Por: André | 21 Janeiro 2012
“O capitalismo é intrinsecamente incompatível com os limites físicos do planeta. Por isso, foi desenvolvendo toda uma série de pseudo-soluções que tentam demonstrar que se pode continuar crescendo indefinidamente em um planeta de recursos limitados”. A afirmação é de Yayo Herrero e Luis González Reyes em artigo publicado na revista espanhola Pueblos, 12-01-2012. Os autores são membros da organização Ecologistas en Acción. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Em nossa sociedade, que poderia ser chamada de sociedade do excesso, paradoxalmente a maior parte das coisas importantes ou imprescindíveis está diminuindo. As reservas pesqueiras diminuem de forma alarmante devido ao excesso de pesca; o petróleo, base de nossa organização econômica, começa a esgotar-se por causa da excessiva extração; o equilíbrio climático está sendo quebrado devido ao excesso de transporte motorizado; os ecossistemas se fracionam e deterioram devido ao excesso de cimento e concreto; a água, o ar e o solo são envenenados devido ao uso excessivo de produtos químicos; as desigualdades sociais se aprofundam porque existe uma acumulação e consumo excessivos de bens por parte de uma minoria; a articulação social que garantia os cuidados está se destruindo, entre outras razões, porque homens e mulheres devem dedicar um tempo excessivo a trabalhar para o mercado; a diversidade social e cultural desaparece diante dos excessos de um modelo homogeneizador.
Se os problemas que enfrentamos são causados por uma extração excessiva de recursos, pela ingente geração de resíduos, pelo confisco excessivo dos tempos para a vida por parte do mercado e por uma acumulação obscena de riqueza por uma parte da humanidade; se os problemas que colocam a vida, assim como a conhecemos, em situação de risco, vêm dados pela extralimitação, é fácil imaginar por onde terão que caminhar as soluções.
Se o planeta está sujeito a limites, em seu seio nada pode crescer. O inelutável fato de que o sistema econômico se encontra dentro da biosfera, de que requer materiais e energia, e de que emite resíduos e calor, implica que não pode se sustentar sobre o crescimento ilimitado. O caminho para a sustentabilidade passa necessariamente pela diminuição da extração e da geração de resíduos das populações que mais o fazem.
A adição ao crescimento do capitalismo
Vivemos em um sistema, o capitalista, que funciona com uma única premissa: maximizar o benefício individual no menor tempo possível. Um de seus corolários inevitáveis é que o consumo de recursos e a produção de resíduos não podem parar de crescer.
Vejamos um exemplo. O Banco Santander toma emprestados alguns milhões de euros do Banco Central Europeu (BCE) e depois os empresta, a um juro maior, ao Sacyr-Vallehermoso, para que possa comprar 20% da Repsol-YPF. Para que o Sacyr torne rentável seu investimento e possa devolver o empréstimo ao Santander e este ao BCE, a Repsol não pode parar de crescer. Caso não houver crescimento, a espiral de créditos é cortada e o sistema vem abaixo.
E como cresce a Repsol? Vendendo mais combustíveis e aumentando a mudança climática, recortando os custos salariais, extraindo mais petróleo inclusive de Parques Nacionais ou de reservas indígenas, baixando as condições de segurança (1)... Em suma, à custa das populações das zonas periféricas e da natureza.
E isto também pode ser aplicado ao âmbito da economia financeira, já que se articula sobre a produtiva, que é sobre a qual tem que exercer, em última instância, sua capacidade de compra.
Portanto, o capitalismo é intrinsecamente incompatível com os limites físicos do planeta. Por isso, foi desenvolvendo toda uma série de pseudo-soluções que tentam demonstrar que se pode continuar crescendo indefinidamente em um planeta de recursos limitados. Entre elas se destaca a promessa da desmaterialização da economia a partir da ecoeficiência. A eficiência é condição necessária mas não suficiente. O efeito rebote que acompanhou muitas inovações tecnológicas que pretendiam desmaterializar a economia dá boa mostra disso.
Decrescimento e qualidade de vida
Quando a população vive em condições de miséria, aumentos no consumo de recursos e energia se associam diretamente ao aumento da qualidade de vida. Isto está claro em vários indicadores, como o aumento da esperança de vida, o acesso à educação ou a felicidade.
No entanto, a partir de um determinado umbral, essa correlação se perde. Por exemplo, aumentos continuados no consumo de energia acima de uma tonelada equivalente de petróleo por pessoa e ano não vão acompanhados de aumentos significativos em indicadores como a esperança de vida, a mortalidade infantil ou o índice de educação (2). Uma tonelada equivalente de petróleo é o consumo energético aproximado do Uruguai e Costa Rica, que têm indicadores de qualidade de vida similares, embora um pouco menores que a Espanha, cujo consumo beira as 3,6 toneladas.
O dado poderia ser um ponto de referência que respondesse à pergunta de até onde decrescer?, embora pudéssemos tomar outras referências mais baixas, como a dos/das habitantes de Can Masdeu, na periferia de Barcelona, que têm uma qualidade de vida excelente com um consumo que beira o quarto dessa tonelada equivalente de petróleo (3).
Outros estudos, nos Estados Unidos (4) ou na Irlanda (5), apontam que a felicidade também não guarda uma correlação com o crescimento a partir de determinado limite.
Decrescimento e trabalho
Ajustar-se aos limites do planeta requer reduzir e reconverter aqueles setores de atividade que nos aproximam da deterioração, e impulsionar aqueles outros que são compatíveis e necessários para a conservação dos ecossistemas e da reprodução social.
A nossa sociedade identificou o trabalho exclusivamente com o emprego remunerado. Inviabilizam-se assim os trabalhos que se centram na sustentabilidade da vida (criação, alimentação, cuidados de pessoas maiores ou doentes) que, sendo imprescindíveis, não seguem a lógica capitalista. O sistema não pode pagar os custos de reprodução social, nem tampouco pode subsistir sem ela; por isso essa imensa quantidade de trabalho permanece oculta e relegada às mulheres. Qualquer sociedade que se queira orientar pela sustentabilidade deve reorganizar seu modelo de trabalho para incorporar as atividades de cuidados como uma preocupação coletiva de primeira ordem.
Mas, além disso, é necessário uma grande reflexão sobre o emprego remunerado. É evidente que uma freada no modelo econômico atual acaba desembocando em demissões. Há trabalhos que não são socialmente desejáveis, como as centrais nucleares, o setor automotivo ou os empregos que são criados em torno das bolhas financeiras. Quem são necessários são as pessoas e, portanto, o progressivo desmantelamento de determinados setores teria que ir acompanhado de um plano de reestruturação em um marco de fortes coberturas sociais públicas.
O avanço rumo à sustentabilidade criaria novos empregos em setores que já são fortes geradores de trabalho, como as energias renováveis, a reciclagem ou o transporte público (6). Além disso, a rede pública de serviços básicos deverá crescer. Por último, a redução do consumo de energia, inevitável por outro lado, e a reformulação da utilização de tecnologia de alto nível implicarão uma maior intensidade no trabalho e, portanto, na necessidade de mais emprego.
Em todo o caso, há relatórios (7) que apontam que necessitamos trabalhar menos para manter o sistema de produção que temos. Portanto, já hoje, com uma partilha adequada do trabalho, a nossa jornada de trabalho, incluindo os trabalhos de cuidado, diminuiria consideravelmente. Isto centra o foco da discussão social na partilha do trabalho, não na criação de mais empregos. Desde esta perspectiva, o enfoque do sindicalismo majoritário deveria voltar a reivindicações anteriores, como a jornada de 35 horas.
Igualdade e distribuição da pobreza
A economia neoclássica apresenta uma receita mágica para alcançar o bem-estar: aumentar o tamanho do bolo, ou seja, crescer, evitando assim a incômoda questão da distribuição. Contudo, o crescimento contradiz as leis fundamentais da natureza. Assim, o bem-estar volta a ser relacionado com a distribuição.
Reduzir as desigualdades nos envia ao debate sobre a propriedade. Encontramo-nos em uma sociedade que defende a igualdade de direitos entre as pessoas e, no entanto, assume com naturalidade enormes diferenças nos direitos de propriedade. Em uma cultura da sustentabilidade seria preciso diferenciar entre a propriedade ligada ao uso da moradia ou o trabalho da terra, daquela ligada à acumulação e impor limites à última.
Em que é preciso decrescer?
Reduzir o tamanho de uma esfera econômica não é uma opção que possamos escolher. O esgotamento do petróleo e dos minérios, e a mudança climática vão nos obrigar a isso. Esta adaptação pode ser produzida pela via da briga feroz pelos recursos decrescentes, ou mediante um reajuste coletivo com critérios de equidade. O decrescimento pode ser abordado desde práticas individuais, comunitárias e também em nível macro. Entre elas ressaltamos algumas, sobretudo centradas no nível macro:
Introduzir limites para o uso de recursos
• Reduzir o consumo nos países do Norte para igualá-lo com o Sul, que deveria aumentar até poder garantir a saída da miséria de suas populações. Uma iniciativa neste sentido é colocar um limite máximo do uso de recursos.
• Estudar a colocação em prática de uma pegada ecológica de consumo máximo por pessoa em forma de “cartão de débito de impactos”.
• Proibir a produção de setores que destroem a vida.
• Reduzir os resíduos.
• Medidas de aumento da eficiência.
• Aumentar a participação dos elementos renováveis na economia, quer seja na forma de energia ou na forma de matéria, sem esquecer que vão poder cobrir um consumo inferior ao que temos atualmente (8).
• Medidas de sensibilização da população sobre os limites do planeta.
Priorizar os circuitos curtos de distribuição
• Incentivar uma reruralização da população.
• Promover um urbanismo compacto, de proximidade e bioclimático.
• Fomento de grupos de consumo e mercados locais.
Impor limites à criação de dinheiro
• Ancoragem das moedas a valores físicos como uma bolsa de alimentos básicos ou de minérios estratégicos ou à quantidade de população.
• Proibição de que os bancos criem dinheiro ultrapassando seus depósitos. Eliminação dos mecanismos de titularização da dívida.
• Promoção de moedas locais e redes de troca. Internalização de custos.
• Colocação em prática de um sistema de ecotaxas finalistas e redistributivas.
• Responsabilidade por parte dos fabricantes sobre todo o ciclo de vida do produto.
• Introduzir mais controles à produção não ecológica que à ecológica.
Políticas ativas de fomento da economia ecológica e solidária
• Voltar a tornar público o controle dos setores estratégicos, como o energético ou a banca.
• Medidas para a partilha da riqueza e a limitação da capacidade aquisitiva: renda máxima e partilha do trabalho (produtivo e reprodutivo).
• Introduzir como únicos os critérios sociais e ambientais nas políticas públicas de subvenções.
• Etiquetagem de traçabilidade do produto indicando as formas de produção e de transporte.
• Política de compras verdes e justas por parte das administrações públicas.
• Diminuir incentivos ao consumo. Um exemplo seria a limitação e o controle da publicidade.
Notas:
1. Marc Gavaldà y Jesús Carrión, Repsol YPF, un discurso socialmente irresponsable, Àgora Nord-Sud y Observatori del Deute en la Globalització, 2007.
2. Rosa Lago e Iñaki Bárcena, “A la búsqueda de alternativas”, em Iñaki Bárcena, Rosa Lago y Unai Villalba (eds.), Energía y deuda ecológica, Icaria, 2009.
3. Ibidem.
4. Avner Offer, The Challenge of Affluence, Oxford University Press, 2006.
5. Manfred Max-Neef, Economía transdisciplinaria para la sustentabilidad, 2005.
6. Wordwatch Institute, Empleos verdes: Hacia el trabajo decente en un mundo sostenible con bajas emisiones de carbono, PNUMA, 2008.
7. Anna Coote, Jane Franklin y Andrew Simms, 21 horas, Nef y Ecopolítica, 2010.
8. Pode-se consultar on line as propostas de Ecologistas en Acción.
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Decrescimento justo ou barbárie - Instituto Humanitas Unisinos - IHU