13 Dezembro 2013
É uma passagem breve, na longuíssima exortação Evangelii gaudium. O Papa Francisco menciona o papel dos movimentos eclesiais na Igreja. Expressa seu apreço por essa "riqueza da Igreja", pelo seu "fervor evangelizador". Depois acrescenta: "Mas é muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Essa integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem raízes". E repete isso uma segunda vez, mais adiante, nos mesmos termos.
A reportagem é de Lorenzo Biondi, publicada no jornal Europa, 12-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é um detalhe de pouca importância, e entende-se bem isso folheando o último livro de Massimo Faggioli (Nello spirito del Concilio. Movimenti ecclesiali e recezione del Vaticano II, San Paolo, 150 páginas), segunda parte de um longo trabalho de pesquisa sobre o peso dos movimentos na Igreja de hoje. Um peso que se tornou determinante durante o pontificado de João Paulo II, apelidado de "o papa dos movimentos".
Em Loreto, em 1985, o Papa Wojtyla os tinha definido como "canal privilegiado" para a formação de leigos católicos. Diante da crise das paróquias e do associacionismo católico tradicional, o pontífice polonês tinha identificado uma alternativa. Os movimentos se tornam o modelo de outra Igreja, com estruturas distintas – em alguns casos – das estruturas das dioceses.
É o caso do Opus Dei, "prelazia pessoal" do papa: a relação com o pontífice é direta, não mediada pelos bispos e pelas outras hierarquias. E esse é o significado da proposta feita pela publicação semanal do Comunhão e Libertação, Il Sabato, em 1982, de nomear um bispo específico para os movimentos, independente da jurisdição das Igrejas locais. Os críticos, como Carlo Maria Martini, falam explicitamente da tentação de instituir "Igrejas paralelas".
A exortação do Papa Francisco exalta, não contesta, o pluralismo da Igreja, a existência de "carismas" diversos. Mas essa "variedade" – e aqui a análise de Faggioli vem em ajuda – pode ser mais frutífera quando se insere na vida das paróquias, das Igrejas locais, em vez da busca de uma relação direta com o Santo Padre. De algum modo, Francisco se coloca no rastro de Paulo VI, por exemplo na tentativa de resolver os conflitos entre o Comunhão e Libertação e a hierarquia na "sua" Milão.
Essa breve passagem da Evangelii gaudium pode ser a base para outra das muitas "reviravoltas" do Papa Francisco. Embora a questão dos movimentos e o problema da sua relação com a instituição e as Igrejas locais, em parte, já tinham sido postos pelo Papa Bento XVI.
Faggioli vê no papado de Ratzinger uma substancial continuidade com o de João Paulo II na questão dos movimentos. O papa alemão reconhece a "multiplicidade" das experiências de fé, que convivem, como em um "condomínio", sob o teto comum da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, contudo, ele vê os "perigos", adverte os movimentos contra os "particularismos" e os "riscos de fechamento". Se os movimentos se agarram a apenas uma parte do Evangelho (nas palavras do Papa Francisco) também perdem parte da sua riqueza.
Assim, Bento XVI pune o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, mas não deixa de atribuir a personalidades que vêm dos movimentos papéis de destaque no governo da Igreja. "Quem esperava de Bento XVI uma mudança de rota com relação aos movimentos – comenta Faggioli – ficou decepcionado. É clara ao papa a problematicidade da inserção dos movimentos nas Igrejas locais", mas não se configura "uma inversão de tendência".
O fato é que o Papa Ratzinger, assinalando o problema, também indica – talvez apenas por referência – a resposta. Cabe a Francisco, depois da renúncia do seu antecessor, continuar nesse caminho.
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A reviravolta do Papa Francisco com relação aos movimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU