31 Agosto 2013
No dia 31 de agosto do ano passado, o cardeal Carlo Maria Martini morria. A notícia não veio de repente. Nos dias anteriores, os rumores haviam se sucedido, e o purpurado teve a oportunidade de tomar consciência. Ou, melhor, confidenciou algo para as pessoas mais próximas a ele sobre o grande passo, sobre aquele andar além do muro de sombra que circunda toda vida.
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 29-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Parkinson não lhe dava trégua há anos e havia se enfurecido nos últimos tempos. Mês após mês, sua eminência – chamá-lo-emos desse modo, embora ele preferisse simplesmente o apelativo de "padre" – renunciava a algo. Coube também à voz. Ele se comunicava com o mundo graças ao padre Damiano Modena, que o ajudava dia e noite desde setembro de 2009; ele era, em suma, que sabia "traduzir" o que o cardeal conseguia expressar com muito esforço. Com suspiros, sussurros, muitas vezes estertores.
Porém, quem ia visitar Carlo Maria Martini, já estabelecido em dois pequenos quartos do Aloisianum de Gallarate, sempre recebia um presente. Às vezes era um ensinamento de exegese bíblica, outras vezes julgamentos sobre as coisas do mundo que ele conseguia captar com perspectiva privilegiada (são inesquecíveis aquelas sobre a música de Mozart ou sobre a vida da Igreja), outras ainda era um livro. Um dos muitos que ele ainda organizava ou que reunia os seus escritos.
O último era consagrado às orações, e a dedicatória à caneta que ele colocava nele era um convite a mais: "Rezem!". Um imperativo que resumia a sua vida de jesuíta, a missão à qual se dedicou, os fortes exercícios de Santo Inácio, o diálogo que tinha aberto com as outras religiões, os intensos estudos sobre os textos de papiros do Novo Testamento, o debate cerrado com o não crentes aos quais ele pediu humildemente que lhe explicassem as razões da sua separação de Deus.
A um ano de distância desde a sua morte, percebemos que Martini continua testemunhando, sugerindo, sendo uma referência. Na Catedral de Milão, o seu túmulo sempre tem, desde o dia do funeral, velas acesas, e não faltam, e nenhuma hora do dia, pessoas que se detêm em recolhimento.
O arcipreste da catedral, Gianantonio Borgonovo, falou de um milagre discreto, incessante, que toca aqueles que, por mil razões diferentes, se dirigem em visita; um milagre que não grita, mas se percebe. Certamente, Martini continua sendo inesquecível para aqueles poucos que assistiram as suas aulas na Gregoriana (as últimas proferidas em latim) ou para aqueles que tiveram a oportunidade de vê-lo uma noite por semana, quando ele visitava os encarcerados de San Vittore, onde falou também com expoentes das Brigadas Vermelhas (se renderam a ele, trazendo um arsenal ao arcebispado); impossível esquecer o homem em uma cadeira de rodas quando, deposta a púrpura, teve dois encontros com Bento XVI, em Roma e em Milão.
Mas são apenas indicações. O cardeal continua sendo um dos raros homens que tiveram uma fé profunda na Palavra, no Deus que se revela, e que ensinou como poucos outros a lê-la, a vivê-la, a captá-la no silêncio ou entre os gritos do mundo. Quando lhe era submetida uma questão bíblica, ele sempre oferecia uma resposta surpreendente; às vezes lembrava como aquela passagem devia ser lida depois de alguns textos apócrifos; outras vezes removia as redundâncias interpretativas; outras ainda sugeria uma palavra hebraica ou grega para resolvê-las.
Certamente, também citava com desenvoltura o copta, mas o fazia com grande atenção ao interlocutor: sabia sempre escolher o caminho para se fazer entender e, ao contrário dos professores especializados e de alguns mercenários, tinha renunciado a surpreender. Ele gostava de sorrir. Sempre.
E também nos últimos dias continuava sendo aquele que ele foi em todos os momentos da existência: um tímido com uma coragem de leão e uma força espiritual que comunicava ao interlocutor a presença de uma verdadeira autoridade. Alguns filósofos defendem que nascemos assim; talvez o cardeal se tornou assim. Com o percurso duro e único da formação jesuítica.
O livro que é publicado agora, Carlo Maria Martini. Il silenzio della parola, é assinado por Damiano Modena, com as intervenções de Ferruccio de Bortoli e de Antonio Sciortino. É a síntese comovente de um testemunho que viveu ininterruptamente três anos com sua eminência. São infinitas as sugestões. Como quando, em um dia de inverno, os dois estavam caminhando na sombra de um bosque verdejante, e o crepitar das folhas secas sob os seus sapatos se refletia entre os galhos das árvores. Martini confidenciou ao padre Damiano: "Esse barulho, uma vez, salvou a minha vida". O sacerdote pediu mais detalhes para o purpurado. E então o "padre Carlo Maria" contou: "Eu era um jovem jesuíta em formação. Sentia-me só, deprimido, um pouco em crise. Eu me perguntava que sentido a vida tinha, para que valia a pena viver. Fiquei à escuta e me dei conta de que a única companhia era o barulho das folhas sob os sapatos. A companhia daquele barulho me deu a força para não me desencorajar, valia a pena viver".
Palavras que respondem indiretamente àqueles que procuram provas da existência de Deus, ou, melhor – destaca Damiano – "confiam apenas se Deus lhes fala e é por isso que não ouvem a sua voz". Essas folhas trazem uma mensagem infinita, a mesma que se encontra no livro, quando Damiano lembra a voz esvaecida do cardeal: "Ele fala a Deus. Fala e gostaria de falar mais, falar melhor, mas a doença o esgota. Veem-se pequenos movimentos dos lábios... Ele canta, e no seu canto a voz se despedaça, torna-se luminosa, como os cacos de um cristal ao sol. Ele sabe que tem uma voz desarmoniosa, mas não se importa com isso". Acrescenta Damiano: "O que acontece entre ele e Deus, em certos momentos, não se sabe".
O testemunho de Ferruccio de Bortoli revela um segredo: o pequeno ícone ao lado do qual o cardeal rezava foi doado por ele ao diretor do jornal Corriere della Sera; e de fato está na sua sala da Via Solferino. Foi o próprio Damiano que o levou para ele, cumprindo uma vontade. Nesse gesto, havia também os três últimos anos da vida do cardeal, durante os quais ele havia mantido uma página de diálogo mensal com os leitores.
Paolo Baldini e eu tivemos o encargo (e o privilégio) de realizá-la, trazendo as cartas, dialogando com o "padre" (e o padre Damiano), mostrando-lhe os rascunhos. À frente de um jornal, ele teria sido muito exigente. Ele reencontrou uma paixão juvenil sua e, graças a ela, continuou aquele diálogo com fiéis e não crentes que tinha cadenciado a sua vida. Também respondeu a muitos leitores privadamente, recebendo alguns deles. Mas o fez em silêncio, sem dar nomes ou razões. A todos recomendou: "Rezem!".
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O milagre discreto de Carlo Maria Martini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU