Entre os analistas que consideram que Dilma começou bem está Fernando Cardim de Carvalho. O professor da UFRJ afirma que está positivamente surpreendido com a administração de Dilma: "Eu temia que a presidenta, por inexperiência política, podia acabar dominada pelos grupos que povoam seu governo, e perdesse as rédeas da administração federal. Isso não aconteceu, pelo contrário. Por outro lado, há mudanças visíveis, embora de consequências ainda não inteiramente claras, como, por exemplo, a mudança na diretoria do Banco Central em favor de funcionários de carreira em lugar de egressos de mercados, cuja agenda nunca se sabe realmente qual é, ou que, no mínimo, tornam a autoridade monetária mais sensível do que deveria ser às demandas e visões do mercado".
Segundo ele, "ainda é muito cedo para avaliar resultados, mas a presidente está mostrando liderança e decisão, tanto mais importantes quando nos lembramos que não voamos mais em céu de brigadeiro no contexto internacional".
Outro que avalia que Dilma tem sido uma "boa supresa" é o economista da Universidade de Brasília – UnB, José Luis Oreiro: "Tenho gostado dos discursos da presidenta Dilma, ao contrário do anterior. Ela tem se comportado de uma maneira mais equilibrada em relação ao seu antecessor". Segundo ele, "a mudança na gestão do Banco Central, uma das primeiras medidas anunciadas pela presidente eleita, favorece uma política mais alinhada com a da equipe econômica, o que indica uma "reforma silenciosa’".
O economista da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo avalia que a equipe econômica está agindo bem e acrescenta: "A política macroeconômica está equilibrada e razoável".
Outros economistas têm feito elogios às primeiras medidas econômicas de Dilma: Yoshiaki Nakano – diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Octávio de Barros – economista-chefe do Bradesco e Delfim Netto. Os economistas elogiam sobretudo o pragmatismo da presidenta. "O governo é técnico e menos ideológico do que poderíamos esperar do PT", diz Nakano.
Por sua vez, o economista Reinaldo Gonçalves da UFRJ e o sociólogo Francisco Oliveira da Usp, ambos entrevistados pela IHU On-Line, estão entre as vozes dissonantes. Destacam que os primeiros cem dias do governo Dilma indicam que ela é "mais do mesmo" e prosseguirá, em continuidade ao governo Lula, com uma política econômica refém e dócil aos grandes interesses econômicos – financeiro, produtivo e agronegócio. Na opinião de Reinaldo Gonçalves, Dilma governará "via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio".
Chico de Oliveira, por sua vez, diz que "quem melhor definiu os primeiros meses do governo Dilma foi o Ministro da Economia, Guido Mantega, ao dizer que a presidente não era nem o primeiro, nem o segundo, mas o terceiro mandato de Lula. Isso quer dizer que em linhas gerais, a presidenta Dilma segue as linhas econômicas que estão estabelecidas desde Fernando Henrique Cardoso".
Entre os críticos da política econômica do governo Dilma encontra-se o economista José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Eli da Veiga diz que várias medidas colocadas em prática pelo governo Dilma não foram apresentadas na campanha eleitoral. "E nem na do Serra. Só estavam no programa da Marina Silva", diz o professor, que participou da elaboração das propostas da candidata do PV. O economista cita particularmente o controle dos gastos públicos logo no início do governo: "Se o Serra tivesse ganho e estivesse fazendo isso, cortando verbas etc., estaria sendo acusado de neoliberal pelo PT na oposição".
Ainda na política econômica, Eli da Veiga considera "muito ruim" que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seja mantido como um dos pilares do governo. "O Brasil não pode de jeito nenhum ter esse tipo de visão de que o que interessa é fazer obras e com isso buscar crescimento. A ideia de que com crescimento se resolve tudo é uma visão antiga que ainda predomina", diz. Para o professor, há obras do PAC que não deveriam ser incentivadas. Exemplo claro é a estrada que liga Porto Velho a Manaus. "O ministro dos Transportes (Alfredo Nascimento) é do Amazonas e quer porque quer essa obra, que é uma barbaridade do ponto de vista ambiental e não tem justificativa econômica", afirma o economista.
Entre posições polarizadas tem-se a opinião do economista e especialista em política industrial David Kupfer para quem "a política econômica do início do governo Dilma é essencialmente a mesma do começo do governo Lula. A grande diferença, é que em 2003, havia uma crise política de credibilidade, que provocou uma explosão inflacionária, e desta vez não há nada similar. A sucessão foi absolutamente tranquila. Portanto, do ponto de vista econômico, pode se questionar se o ajuste fiscal é efetivamente necessário. Mas, do ponto de vista político é mais fácil entendê-lo".
Inflação. Foco central das políticas econômicas
Um crescimento de 4% a 5% é o previsto pela maioria dos economistas para esse ano e próximos. O curioso, é que embora o crescimento econômico seja um mantra para todo governo e base ideológica do desenvolvimentismo, o governo de Dilma Rousseff nesse início de governo vem adotando medidas de desaceleramento da economia com medo do recrudescimento da inflação.
De acordo com David Kupfer, a equipe econômica está cada vez mais preocupada em conter a inflação". Segundo ele, "a preocupação do alto escalão faz sentido porque o retorno da inflação pode corroer o poder de compra das famílias brasileiras e matar "a galinha dos ovos de ouro’ do modelo de consumo, que está na essência do mecanismo de crescimento da economia brasileira".
A inflação, ao lado dos juros e do câmbio, está entre os principais nós a serem desatados pela presidenta e se relaciona com as decisões de contigenciamento fiscal, salário mínimo, aumento de juros, desvalorização ou não do real e relação comercial com outros países. Segundo a maioria dos analistas, o governo de Dilma Rousseff começou atormentado com o risco da volta inflacionária e uma série de medidas adotas nesses primeiros meses estão relacionadas a esse tema. Ainda mais: a possibilidade de crescimento ou não dependerá de como serão enfrentadas essas variáveis econômicas numa conjuntura internacional de turbulências.
O receio à volta da inflação em patamares altos é o que tem justificado, segundo o governo, medidas de contingenciamento fiscal e, entre as principais, o não aumento do salário mínimo e o corte no orçamento.
"Não aumentar ainda mais o salário foi bom neste ano", afirma José Luis Oreiro. Segundo ele, "o governo apenas seguiu a regra que ele havia negociado com as centrais sindicais. Isso é positivo porque no momento em que se tem uma pressão inflacionária na economia brasileira, a elevação do salário mínimo aumentaria as pressões inflacionárias, obrigando o Banco Central a aumentar ainda mais a taxa de juros".
David Kupfer considera que ajuste fiscal é compreensível do ponto de vista político: "Todo governante aperta o cinto no início para gerar recursos para, quando as eleições estiverem mais próximas, ter caixa a fim de poder fazer um governo mais exuberante. Isso tende a ser assim na democracia". Mas, diz ele, "também cabe considerar que o governo anterior abriu espaço para uma exacerbação de demandas da sociedade e agora há a necessidade de contê-las para devolver ao gestor a capacidade de atribuir prioridades. Essa leitura política torna mais compreensível que o novo governo tenha optado por anunciar um ajuste fiscal como seu cartão de visitas".
Para Belluzzo, a posição do governo de fixar o salário mínimo em 545,00 reais se justifica. Em sua opinião, a equipe econômica está utilizando os recursos necessários para conter a inflação e a prioridade, neste momento, é "acomodar a economia para não fazer com que esse choque internacional das commodities transite pelo mercado de trabalho". Neste sentido, "o governo está defendendo a necessidade de modular o crescimento em vez de jogar a economia na recessão".
O economista Fernando Cardim, também não vê o corte no orçamento como algo drástico. Segundo ele, "há que se chamar a atenção para dois pontos. O primeiro é que o corte, na verdade, é um corte no "aumento’ previsto para os gastos, não um corte propriamente dito", e "segundo, e mais importante, é lembrar-se que o gasto público no Brasil desses últimos anos compreende dois elementos: despesas com a provisão de serviços públicos, investimentos do governo e, no nosso caso, as medidas de redistribuição de renda, que são permanentes; mas há também despesas de natureza anticíclica, quando o governo expandiu gastos e reduziu impostos para combater os impactos locais da crise internacional, ao final de 2008, início de 2009".
Opinião distinta dos economistas citados tem José Reinaldo e Francisco de Oliveira. Segundo o economista da UFRJ na entrevista à revista IHU On-Line, "as primeiras ações de Dilma demonstram três elementos. O primeiro é que o ajuste em 2010 agravou desequilíbrios macroeconômicos (contas externas, endividamento das famílias e empresas, bolha de preços de imóveis, pressão inflacionária, etc.). O segundo é que este ajuste foi influenciado enormemente pelo oportunismo do governo Lula em ano de eleições gerais. E o terceiro é que no governo Dilma é mantida a "síndrome de prefeito do interior’".
Ou seja, diz José Reinaldo, "arrocho nos dois primeiros anos de governo e extrema liberalidade no final do mandato. Assim, comprime-se a base para se obter resultados mais visíveis no período de reeleição. Em resumo, é a captura da gestão macroeconômica pelo oportunismo eleitoral".
O sociólogo Francisco de Oliveira, por sua vez, afirma que "Dilma segue as linhas econômicas que estão estabelecidas desde Fernando Henrique Cardoso". Segundo ele, a inflação não é um problema e o arrocho no salário mínimo foi um erro. "O governo poderia ter sido mais generoso, sabido. Teve a chance de conquistar o apoio firme dos setores da classe trabalhadora sem acrescentar nada à inflação, pois ela está sob controle. A inflação está sob controle justamente pela opção do governo de não expandir o gasto, além da vigilância do Banco Central", diz ele e reafirma: "Dilma deu um passo político equivocado. Não necessitava desse rigor. O acréscimo que se propunha era irrelevante do ponto de vista das contas governamentais. A decisão dela mostra inexperiência política e a mania de que é preciso gerir as contas do governo. Isso não é tarefa do presidente e, sim, do Ministério da Fazenda, do Banco Central. Ela mostra e confirma, nos primeiros meses de governo, a inabilidade política que os especialistas assinalaram".
Juros e câmbio. Política heterodoxa?
Política de juros e câmbio são duas outras "dores de cabeça" de Dilma Rousseff no início do seu governo e estão associados ao problema da inflação.
O professor David Kupfer da UFRJ, diz que "o governo está elevando a taxa de juros e também recorrendo adicionalmente a outros tradicionais instrumentos da política monetária, hoje chamados de macroprudenciais, mas permanece o objetivo final de frear o ritmo de crescimento da economia com a decisiva contribuição da valorização do real. Não se conseguiu ainda desenhar uma mudança relevante na linha mestra da política macroeconômica que permita ao país escapar dessas restrições ao crescimento rápido e sustentável".
A elevação da taxa de juros para frear o aquecimento da economia e controlar a inflação tem efeitos colaterais. Segundo José Luis Oreiro, é evidente que governo está adotando medidas para conter a inflação e "o ajuste fiscal é uma tentativa neste sentido". Em sua opinião, "a maneira mais rápida de desacelerar a economia é aumentar a Selic". No entanto, diz ele, "isso reforça o problema na apreciação do câmbio, que, por sua vez, prejudica ainda mais o equilíbrio das contas externas do Brasil".
Para Oreiro, "Dilma deveria fazer, neste início de governo, um choque fiscal na economia junto com uma nova política cambial e uma reforma do sistema de metas de inflação de tal maneira a sinalizar para o mercado que a taxa de juros, a partir de agora, será muito mais baixa e com isso o câmbio pode ser mais alto do que é hoje, sem que isso comprometa a extensão das metas de inflação".
O economista Belluzzo, considera que "o Brasil é um dos países que está sofrendo o choque inflacionário, que em boa medida decorre da rápida elevação dos preços das commodities. No entanto, o Brasil é o país que usou o conjunto de instrumentos mais amplo, como medidas de controle do crédito, manteve a política do Banco Central parecida com o que vinha sendo feito, embora a taxa de juros no Brasil seja absurdamente alta diante do mundo. Dilma está prometendo maior rigor fiscal, embora o Brasil tenha uma situação de dívida e de déficit bastante confortável se formos comparar com outros países". "A política macroeconômica está equilibrada e razoável", afirma o economista da Unicamp.
A forma como o governo vem tratando a política de juros vem sendo considerada como heterodoxa por muitos. O jornalista Vinícius Torres Freire comenta o relatório do Banco Central publicado no final do mês de março, o qual reafirma que "não vai aumentar as taxas de juros se puder contar com outros meios, próprios ou não, de reduzir a inflação, como medidas alternativas de controle de crédito, a política fiscal e o arrefecimento da inflação devido a fatores que não controla (como choques de preços, como os de commodities)".
A nomeação de Alexandre Tombini, funcionário de carreira do BC, e não de alguém egresso do mercado financeiro é visto como indicativo de que a fórmula de sempre – elevação de taxas de juros – para combater a inflação dividirá espaço com outras variáveis.
A jornalista Claudia Safatle comenta que "o sistema bancário ainda não se conformou com a inovação na política monetária introduzida por Tombini, que combina aumento dos juros com medidas prudenciais (de regulação do crédito e dos riscos). Até então, nos oito anos de governo Lula, os bancos viveram uma situação confortável. Seus economistas conheciam bem o raio de atuação do BC, que tinha um objetivo - controlar a taxa de inflação - e um instrumento - a taxa básica de juros (Selic)".
Opinião diferente tem Francisco de Oliveira, para quem "a elevação da taxa de juros é irrelevante". Segundo ele, "não se combate mais inflação elevando taxas de juros, sobretudo com a porcentagem que foi anunciada". O sociólogo destaca ainda que "o corte fiscal é para inglês ver" e continua: "Dilma não tem muito o que fazer. Como dizem, em time que está ganhando não se mexe. Ela pegou uma economia em expansão e não tem muita alternativa, a não ser tocar o barco do jeito que está indo".
Na opinião de Fernando Cardim, "o câmbio é, de longe, nosso maior problema. Não é um problema de fácil solução. Um real desvalorizado é essencial para promover exportações líquidas, mas ainda mais para impedir a desindustrialização visível seja na penetração de importações de manufaturas, seja no desaparecimento dessa classe de bens da nossa pauta de exportações. Uma eventual desvalorização descontrolada do real poderia reforçar a inflação doméstica, algo intolerável para a sociedade brasileira".
Segundo ele, "exige-se do governo, no momento, não apenas a clareza para identificar os problemas, mas também uma habilidade extrema para manejá-los de forma eficaz".
O problema cambial – excessiva valorização do real – é explosivo e estaria provocando divisões internas no governo de como enfrentá-lo. Na semana passada, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Luciano Coutinho, criticou numa reunião fechada com empresários a estratégia usada pelo governo para lidar com a valorização do real em relação ao dólar. Coutinho disse aos empresários que o governo desistiu de conter o dólar num patamar de R$ 1,65 porque o câmbio pode ajudá-lo a combater a inflação, apesar dos prejuízos que o real forte traz às indústrias que enfrentam a competição das importações.
Coutinho afirmou que "a indústria está sendo destruída" com a taxa de câmbio atual e defendeu "uma mobilização de toda indústria para combater isso".
Outros temas associados aos anteriores são discutidos pelos entrevistados da revista IHU On-Line tendo como pano de fundo as possibilidades da continuidade do crescimento econômico ou, até mesmo, uma retomada ainda mais forte. Os gargalos na infraestrutura brasileira, a relação comercial com a China, a política industrial brasileira e as opções estratégicas de investimentos do Estado brasileiro, são discutidas pelos entrevistados.
Política industrial em baixa – Commodities em alta
A política industrial é um tema recorrente nas entrevistas. Há um consenso que se trata do setor que mais agrega valor, amplia a massa salarial, melhora a balança comercial, estimula a pesquisa e torna a economia competitiva. Logo, uma política industrial agressiva seria desejável. O problema, entretanto, diz Kupfer é o fato de que "o modelo de estabilização brasileiro não é pró-indústria". Segundo ele, "é um modelo que ajusta, um pouco nas costas da indústria, a necessidade de ter compensações para determinados custos que são crescentes no país. Como a indústria trabalha com comercializáveis, o que se pode fazer é achatar o preço da indústria, expondo-a a concorrência internacional e, adicionalmente, induzindo um processo de valorização cambial. Em síntese, o governo está barateando o preço do produto industrial, o que ajuda a controlar a inflação".
Em sua análise, "será inevitável que a indústria vá passar por uma nova rodada de perda de competitividade nos próximos anos. O que tem de estar claro é que a indústria acaba arcando com os efeitos nocivos de um modelo de combate a uma inflação que o Brasil está importando dele próprio, pois boa parte dela vem de aumentos de preços de matérias-primas que são exportadas pelo Brasil".
Para o economista, um dos maiores especialistas em política industrial no país, a indústria brasileira ainda não está preparada para crescer e competir. Segundo ele, "o problema da inovação no Brasil é amplo e tem raízes tanto na estrutura da indústria quanto no comportamento das empresas e do governo (...) são raízes estruturais e comportamentais", afirma.
O risco é o país ficar refém de uma economia de commodities. "O Brasil não pode, de jeito nenhum, se apoiar exclusivamente na exportação de commodities, virar exportador de matérias-primas e abandonar outros setores", diz Belluzzo. Segundo ele, "isso não quer dizer que o país não deva aperfeiçoar a cadeia de exportação de commodities e dar mais valor agregado a ela, o que é perfeitamente possível, ou seja, industrializar o campo. Mas o país não pode abandonar o projeto de industrialização por conta da valorização cambial", afirma.
Outro que tem reafirmado os riscos de uma economia primária é o economista José Reinaldo. Em sua opinão, "o Brasil está andando para trás e comprometendo sua capacidade de desenvolvimento dinâmico e sustentável no longo prazo com investimentos focados em agronegócio, mineração e petróleo, e, portanto, desindustrialização e reprimarização".
China. O dragão a ser enfrentado
Associado ao problema da industrialização tem-se a relação com a agressiva política econômica da China, que tem interesse em importar commodities do país e exportar produtos manufaturados.
Um comunicado recente do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada – Ipea, intitulado As relações bilaterais Brasil-China: a ascensão da China no sistema mundial e os desafios para o Brasil, afirma que a China já é o maior importador dos produtos brasileiros desde 2009 quando deslocou os Estados Unidos, absorvendo 15,2% do total exportado pelo Brasil. O comunicado destaca a concentração das exportações brasileiras em produtos básicos, e aponta que, apesar do Brasil estar em superávit em sua balança comercial com a China, sendo um importante fornecedor de alimentos, petróleo e matérias-primas, corre o risco de estagnar a médio e longo prazo como grande exportador de commodities.
O texto sugere que o Brasil deveria usar o investimento chinês para potencializar a infraestrutura e agregar valor à produção no território nacional para os segmentos do agronegócio, do minério e aço e do petróleo. Para a manufatura (automóveis, eletroeletrônica, motocicletas e equipamentos) faz-se necessário requerer um maior conteúdo local (firmas brasileiras) na produção de peças e componentes.
"A China tem procurado o Brasil para exploração primária agrícola e mineral. Evidentemente, não há uma razão clara que nos leve a imaginar que o país irá mudar de postura. Então, a relação do Brasil com a China é complexa e, embora nesse momento a China esteja ajudando o equilíbrio comercial brasileiro, tende a se tornar conflitiva com o passar do tempo. E quando essa fase de auge do ciclo das commodities reverter e a China não gerar tanto superávit para o Brasil, esses conflitos tenderão a se aguçar", diz o economista David Kupfer. "Imagino – diz ele - que há uma percepção dos formuladores da política externa brasileira nesta questão e, evidentemente, todo o movimento da política externa brasileira já reflete esse desafio chinês. Imagino que a aproximação de Brasil e EUA é uma forma de buscar meios para que os dois países tentem neutralizar essa ameaça chinesa".
Reinaldo Gonçalves vai na mesma linha: "O que a China quer é controlar fontes fornecedoras de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado".
Segundo o economista, "a criação de grupo de estudos dentro do Executivo é um indicador de que nada de relevante será feito. A relação bilateral China/Brasil já foi bem estudada e o principal resultado é que esta relação reproduz o modelo centro/periferia. Ou seja, a China é centro e o Brasil é periferia. A China apresenta-se como altamente competitiva e exportadora de bens e serviços intensivos em tecnologia, capital, mão-de-obra qualificada e alto valor agregado, enquanto o Brasil destaca-se como exportador de produtos primários. Ou seja, no século XXI o Brasil terá com a China o mesmo tipo de relação que ele tinha com o Reino Unido no século XIX e com os Estados Unidos no século XX".
Na opinião de Luiz Gonzaga Belluzzo, o Brasil tem se defender da China. Comenta ele: "A China é uma produtora global e o Brasil não pode pensar em competir com esse país. O Brasil tem de se proteger em duas mãos: ampliar as relações comerciais com a China nos setores em que interessa; e impor barreiras, porque os chineses têm condições de proteger a sua indústria e incentivá-la a exportar".
Belluzzo insiste que "o Brasil precisa se defender (...) e manter uma estrutura industrial resistente, forte e aproveitando, inclusive, esse projeto do pré-sal para internalizar muita coisa na área de metal-mecânica, de informática, por conta da demanda que vai nascer da exploração do pré-sal".
"Aí, vai – alerta ele – ser preciso uma política de governo para fazer com que a Petrobras use seu poder de compra para incentivar as indústrias brasileiras. Já imaginou esse país urbanizado do jeito que é, com as conexões que a urbanização tem com a indústria, retroceder para um país produtor exportador de commodities? Seria um desastre".
Interditando uma retomada do crescimento econômico, o país tem ainda gargalos na infraestrutura, opina David Kupfer. Segundo ele, "o Brasil está engargalado pelos problemas de infraestrutura há muito tempo e a velocidade com que está se construindo infraestrutura no país não é suficiente". O economista comenta que "o problema é que o investimento no Brasil tem ocorrido de forma lenta e com períodos de maturação muito grandes: as obras demoram demais para serem decididas, concebidas, projetadas, executadas e ficarem prontas. As razões para isso são conhecidas e remetem a problemas da natureza da relação público/privado, das questões de regulamentações jurídicas e a todo o embrulho administrativo e burocrático que existe no país atualmente. Há obras do primeiro PAC que já deveriam estar mais do que prontas, mas ainda estão a 30, 50% do caminho", diz o economista da UFRJ.
Crescimento resolve tudo?
Crescer economicamente resolve os problemas sociais? Esse é outro tema abordado nas entrevistas da IHU On-Line. A tese de que o crescimento por si só incide na resolução dos problemas estruturais da sociedade brasileira é refutada pelos entrevistados.
Na opinião de Kupfer, "a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento não é uma questão numérica, pois um país pode crescer 5% sem desenvolver ou crescer 3%, desenvolvendo. Desenvolvimento é crescimento mais alguma coisa. No caso específico do governo Lula, percebemos que a preocupação esteve focada em destravar o crescimento econômico. Principalmente o segundo governo Lula buscou crescimento econômico, mas não teve um foco claro na mudança estrutural".
Agora, diz o economista, "o discurso de campanha da Dilma sinalizou para uma nova fase em que se buscaria mudança estrutural. Mas para ter a mudança estrutural de fato precisamos de um Estado com capacidade de planejar, uma política econômica baseada em planejamento. A questão é que planejar significa fazer escolhas, ou seja, financiar determinadas ações e não outras, apoiar certas iniciativas (...)".
Para Fernando Cardim, "certamente, crescer de 4 a 5% para o Brasil é insuficiente e para resolver minimamente os problemas que o país tem e é abaixo do seu potencial. Nós temos escala, recursos, estrutura para crescer muito mais e transformar efetivamente a face da sociedade brasileira. Mas isso não cai do céu. É preciso promover investimentos, aumentar o nível educacional da população, melhorar dramaticamente a eficiência com que o governo opera, que é ainda muito baixa, diminuir nossa fragilidade externa antes que ela se torne um problema real, etc. É uma lista enorme de demandas; mas desenvolvimento é mesmo exigente", diz ele.
O economista Reinaldo Gonçalves é cético sobre as perspectivas de que o crescimento econômico contribua para o enfrentamento dos problemas estruturais do país. Segundo ele, o crescimento que se assiste privilegia alguns grupos. Diz ele: "O governo Dilma seguirá a mesma linha do governo Lula via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio. Não houve qualquer transformação relevante nas relações, estruturas e processos políticos no Brasil nos anos Lula. O mesmo ocorrerá no governo Dilma. Os setores dominantes (com destaque para o das commodities) beneficiaram-se dos elevados e favoráveis financiamentos do Banco do Brasil e do BNDES. A reprimarização da economia brasileira e os arranjos com as oligarquias regionais expressam e reforçam estruturas, processos e relações políticas retrógradas".
Na linha de raciocínio de Reinaldo Gonçalves vai Francisco de Oliveira, para quem o grande programa social no país é o Bolsa Família, um programa que "melhora a atual situação das famílias, mas não muda essencialmente nem o modelo econômico, nem as variáveis macroeconômicas fundamentais". O recente aumento do valor do Bolsa Família segundo o sociólogo, "é mais um ato político do que econômico". Em sua opinião, "Dilma não elevou o valor do programa para aquecer a economia, expandir o consumo. Ela entra na cola de um sucessor de alta popularidade e não vai querer trombar com o eleitorado. Dilma está presa à armadilha do êxito".
Conjuntura da Semana em frases
De onde saíram?
"De onde saiu a arma que estava com esse garoto? Como foi feita a fiscalização?" - Alice Ribeiro, do Instituto Sou da Paz, reforça a ideia do desarmamento ao indagar sobre a tragédia do atirador da escola no Realengo - O Estado de S. Paulo, 08-04-2011.
O que está sentindo?
Onde, como, de quem, quando, por quanto e com que facilidade ele comprou aquela arma para trucidar meninos e, sobretudo, meninas? E você que votou a favor do armamento, o que está sentindo?" – Eliane Cantanhêde, jornalista – Folha de S. Paulo, 08-04-2011.
Estigma
"Rotular Wellington como doente mental é estigmatizar 46 milhões de brasileiros.Esse é o número de pessoas que precisam de atendimento psiquiátrico no país. A grande maioria delas não é perigosa. Chamar Wellington de louco é preconceito" - Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria - Folha de S. Paulo, 08-04-2011.
Dilma, Lula e FHC
"(O discurso de Aécio Neves) nem amarrota o tapete vermelho por onde passeia Dilma Rousseff. Esta que tem a sorte de Lula e o estilo racional de FHC. Porque poucas vezes vimos alguém adotar medidas impopulares (salário mínimo, taxa Selic, corte de emendas populares, corte de obras para municípios) e aumentar sua popularidade, como ocorreu com ela" – Rudá Ricci, sociólogo – no seu blog, 06-04-2011.
Paz
"(Dilma) trouxe uma sensação de paz ao país. Depois de uma campanha eleitoral tisnada pela ferocidade e de um tempo dominado pelas paixões em torno de Lula, veio a calma" – Elio Gaspari, jornalista – Folha de S. Paulo, 06-04-2011.
Evangelhos
"Pela primeira vez em muitas décadas, tem-se a impressão de que o Brasil é governado por uma pessoa que chega cedo ao serviço, cuida do expediente e vai para casa sem que precise propagar evangelhos ou alimentar tensões" – Elio Gaspari, jornalista – Folha de S. Paulo, 06-04-2011.
Profeta na Praça da Sé
"Há três meses, (José Serra) no Twitter, nos jornais, onde for, ele não faz outra coisa a não ser atacar o governo Dilma. Ninguém o leva a sério. Parece até um pouco aqueles profetas pregando o fim dos tempos na praça da Sé" – Fernando de Barros e Silva, jornalista – Folha de S. Paulo, 06-04-2011.
Dilma segundo o MST
"Até hoje nossa presidente não apresentou meta de assentamento. Ninguém foi chamado para debater a estruturação de assentamentos e a situação dos acampados. Por isso, vamos intensificar as ocupações em todo o Brasil" - Evanildo Costa, da direção do MST na Bahia - Folha de S. Paulo, 04-04-2011.
A calhar
"Com o Código Florestal no meio do caminho, foi definido que Aldo Rebelo será um dos vice-líderes do governo na Câmara. A outra vaga ficará com Virgílio Guimarães (PT-MG)" – Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 07-04-2011.
Dúvida
"Dúvida: Jackson Lago foi cassado para que o país se torne efetivamente melhor, ou porque não teve a mídia, o dinheiro, os advogados e as vantagens que a adversária Roseana teve a vida inteira?" – Eliane Cantanhêde, jornalista – Folha de S. Paulo, 05-04-2011.
Lei Áurea
"Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, informa: "Em oito anos, 40 mil pessoas que trabalhavam no Brasil na condição de escravas, foram libertadas". Com esta estatística, a ministra está brigando pela aprovação da PEC do trabalho escravo. Que prevê confisco e desapropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores nessa situação" – Sônia Racy - O Estado de S. Paulo, 03-04-2011.
Orgulho
"Tivemos o caso de um skinhead que, flagrado quando ia atacar uma vítima, foi detido e trazido ao Decradi. O rapaz estava eufórico. Dizia que, enfim, conseguira se igualar ao irmão e teria um quadro no quarto com seu próprio BO por agressão" - Margarette Correa Barreto, delegada que integra a força-tarefa paulista para cuidar das modalidades de ataque a gays e negros em São Paulo – Folha de S. Paulo, 03-04-2011.
Terrível
"Ele chegou e tivemos três greves. Não temos boa opinião dele e não posso imaginar quem tenha. O que veem no Brasil, um homem que quebrou as greves e venceu? O recompensam?" - Patrick Veinot, vice-presidente do braço local do forte sindicato internacional Metalúrgicos Unidos (USW), em Sudbury, sobre Tito Martins, cogitado para substituir Roger Agnelli no comando da Vale, que tem uma filial no Canadá - Folha de S. Paulo, 02-04-2011.
Headhunter
"A decisão de levar para o governo o vice-presidente da CUT, José Lopez Feijóo, foi selada há dois meses, em reunião entre Lula, Dilma e ministros. O ex-presidente elogiou o sindicalista, disse que ele estava em busca de novos desafios e sugeriu a contratação" - Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 01-04-2011.
Nada do que pensávamos
"Velhos comunistas se recusam a aceitar o fracasso do comunismo aplicado a não ser como uma anomalia russa, uma prática que sabotou a teoria. Neoliberais não param de entoar seus mantras como se sua repetição encantatória banisse todas as evidências que os contradizem. Não é fácil admitir que nosso universo não é nada do que estávamos pensando" – Luís Fernando Verissimo, escritor – Zero Hora, 03-04-2011.
Smirnoff
"E o Corinthians? Quer contratar o jogador holandês Seedorf! E o Adriano entendeu Smirnoff. "O quê? Smirnoff? Eu vou jogar com Smirnoff" – José Simão, – Folha de S. Paulo, 07-04-2011.
Engarrafamento
"O paulista no engarrafamento: "Que trânsito de merda! Não vou conseguir chegar a tempo na concessionária pra comprar outro carro". Por isso que tem estas manchetes: "Congestionamento na 25 de março vai até a 23 de maio". Dois meses de congestionamento" – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 06-04-2011.
Pena alternativa
"Pena alternativa pro Bolsonaro: varrer a avenida Paulista após a Parada Gay! Com a língua" - José Simão, humorista - Folha de S. Paulo, 05-04-2011.
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Conjuntura da Semana. A política econômica do governo Dilma Rousseff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU