31 Março 2012
Depois que a Primavera Árabe abriu caminho para a Síria há um pouco mais de um ano, Bashar al-Assad, o presidente sírio, e seu governo se prepararam para os manifestantes pacíficos. Assad enviou seu Exército para dissolver os manifestantes e provocou violentos confrontos. A ONU estima que o número atual de mortos é de 9.000. Uma solução diplomática liderada pela ONU está sendo pressionada pelo enviado especial da ONU, Kofi Annan. À medida que o conflito entre as forças governamentais de Assad e os manifestantes continua, a questão da perseguição religiosa dos cristãos é uma grande preocupação para as lideranças eclesiais da região.
A reportagem é de Tom Gallagher, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 29-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esta semana, o NCR entrevistou Issam Bishara, diretor regional para o Líbano, Síria e Egito da Catholic Near East Welfare Association (CNEWA), a respeito das condições atuais que afetam os cristãos na Síria. Bishara vive em Beirute, no Líbano, e trabalha junto à CNEWA desde 1987.
Bishara liderou o programa libanês da CNEWA ao longo da guerra civil e, mais recentemente, da guerra envolvendo Israel e o Hezbollah. Ele desenvolveu programas de ajuda de emergência eficazes; lançou um reassentamento de terras em todo o país e um programa de revitalização, que acabou sendo adaptado e financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional; desenvolveu grandes planos de infraestrutura prescindindo de qualquer patrocínio do governo; e coordenou os esforços de reconstrução católicos, como orientado pela Congregação da Santa Sé para as Igrejas Orientais, depois da guerra de 2006 entre Israel e o Hezbollah. Em 1999, Bishara foi nomeado Cavaleiro de São Gregório pelo Papa João Paulo II.
Dadas as atuais condições da região, Bishara foi entrevistado por e-mail.
Eis a entrevista.
Qual é a situação atual neste momento para os cristãos na Síria, que compõem cerca de 10% da população total de 2,5 milhões?
A maioria dos cristãos da Síria não estão concentrados em uma área geográfica específica, mas estão dispersos por todo o país, o que torna a sua situação de segurança mais crítica. No entanto, atualmente, e apenas com a exceção dos cristãos de Homs, a maioria dos cristãos permaneceram em suas comunidades e em suas casas. Mas, como já sabíamos a partir de diversas fontes ligadas à Igreja, as famílias cristãs começaram a procurar por um plano de contingência que consiste em encontrar um lugar mais seguro para suas famílias no caso de o levante e os eventos militares sofrerem uma escalada em toda a Síria, com o mesmo cenário de Homs.
Os cristãos na Síria estão em uma situação difícil porque, se apoiarem os manifestantes, eles poderiam ser alvo das forças governamentais de Assad e, se apoiarem Assad e o seu regime cair, eles poderiam sofrer a retaliação de um novo regime islâmico. Então, o que os cristãos estão fazendo atualmente durante esee conflito?
Durante esse conflito, a maioria das lideranças eclesiais de diferentes confissões e ritos expressaram sua preocupação diante da escalada da violência e das repercussões sobre as minorias, e convidaram suas comunidades a manter a calma e a evitar tomar partido nesse conflito, seja contra o regime ou contra os manifestantes.
Mas o sentimento geral entre as comunidades cristãs é uma profunda preocupação baseada na realidade de que, quando a Primavera Árabe floresceu, a vida política se tornou mais fanática e menos tolerante com relação ao reconhecimento da igualdade de direitos para os cristãos. Mesmo a Tunísia, onde o antigo regime se baseava em uma abordagem e uma tradição completamente seculares de mais de 50 anos, se transformou em um governo dominado por islâmicos, e na última quinta-feira grandes manifestações lá exigiam o estabelecimento de um estado islâmico pleno.
Os cristãos já foram especificamente atingidos por Assad e as forças do seu governo?
Não. Ao contrário, o regime ainda está fornecendo proteção para as comunidades cristãs em quase todos os lugares onde o regime ainda controla a região. Mas esse problema ocorreu especialmente em Homs, depois que os manifestantes e os grupos islâmicos controlaram uma parte da cidade (o bairro Bab Amro), onde cerca de 200 cristãos foram mortos. A outra preocupação se relaciona com o terrorismo, que pode atingir qualquer pessoa e em qualquer lugar e, especialmente, oficiais militares cristãos e suas comunidades.
A cidade de Damasco é historicamente importante e tem um significado religioso para os cristãos. A cidade também tem sido uma cidade tolerante para com as minorias religiosas. Isso ainda é verdade, ou as coisas mudaram para pior para os cristãos durante o conflito?
Damasco e Alepo, as duas maiores cidades da Síria, mantiveram-se relativamente bem protegidas e controladas pelas forças sírias regulares, e todos os cristãos dessas cidades ainda estão desfrutando de sua liberdade e praticando a sua fé como sempre.
Nos dias 24 e 25 de fevereiro, a antiga igreja da Santa Virgem Maria foi danificada pelos combates em Homs. Você pode nos contar mais detalhes sobre isso?
A Igreja de Santa Maria do Cinto Santo está localizada no centro de Homs, ou o que se chama de "Cidade Antiga", e é considerada a sede da arquidiocese siro-ortodoxa de Homs. A maioria das igrejas e arcebispados de outras confissões também estão concentrados na mesma região (Hamidiya, Boustan el Diwan etc.), e esse bairro foi submetido a confrontos militares entre as milícias e as forças governamentais e, na maioria das vezes, os milicianos usavam as igrejas e os cristãos como escudos para se protegerem dos bombardeios. Também é importante mencionar que alguns ícones dentro das igrejas foram danificados de propósito pelas milícias.
Com tantos combates ocorrendo, muitas pessoas estão abandonando suas casas a fim de encontrar refúgio em áreas mais seguras. Isso acontece com os cristãos, especialmente os de Homs e arredores? Se sim, onde os cristãos estão buscando refúgio?
Apesar das dificuldades de obter estatísticas acuradas in loco, nossas informações atualizadas estimam que antes da escalada militar em Homs, os cristãos costumavam girar em torno de 1.500 famílias (de todos os ritos). Neste momento e depois de duas semanas desde a retirada das milícias de Bab Amro, a situação de segurança ainda é muito crítica, especialmente com todos os ataques de atiradores de elite contra civis e o Exército de um lado e os atos de vandalismos e saques de outro.
Uma irmã religiosa nos contou que as 500 famílias que abandonaram suas casas durante a batalha e encontraram abrigo em Tartous e Damasco encontraram suas casas e propriedades completamente roubadas ou mesmo confiscadas.
As famílias que decidiram permanecer estão em perigo, vivem com medo e na pobreza. A maioria delas não pode sair de suas residências por causa dos francoatiradores e, é claro, nenhuma delas tem qualquer tipo de renda. A única razão pela qual elas ficam em Homs é preservar suas propriedades e porque não têm outro lugar para onde ir.
Os cristãos conseguem praticar a fé e receber os sacramentos durante esse período de grave conflito?
No bairro da Cidade Antiga de Homs, nenhuma das igrejas está celebrando a missa. A maioria dos cristãos abandonaram a área, e para o pequeno número que permanecem, é um grande desafio sair até mesmo para comprar o pão ou remédios. Assim, essas famílias não estão praticando a sua fé por enquanto, seja por motivos de segurança ou militares, mas em outras partes da cidade e do resto do país as pessoas estão praticando a sua fé como de costume.
Descreva o trabalho dos padres e irmãs que atualmente é realizado na Síria.
Durante tal período de crise, os cristãos encontram refúgio em suas próprias igrejas, e os padres e irmãs têm um enorme papel a desempenhar: eles precisam continuar prestando o trabalho pastoral, além do trabalho social, para identificar os mais necessitados e encontrar os meios e as fontes necessários para lhes fornecer o básico para sobreviver nesse período de crise. Além disso, eles têm que desempenhar o papel do Bom Pastor, que deve fazer com que o seu rebanho atravesse com segurança esse período perigoso.
Dado que a economia está sob grande tensão e as severas condições climáticas, quais são as atuais necessidades dos cristãos e daqueles que estão desalojados na Síria?
A piora da situação política e de segurança há mais de um ano deixou um enorme impacto negativo na vida de todos os sírios em geral e dos cristãos em particular.
A desvalorização da moeda local no mercado negro, a desaceleração ou até mesmo o completo desligamento da maioria das instituições que trabalham no setor do turismo; finalmente, as sanções econômicas que impedem quaisquer exportações da Síria e qualquer transferência de divisas para a Síria deixaram as suas cicatrizes claramente na luta do cidadão pobre para ganhar o pão de cada dia.
A maioria dos cristãos da Síria costumava pertencer à classe média, que dependia largamente do seu trabalho diário para fornecer as necessidades básicas de suas famílias. Agora, eles vivem em necessidade, já que perderam seus empregos. Além disso, a situação das famílias que perderam suas casas e foram forçadas a buscar refúgio em outras áreas é ainda pior.
Quanto dinheiro você estima que irá custar para apoiar financeiramente os cristãos na Síria?
Nossa meta é ajudar as 1.000 famílias mais necessitadas com uma média de 100 dólares mensais por família por um período de seis meses. O montante total necessário é de cerca de 600 mil dólares. A ajuda deve abranger o seguinte:
Há um grande número de relatos que afirmam que as agências de ajuda não estão sendo permitidas a entrar na Síria para levar ajuda humanitária. Muitos muçulmanos deslocados estão recebendo ajuda de organizações muçulmanas, assim como da Arábia Saudita e do Qatar. O que pode ser feito in loco na Síria para levar ajuda aos cristãos?
Depois das nossas investigações, descobrimos que a maioria dos itens que deveriam ser distribuídos ainda estão disponíveis no mercado local. Se os fundos estão disponíveis em Beirute, podemos fazer todas as compras, e os empacotamentos podem ser feito localmente.
Que papel a CNEWA irá desempenhar na prestação de ajuda aos cristãos sírios?
O programa proposto sugere que a CNEWA/Missão Pontifícia desempenha o papel de coordenadora entre diferentes comunidades e Igrejas, pelas seguintes razões:
Você pode descrever a mecânica de como a ajuda dos doadores dos EUA será entregue com segurança aos cristãos em necessidade?
O escritório da CNEWA-Beirute receberá todas as doações e todas as listas e pedidos submetidos pela Igreja local na Síria. A CNEWA irá conciliar todos os nomes, a fim de evitar qualquer duplicação e, então, irá desembolsar os fundos de forma justa para cada comunidade em Beirute. Todas as compras de itens serão feitas localmente na Síria, e a distribuição irá ocorrer dentro das igrejas. A CNEWA será responsável pelo manuseio de todos os documentos e notas e irá preparar relatórios de acompanhamento e finais.
Olhando para o futuro, você acredita que o atual governo Assad vai cair, como já vimos em outros países?
Concordo com a análise do Dr. Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma (syriacomment.com), que nos faz acreditar que o regime de Assad provavelmente irá sobreviver pelo menos até 2013.
Se o regime de Assad finalmente cair, quem preencherá o vazio e assumirá a liderança da Síria? Como essa mudança de governo irá afetar os cristãos na Síria?
Levando em consideração a composição demográfica da população síria, onde os sunitas muçulmanos constituem mais de 80% da população síria, e a tendência geral de todos os movimentos da Primavera árabes em que a Irmandade Muçulmana e os salafistas eram as únicas forças políticas organizadas capazes e prontas para preencher o vazio e tomar o poder de forma democrática, nós acreditamos fortemente que o mesmo padrão irá continuar na Síria também.
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Cristãos da Síria lutam pela vida e pela fé em meio a confrontos violentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU