30 Abril 2012
Há pouco mais de um ano, visitei uma fábrica inteiramente robotizada, sem operários, na Coreia do Sul. Dedicada à produção dos mais modernos displays e monitores de televisores, essa unidade fabril não emprega nenhum trabalhador na área de manufatura: conta apenas com uma dúzia de supervisores de qualidade e software. Essa terceira revolução industrial, aliás, foi tema de magnífica reportagem de capa da revista britânica The Economist, há pouco mais de uma semana. Ao longo de 14 páginas, o jornalista Paul Markillie nos mostra com rara precisão o que são hoje as mais modernas indústrias manufatureiras.
A reportagem é de Ethevaldo Siqueira e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-04-2012.
Na fábrica de 2012, quase tudo é automatizado e digital, graças à convergência de poderosas tecnologias, de software inteligente, novos materiais, milhares de computadores, robôs habilidosos, impressoras 3D, processos de realidade virtual e até simuladores de voo. É claro que, vez ou outra, podemos encontrar, como espécies em extinção, máquinas e ferramentas típicas da segunda revolução industrial, como furadeiras, prensas, lixadeiras, tornos e fresas convencionais.
Para quem não tenha visitado fábricas modernas nos últimos anos, a visão de uma dessas indústrias do século XXI produz verdadeiro choque, em particular, na indústria automotiva e na aeronáutica. Reflitamos um pouco mais sobre esse cenário.
Informatização
Muitas fábricas modernas se assemelham a laboratórios de informática, pois, como diz a revista, "a maioria dos operadores, homem e mulheres, senta-se diante de telas de computadores. Em lugar nenhum você encontrará um martelo".
Um exemplo desse avanço são as impressoras 3D, máquinas que reproduzem peças de alta complexidade, apenas por deposição de material sobre um modelo virtual, controlado por computador. Como cidadão comum, contemplo, incrédulo, o trabalho dessas máquinas capazes de reproduzir com precisão, peças, objetos ou réplicas de esculturas célebres.
A impressão 3D, entretanto, ainda está na infância e não serve para fabricar equipamentos mais complexos. Mas, com ela já se fazem, por exemplo, joias, sapatos e fones de ouvido, um a um, sob medida.
Novos paradigmas
Novas técnicas permitem que a indústria produza objetos minúsculos com muito maior precisão e segurança. A nanotecnologia começa a participar do dia a dia da produção dos dispositivos mais avançados. Como diz a revista inglesa, os novos materiais são mais leves, mais fortes e mais duráveis do que os antigos. A fibra de carbono está substituindo o aço e o alumínio numa gama de produtos que vai do avião às mountain bikes.
Mas a redução da mão de obra é inexorável nas indústrias manufatureiras modernas. No exemplo dado pela Economist, a fábrica britânica da Nissan em Sunderland, produzia 271 mil carros com 4.600 pessoas em 1999. No ano passado, a mesma fábrica produziu 480 mil veículos com apenas 5.462 empregados.
Para onde vão os empregos eliminados nesse processo? Vão para as áreas de serviços, começando pelos mais sofisticados, como os de educação, pesquisa, projetos, controle de qualidade, saúde, entretenimento, artes, comunicações e os de cuidados pessoais. Por isso, a fábrica sem operários não traz, necessariamente, o pesadelo do desemprego inexorável e epidêmico.
Marx e Engels
Quase dois séculos nos separam da primeira revolução industrial. Neste ponto, não resisto à tentação de especular: "Como reagiriam Karl Marx e Friedrich Engels se ressuscitassem e vissem de perto as transformações a que chamamos de terceira revolução industrial?"
Meu grande desejo seria entrevistá-los, em especial, depois de uma visita àquela fábrica coreana robotizada, sem operários, a que me refiro na abertura deste artigo.
Relembremos que a primeira revolução industrial começou na Inglaterra poucos anos depois da invenção da máquina a vapor, por James Watt, em 1760, com a mecanização da indústria têxtil e das bombas que retiravam água das minas de carvão. Já a segunda revolução industrial, no começo do século XX, foi marcada pela produção em massa, como na linha móvel de montagem de Henry Ford.
Marx e Engels analisaram em profundidade a maior transformação econômica, social e tecnológica da humanidade ocorrida até então com o nascimento do capitalismo. Uma de suas obras mais populares foi, sem dúvida, o Manifesto Comunista, de 1848.
As semelhanças
Há aspectos ainda atuais do Manifesto. Note este trecho, leitor: "Pelo rápido desenvolvimento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, a burguesia impele todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a torrente da civilização."
Como panfleto político-ideológico, o documento sugere algo muito parecido com a globalização de nossos tempos e com o "mundo plano" de Thomas Friedman. E, embora exalte o poder de transformação do trabalho humano, das forças de produção e da revolução científico-tecnológica, o Manifesto focaliza com muito mais ênfase o poder da burguesia, a classe que concentrava em suas mãos o capital e a técnica.
Imagino aqui como seria uma versão 2012 do Capital, de Marx, reescrita depois do desmoronamento do comunismo soviético, da ascensão da China e, principalmente, da revolução digital. Será que ele ainda faria uma proposta socialista?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Revolução industrial 3.0 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU