07 Março 2012
A amargura se mistura à indignação. "Foi uma falta de civilidade falar da homossexualidade de Lucio Dalla justamente no dia do funeral". O sulco cavado pelas polêmicas sobre as inclinações sexuais do artista continua sendo uma fonte de dor para os amigos sacerdotes que o conheceram de perto.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 06-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todos repetem que ele era um homem "de grande fé". Alguém que frequentava a igreja, que ia à missa comungando regularmente. E tinha às costas um percurso de busca espiritual. "A alma de Dalla era boa, capaz de gestos generosos realizados no anonimato. Em Bolonha, sabemos dessas coisas". O padre Bernardo Boschi, o frei dominicano que o confessava, tem uma teoria bem precisa sobre a tempestade midiática que eclodiu ao mesmo tempo que o funeral. Indicar que, em San Petronio, também estava presente Marco Alemanno, seu companheiro, "é fruto de uma vingança dos gays que queriam, desse modo, fazer de Dalla uma bandeira". Além disso, aqueles que não pouparam juízos negativos ao artista por jamais ter dito publicamente a sua homossexualidade "são apenas chacais que cospem sentenças sobre coisas maiores do que eles".
Foi imediata a réplica da Arcigay [maior organização gay da Itália]: "As palavras do padre Boschi estão cobertas por rancor ideológico". Rapidamente, Franco Grillini reforça a dose. "Lucio Dalla era gay, e todos sabiam disso, toda Bolonha e a Igreja Católica, só que, se um vip morre, não é preciso dizê-lo; se morre um pobre coitado homossexual, então todos podem falar a respeito".
Um dos concelebrantes, o padre Ildefonso Chessa, faz uso de uma das frases caras a João XXIII: "a Igreja condena o pecado, mas perdoa o pecador", para limpar o campo de toda hipocrisia: "Mesmo que Dalla tivesse saído do armário, eu teria celebrado o funeral da mesma forma. Esse aspecto das pessoas não me interessa". A Cúria de Bolonha observa de longe e dá de ombros, indiferente à tempestade.
"Tudo o que fizemos, faremos novamente sem qualquer hesitação. O estilo da celebração fúnebre foi sóbrio, a liturgia foi respeitada com rigor: a missa foi a do segundo domingo da Quaresma". O vigário diocesano, Mons. Gabriel Cavina, é um rio em cheia: "Se não tivéssemos celebrado o funeral em San Petronio, haveria muito mais polêmicas, não?".
Em todo caso, a decisão da Cúria foi ponderada, tomada pela cúpula levando em conta o afluxo de pessoas e o fato de que a casa do artista é na Via d'Azeglio, logo atrás da catedral. "Se a residência de Dalla fosse em Pieve del Pino, o funeral seria feito em Pieve del Pino".
Mons. Cavina também costumava vê-lo frequentemente nas missas que ele celebrava ("às vezes até durante a semana"). "O seu percurso espiritual era fora de dúvida. Eu posso certificar isso. Ele tinha uma bela comunicação de fé, discreta e sofrida. Todas as fofocas que saíram a propósito desse rapaz, Marco Alemanno (que eu pessoalmente não conhecia) não mudam nada em substância. Menos ainda na densidade humana do homem Dalla".
Ao contrário, não se entende o motivo de tantas instrumentalizações, "visto que não levam em conta a personalidade discreta do cantor, que, quando estava vivo, nunca falou em público sobre sua a homossexualidade, nem sobre o seu vínculo com Marco".
A Cúria não permitiu as canções na igreja para evitar um funeral-espetáculo? "Seguimos as regras da liturgia das exéquias em vigor. Exatamente como faríamos com qualquer outra pessoa". Mas permanece intacto um paradoxo: "Quando estava vivo, Lucio sempre criou consenso em torno de si, colocando todos de acordo. Agora, morto, eu não entendo por que ele deveria dividir. Não é justo".
No pano de fundo da história, move-se a complicada relação entre a Igreja e a homossexualidade. Se, no passado, os julgamentos sobre os gays eram muito pesados (definidos como pessoas doentes e contra a natureza), hoje as indicações são orientadas a uma acolhida a ser realizada com "respeito, compaixão e delicadeza". O Catecismo recomenda: "Evite-se qualquer sinal de discriminação injusta". E ainda: os gays são chamados a realizar a "a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição". Exatamente como Lucio Dalla fazia.
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Lucio Dalla e a rixa sobre os funerais na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU