13 Abril 2012
Há poucos anos eu estive em uma festa de aniversário de 60 anos de um conhecido membro trabalhista do Parlamento. Muitos dos principais pensadores de centro-esquerda britânicos estavam lá e, a certa altura, o tema da conversa se voltou ao infame slogan de Gordon Brown, "empregos britânicos para trabalhadores britânicos", de um discurso que ele tinha feito poucos dias antes na conferência trabalhista.
A reportagem é de David Goodhart, editor-geral da "Prospect" e diretor da Demos e reproduzida pelo Portal Uol, 12-04-2012.
As pessoas à minha volta entraram em uma disputa para expressar seu ultraje com o slogan de Brown, que foi triunfantemente encerrada pela pessoa que declarou, para aprovação geral, que era "racismo, puro e simples".
Na maioria dos outros lugares no mundo atualmente, e provavelmente no próprio Reino Unido até aproximadamente 25 anos atrás, uma declaração dessas sobre preferência de empregos para cidadãos nacionais pareceria tão banal que dificilmente seria digna de nota. Agora, a linguagem do universalismo liberal a julga fora dos limites.
Meus companheiros de festa também representavam parte do Reino Unido instruído, liberal. Shami Chakrabarti, do grupo de direitos humanos Liberty, argumentou: "No mundo moderno do poder transnacional e multinacional, nós devemos decidir agora se todos nós somos 'pessoas' ou 'estrangeiros'".
Mas não são apenas as pessoas na esquerda que pensam assim. Em um recente programa da "BBC Radio 4" sobre ajuda para desenvolvimento, o ex-ministro conservador e liberal convertido Michael Portillo tinha isto a dizer: "É muito antiquado pensar em termos de fronteiras nacionais e é bastante nacionalista dizer que devemos ajudar pessoas que são apenas moderadamente pobres apenas por estarem por acaso no Reino Unido, em vez de ajudarmos pessoas que estão desesperadamente pobres, mas que por acaso estão distantes".
Ambas as pessoas acima são, na formulação de um grupo de psicólogos culturais norte-americanos, WEIRD ("estranho", sigla para Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic, ou uma subcultura que é ocidental, educada, industrializada, rica e democrática). Eles são universalistas, suspeitam de fortes lealdades nacionais e tendem a ser individualistas dedicados à autorrealização. Eles também costumam se preocupar profundamente com a justiça social e desconfiam de apelos à religião ou à natureza humana para justificar qualquer distanciamento do tratamento igual.
Isso é o que alguém poderia chamar de visão de mundo "baby boomer" (a geração pós-Segunda Guerra Mundial) liberal e secular, e de muitas formas atraente e coerente. Há o bom slogan a respeito da política britânica desde cerca de 1975, "a direita venceu a discussão econômica, a esquerda venceu a discussão cultural". Mas estaria agora a esquerda também perdendo a discussão cultural? Estaria a elite WEIRD se deparando com algumas fronteiras da moralidade cotidiana?
As sociedades mais tradicionais são "sociocêntricas", o que significa que colocam as necessidades do grupo em primeiro lugar. Hoje, as sociedades mais ricas são "individualistas", tornando a sociedade serva do indivíduo. Mas mesmo nesses países traços significativos de nosso passado mais sociocêntrico podem ser encontrados nas intuições morais dos povos. Os seres humanos não são "lacunas em branco" e respondem apenas parcialmente à visão de mundo WEIRD – nós também ainda somos primatas baseados em grupos.
E o problema para os liberais é que os conservadores entendem isso melhor do que eles. Mas ajuda está à mão na forma de um livro seminal, "The Righteous Mind", pelo psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia.
Como Steven Pinker, Haidt é um liberal que deseja que sua tribo política entenda melhor os seres humanos. Seu principal entendimento é simples, mas poderoso: os liberais entendem apenas duas dimensões morais principais, enquanto os conservadores entendem todas as cinco.
Os liberais se preocupam com o sofrimento e a injustiça. Todas as culturas humanas se importam com essas duas coisas, mas elas também se importam com outras três coisas: a lealdade ao grupo, com a autoridade e com o sagrado.
Como coloca Haidt: "É como se os conservadores pudessem ouvir cinco oitavas da música, mas os liberais respondem a apenas duas, dentro das quais eles se tornam particularmente exigentes". Isso não significa que os liberais estão necessariamente errados, mas significa que eles têm mais dificuldade para entender os conservadores do que vice-versa.
Haidt e seus colegas não tiraram esses entendimentos morais do nada. Haidt explica as raízes evolutivas dos diferentes sensos a partir de uma leitura atenta da literatura, e também as testa em pesquisas pela Internet e em entrevistas face a face com pessoas de todo o mundo.
A moralidade "une e cega", o motivo para ter possibilitado aos seres humanos, sozinhos no reino animal, produzir grandes grupos cooperativos, tribos e nações além da cola do parentesco. A metáfora central de Haidt é que somos 90% chimpanzés e 10% abelhas – nós somos movidos pelo "gene egoísta", mas, sob circunstâncias especiais, nós também temos a habilidade de nos tornarmos como abelhas em uma colmeia, trabalhando pelo bem do grupo. Essas experiências frequentemente estão entre as que mais prezamos em nossas vidas.
Haidt não está sugerindo que os liberais devem deixar de ser liberais – mas sim que serão mais bem-sucedidos se, em vez de dizerem aos conservadores que suas intuições morais estão erradas, eles buscassem mudá-las em uma direção liberal ao acolher, até onde seja possível, suas ansiedades.
Por exemplo, se há o desejo de melhorar a integração e a justiça racial em uma área mista, não se deve apenas pregar a importância da tolerância – mas também promover uma identidade comum no grupo. Como coloca Haidt: "É possível fazer as pessoas darem menos atenção à raça ao afogar as diferenças raciais em um mar de semelhanças, metas comuns e interdependências mútuas".
Se as guerras culturais americanas passaram de seu período mais sangrento, a Europa pode estar apenas começando à medida que a esquerda contra direita continua a perder sua antiga saliência. Considere a mudança nas posturas na antes liberal Holanda e a crescente rejeição dos trabalhadores à maioria dos partidos europeus liderados pela WEIRD.
O pensamento por trás de "The Righteous Mind" pode ser a última esperança para o liberalismo europeu. De fato, esse livro deveria ser o manual para o movimento que chamei de pós-liberalismo – aqueles de centro-esquerda e centro-direita que argumentam que tanto o liberalismo econômico quanto o cultural "exageraram" na última geração, em detrimento particular da metade inferior da sociedade.
O pós-liberalismo não busca reacender velhas batalhas, mas seguir em frente a partir das vitórias obtidas. Sua preocupação não é rejeitar a economia de mercado, mas sim considerar de onde vem a cola social em uma sociedade fragmentada. Para isso, ela reconhece a autoridade e o sagrado, assim como o sofrimento e a injustiça. Ela reconhece as virtudes de lealdades particulares –incluindo as nações– em vez de vê-las como preconceituosas. E busca aplicar essas ideias à esfera econômica, assim como à social.
O liberalismo WEIRD da geração "baby boomer" talvez estivesse condenado a um universalismo dogmático em consequência de ter surgido à sombra de duas guerras mundiais, o Holocausto e as lutas anticoloniais. Talvez seja compreensível que ao abraçar avidamente a igualdade moral de todos os seres humanos, alguns "boomers" tenham mergulhado em uma negligência em relação às identidades e uma rigidez em relação à igualdade. A próxima geração da política precisa não cometer o mesmo erro.
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Esquerda precisa se renovar para sobreviver na nova era política e social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU