28 Novembro 2011
Um Sean Connery saído de um filme Indiana Jones que fala francês e luta por um consumo mais pensado. Poderíamos descrever assim o senhor de barba e cabelos brancos, marcantes sobrancelhas negras e óculos com cordinha, que veio a Porto Alegre participar do ciclo de palestras Economia de Baixo Carbono, realizado na sede da Unisinos na Capital. Esta não foi a primeira visita de Serge Latouche, 71 anos, ao Estado: em 2002, havia participado de dois workshops no Fórum Social Mundial. Foi uma decepção para o economista e filósofo francês, professor emérito da Universidade de Paris XI: suas ideias eram muito marginais para o público.
A entrevista é de Laura Schenke e publicada pelo jornal Zero Hora, 28-11-2011.
Eis a entrevista.
É possível consumir menos?
Não só é possível, como nós devemos de toda maneira consumir menos pela sobrevivência da humanidade. Para o sistema, consumir menos significa diminuir a pegada ecológica – e os brasileiros, para minha surpresa, parecem não conhecer muito isso.
Como o Brasil está nesse quesito?
O Brasil já passa a pegada sustentável em 25%. Ela é calculada em mais ou menos dois hectares de espaço bioprodutivo por habitante. Nem todos os hectares da Terra são bioprodutivos. Alguns são desertos, montanhas, oceanos. Desta forma, os pesquisadores definiram o espaço bioprodutivo, ou seja, a área que permite ao homem produzir, consumir e reciclar, em 12 bilhões de hectares, recentemente recalculado para 14 bilhões. Nessa escala, o país menos sustentável são os Emirados Árabes, seguidos pelos EUA – ambos beiram os 10 hectares por habitante. O Brasil está com 2,5 hectares.
O que significa consumir melhor?
Se nós consumimos algo local, nós consumimos melhor. Um sapato que é fabricado na mesma região do usuário tem uma "pegada" muito menor que se ele tivesse sido fabricado na China. Efetivamente, a mundialização impulsionou a pegada ecológica dos países de forma considerável.
De que forma?
Vou dar exemplos concretos. Quando eu era pequeno, lembro que fazíamos iogurte em casa. Pegávamos o leite na fazenda e o pote era reciclável, não havia alumínio. A pegada ecológica era praticamente nula. Uma jovem fez uma tese na Alemanha e calculou que um pequeno iogurte de morango vendido em Stuttgart incorporava 9 mil quilômetros de transporte. Na minha infância, comíamos o boi que se alimentava somente de grama. Hoje, o gado come soja que vem do Brasil. Calculamos que um quilo de carne de gado representa seis litros de petróleo, desde o início do processo até chegar a mesa: os pesticidas, os tratores, o transporte, o plástico da embalagem, a refrigeração nos frigoríficos e geladeiras. Na prática, nós não comemos um bife, e sim, petróleo. Em relação à vestimenta, usávamos roupas que eram fabricadas, no caso mais distante, no norte da França, na região de Lille. Hoje, em média, uma roupa incorpora 50 mil quilômetros.
O senhor imagina que deve ocorrer uma mudança radical em pouco tempo?
O problema não é a consciência, mas transformar a crise de consciência em uma mudança do sistema. Isso é muito mais difícil, passar à ação. Eu espero que isso ocorra. O decrescimento é uma aposta. O que me dá esperanças é ver que há muitos jovens que se interessam por isso. Vejo muitos movimentos, como Los Indignados, na Espanha, ou Occupy Wall Street, nos EUA, e a Primavera Árabe.
Como o senhor vê o rumo do Brasil em relação à sustentabilidade?
O caso do Brasil é interessante e ao mesmo tempo, emblemático, porque o país vive a contracorrente. Antes se dizia "Um outro mundo é possível" e havia um movimento próximo ao do Decrescimento, que era o do ecossocialismo, com Chico Mendes. Mas, ao mesmo tempo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reverteu a tendência ao voltar a algo que desapareceu na Europa – o compromisso de dar mais ao povo sem comprometer os lucros dos ricos. Isso não dura e é muito destrutivo, mas, por outro lado, é muito popular. Eu estive em Porto Alegre em 2002, mas fiquei muito decepcionado. Os outros não conheciam nossas ideias. Não havia uma problemática contra o produtivismo. Era um produtivismo de esquerda contra um produtivismo de direita. Eles lutavam por uma outra mundialização, enquanto nós pregávamos a desmundialização.
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"Se consumimos algo local, consumimos melhor" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU