06 Novembro 2012
O último Sínodo que reuniu bispos e teólogos foi muito importante por várias razões, principalmente porque o papa evocou novamente o Vaticano II e se fez perguntas que dizem respeito aos fiéis e aos leigos. É preciso entender que começou o tempo das contaminações entre diferentes, animados por sentimentos de caridade. Como Jesus a entendia.
A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 25-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Foi muito importante o Sínodo que reuniu 250 bispos vindos dos cinco continentes junto com inúmeros teólogos e colaboradores. Importante pelo tema que deverá ter sequências concretas por parte de todas as dioceses católicas e refere-se a uma nova evangelização da fé da qual a Igreja sente uma necessidade extrema; mas também é importante porque coincidiu com o cinquentenário do Concílio Vaticano II.
Os bispos reunidos em Sínodo evocaram novamente o Concílio, mas o próprio papa o lembrou e junto com ele os relatores do Sínodo. Foram formuladas muitas perguntas e dadas muitas respostas; perguntas em alguns casos deliberadamente provocadoras, e respostas em grande medida discordantes entre si, assim como foram discordantes as interpretações sobre a essência do Vaticano II. Algumas intervenções foram feitas não só pelos bispos e pelos teólogos do Sínodo, mas também por teólogos e bispos que escreveram a respeito em jornais católicos e na impressa de informação e por leigos interessados nos temas em discussão.
Em suma, sobre o estado atual da Igreja Católica, a atenção do "povo de Deus", da hierarquia que o guia ou pretende guiá-lo e daqueles – crentes ou não crentes ou crentes de outras religiões – estão interessados no debate sobre os valores da religião, foi intensa. Também queremos aproveitar a oportunidade que a atualidade nos oferece e expressar a nossa avaliação.
Bento XVI divulgará em breve um novo livro seu sobre a figura de Jesus e publicamente já se fez duas perguntas: "Quem somos nós? O que é a Igreja?". Na atual crise de valores, essas perguntas interessam a todos muito além dos recintos das Igrejas cristãs, que, além disso, representam a religião historicamente mais enraizada no nosso continente, mesmo que seja justamente no Ocidente que a sua crise enraivece e é o Ocidente o objetivo territorial e cultural da nova evangelização, que o Sínodo lançou. Há, portanto, o suficiente delas para despertar o nosso interesse.
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O Vaticano II durou três anos. O Concílio anterior havia ocorrido 90 anos antes e tivera como resultado mais visível a proclamação da infalibilidade do papa, além do acolhimento das indicações fornecidas poucos anos antes pelo Sílabo. A essência daquele imponente encontro de bispos e de teólogos foi o reforço do centralismo curial, isto é, de uma hierarquia verticalista, depositária da política da Santa Sé e do ensinamento católico, da interpretação das Escrituras, da formação do clero e do seu recrutamento, dos tribunais eclesiásticos. Tudo isso ocorria enquanto os Bersaglieri de La Marmora entravam na cidade do papa pela brecha de Porta Pia abatendo definitivamente o poder temporal da Igreja.
Noventa anos depois, o novo Concílio convocado por João XXIII com um objetivo que não é excessivo definir como oposto ao anterior: relançar o tema da pastoralidade e, ao mesmo tempo, com ele, o do confronto e o do diálogo com o pensamento moderno: uma inversão espetacular enriquecida por muitos outros temas confiados ao estudo de outras tantas comissões de bispos, de teólogos, de historiadores do pensamento religioso. Referiam-se à contribuição do laicato católico, a posição da mulher na Igreja, o celibato dos sacerdotes, a modificação a liturgia, a poda e a restauração da Cúria, a difusão das Escrituras entre os fiéis e, portanto, a relação direta dos fiéis com Deus, sem mais o monopólio da interpretação sacerdotal.
Em suma, um impulso à renovação que causou fugas para a frente e fugas para trás dentro do Concílio e fora dele. Enquanto isso, o Papa Roncalli morrera. Paulo VI, que o sucedeu, tentou impedir e também gerir tanto o radicalismo dos inovadores quanto o dos tradicionalistas radicais. Em parte, ele conseguiu isso, embora tenha se verificado o pequeno cisma dos lefebvrianos concentrado na liturgia, na missa celebrada não mais em latim, mas sim nas línguas faladas nos vários países e no celebrante voltado para a plateia dos fiéis e não mais ao tabernáculo com os fiéis às suas costas.
Não era apenas uma questão de forma, mas também de substância: a liturgia, de fato, havia sido, por muitos séculos, a proteção bem selada da ritualidade tradicional. A sua inovação abrira essa proteção e havia liberado uma criatividade que, de algum modo, redescobria o papel essencial do "povo de Deus" com relação aos sacerdotes e à hierarquia. A pastoralidade tornava-se o elemento essencial e, também, a pregação de Cristo e dos apóstolos, assim como as Escrituras a haviam transmitido, nas diversas leituras que delas se podiam fazer.
Para os inovadores mais radicais, essa abertura da liturgia à criatividade significava algo mais: o rito se tornava subordinado à pastoralidade, isto é, ao diálogo entre as almas. E Deus perdia algumas de suas conotações adquirindo outras. Deus perdia as conotações da nacionalidade, perdia sobretudo o pertencimento a esta ou àquela Igreja cristã e até mesmo a esta ou aquela religião monoteísta. O Deus transcendente não podia ser reivindicado como católico, ou luterano, ou mórmon, ou batista, mas também nem mesmo como judeu, nem como muçulmano. Deus era ecumênico, o Vaticano II havia proclamado o ecumenismo e o diálogo entre as diversas religiões como um objetivo fundamental, também havia aberto o diálogo com os não crentes. De um lado, com finalidade de proselitismo; de outro, como confronto de almas com relação às suas crenças ou não crenças.
Permanecia firme a fé no Cristo encarnado em Jesus de Nazaré, no seu sacrifício e na sua ressurreição. Permanecia o mistério trinitário, desconhecido para as outras duas religiões monoteístas. Mas, em torno desse pilar, havia e há um espaço muito amplo para o diálogo, o debate e o encontro.
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A rememoração do Vaticano II tornou atual um outro tema nada secundário: a apostolicidade da Igreja Católica. Se essa palavra tem um sentido – e certamente o tem – significa que a palavra dos Bispos reunidos em suas sedes específicas seguramente é consultiva, mas também pode levar a deliberações que a hierarquia deverá tornar operativas.
O Papa Ratzinger, que na época do Vaticano II foi um dos mais fervorosos defensores dos seus conteúdos inovadores, aproveitou a ocasião do Sínodo dos últimos dias para enfatizar que a Igreja Católica não é e não deve ser uma Igreja conciliar; os Concílios, na visão do papa, são apenas órgãos consultivos, assim como os Sínodos e os Bispos individuais titulares de Dioceses. O papa sempre será muito sensível às suas sugestões, mas não se trata, de modo algum, de órgãos "constituintes". Mesmo que proclamem novos dogmas, esses dogmas já terão sido deliberados pelo Vigário de Cristo, e o Concílio funcionará apenas como "amplificador" do que já foi elaborado e deliberado por quem se senta no trono de Pedro.
Sobre esse ponto, no entanto, o debate está aberto, e quem o pôs no centro das suas reflexões foi Carlo Maria Martini, que faleceu recentemente.
Martini partia de um dado surpreendente: em 2.000 anos de história do Cristianismo católico, os Concílios foram 21, com uma média de um a cada cem anos. Mas a média, como sempre acontece na estatística, esconde uma realidade histórica bastante surpreendente: os 21 Concílios se adensaram em certos períodos e em outros, de fato, não foram realizados. Ocorreram três ou quatro na virada dos séculos III e IV; outros na virada dos séculos X e XI; outros ainda dois séculos depois. Enfim, houve o Concílio de Trento e depois um salto de quase 300 anos, até o Vaticano I e, no meio disso, um Concílio-farsa desejado por Napoleão.
Uma Igreja organizada dessa forma pode se definir apostólica? Os Bispos são os descendentes dos apóstolos no mesmo título pelo qual o sucessor de Pedro é o vigário de Cristo na terra. Sem entrar no polêmico assunto de se se trata de órgãos consultivos ou deliberativos, o fato é que deveriam ser convocados (mas também podem se autoconvocar) com maior frequência e regularidade. Uma das propostas martinianas foi um Concílio por ocasião de cada Jubileu e, no intervalo, múltiplos Sínodos.
Uma Igreja desse tipo teria uma capacidade de ecumenismo muito maior do que a atual e veria aumentar o peso do laicato católico, dos oratórios em comparação com as paróquias, da liberdade religiosa tornada mais fértil pela estreita convivência entre as várias Igrejas cristãs, além das outras duas religiões monoteístas. Se o papa, como Bispo de Roma, recebesse a sua proeminência desse título e não apenas do Conclave cardinalício, e se Consistórios também assumissem um espaço consultivo mais amplo, a Cúria se configuraria como uma espécie de Intendência e não como a sede efetiva do poder católico.
São questões muito delicadas. Não há dúvida alguma de que a Igreja não duraria 2.000 anos sem arquitetura centralista, mas igualmente também não há dúvida de que essa arquitetura a envolveu em um "temporalismo" que muitas vezes distorceu as suas funções e traiu justamente aquela pregação evangélica e aquela pastoralidade que deveriam representar a substância do Cristianismo. A Igreja das Cruzadas, a Igreja corrupta e simoníaca que fez um indigno espetáculo entre os séculos XV e XVII, a Igreja-Estado que foi o principal obstáculo para o nascimento falho da nação italiana, a sua participação nas guerras na Europa subordinada às vezes à Espanha e às vezes à França, e, enfim, as fogueiras da Inquisição e das bruxas não são breves episódios dos quais seja possível se arrepender. A instituição-Igreja preservou a pregação e a pastoralidade por 2.000 anos, já o dissemos, mas o seu custo foi altíssimo e continua em formas felizmente muito mais atenuadas, mas ainda assim responsáveis pela secularização e pelo afastamento da Europa do ícone do Cristo crucificado e depois ressuscitado.
Se justamente a Europa se tornou terra de missão e de nova evangelização, deve haver um motivo. A arquitetura distorcida da religião não é apenas o único, mas certamente é um dos principais.
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Enfim, o diálogo com a modernidade. Não é e não será um diálogo fácil. A modernidade é uma época que combateu o absoluto colocando em seu lugar o relativismo. Destronou a metafísica, ressaltou a autonomia da consciência e o desejo do conhecimento. Confiou a ética à responsabilidade autônoma do indivíduo.
Um diálogo é desejável, mas dificilmente poderá levar a resultados positivos se a Igreja mantiver firmes as estacas dos princípios inegociáveis.
O único princípio inegociável do ponto de vista da Igreja é o Cristo, filho de Deus. Aconteceu-me, como velho secular não crente, de me encontrar com um sacerdote como Carlo Maria Martini com sua fé inabalável em um Cristo ressuscitado, por ele definido como "sempre ressurgente", portanto, não um ícone imóvel, mas sim uma presença dinâmica a ser reconquistada cotidianamente.
A esse Cristo sempre ressurgente, eu não contrapus, mas coloquei ao lado Jesus de Nazaré, filho de Maria e de José, pregador e profeta dos fracos, dos oprimidos e dos excluídos, filho do homem.
Esse e não outro é o diálogo possível entre a modernidade e a Igreja. O tempo das evangelizações acabou, e começou o tempo das férteis contaminações entre diferentes, animados por sentimentos de caridade. A caridade como Jesus a entendia quando exortava a amar o próximo como se ama a si mesmo. Para ele, esse era o único modo de adorar o Deus de todos e de cada um. Para nós, é a visão do mundo dos justos, uma utopia que pode se realizar se cada um de nós quiser.
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A Igreja hoje: diálogo possível entre fé e modernidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU