04 Dezembro 2013
Dois traços do estilo de pensamento de Hans Joas transparecem em todos os seus escritos: o gosto pelo detalhe e uma franqueza desprovida de animosidade. Ambas as características são a prova de uma energia e de uma tenacidade fora do comum, inervadas por um realismo sadio, que sabe apreciar do existente tanto a densidade quanto a resistência aos mais piedosos desejos e às cômodas racionalizações.
A opinião é do teólogo italiano Paolo Costa (Milão, 1966), pesquisador do Centro de Ciências Religiosas da Fundação Bruno Kessler de Trento. Realizou seus estudos de doutorado e pós-doutorado em Parma, Trento, Toronto e Viena. É o autor de Verso un’ontologia dell’umano. Antropologia filosofica e filosofia politica in Charles Taylor (Milão, 2001) e Una idea di umanità: etica e natura dopo Darwin (Bolonha, 2007). Editou a edição italiana das obras de Charles Taylor, Hannah Arendt e Charles Darwin.
O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, 26-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O autor do livro La fede come opzione. Possibilità di futuro per il cristianesimo [A fé como opção. Possibilidades de futuro para o cristianismo] pertence ao seleto grupo de pensadores não previsíveis. Significativamente, no centro da sua produção científica (que, aliás, não é de fácil colocação no panorama disciplinar contemporâneo), domina a categoria de criatividade, entendida por ele como a manifestação de uma forma de espontaneidade situada, nada majestosa ou melodramática: a ordinária inventividade exigida pela vida de todos os dias.
Por outro lado, a própria história pessoal de Hans Joas poderia ser descrita como a precipitação de uma série de respostas originais aos desafios de uma existência medianamente conturbada.
O êxito nada óbvio dessa história é uma criatura no mínimo poliédrica. Um sóbrio intelectual alemão, com uma paixão desenfreada pela mais americana das correntes filosóficas: o pragmatismo; um sociólogo da religião mais próximo de Ernst Troeltsch do que de Weber, Durkheim ou Parsons; um intelectual engajado que, apesar da sua amizade e parceria com Axel Honneth, nunca criou uma associação estável com a tradição da teoria crítica frankfurtiana; um católico adulto em um mundo, o dos estudiosos das ciências humanas, muitas vezes dominado por formas irreflexivas de laicismo; um observador atento da contemporaneidade, desconfiado, porém, diante da obsessão dos doutos dos últimos três séculos de se apresentarem e se autorrepresentarem como "modernos"; um pensador capaz de conjugar a tradicional exigência teutônica de sistematizar o sistematizável com uma sensibilidade pós-moderna pela contingência.
Muitas dessas qualidades idiossincráticas o aproximam de outro protagonista "excêntrico" do debate contemporâneo, Charles Taylor, que, com o passar dos anos, tornou-se um dos interlocutores privilegiados do sociólogo alemão, e cuja recente reflexão sobre a secularização se intersecciona em muitos pontos com as análises desenvolvidas com fantasia e rigor em La fede come opzione.
Nascido em Munique em 1948 e formado em um ambiente católico e operário, com um pai incapaz de se libertar da terrível herança política do nazismo e uma mãe pragmaticamente orientada para o futuro da nova Alemanha, Joas desenvolveu, desde a juventude, um dote intelectual ao mesmo tempo precioso e raro: a habilidade de olhar a realidade de frente, sem revesti-la muito apressadamente com esquemas doutrinais ou, mais simplesmente, tranquilizadores.
Em particular, a experiência direta de pobreza e da insegurança depois da morte prematura do pai (1959) abriu-lhe os olhos para as contradições inerentes ao renascimento econômico alemão e, ao mesmo tempo, o vacinou contra as ilusões e a rigidez ideológica de muitos dos seus coetâneos, inebriados pelas expectativas palingenéticas suscitadas pelo 1968.
Dois traços do estilo de pensamento de Joas que transparecem em todos os seus escritos são, não por acaso, o gosto pelo detalhe e uma franqueza desprovida de animosidade. Ambas as características são a prova de uma energia e de uma tenacidade fora do comum, inervadas por um realismo sadio, que sabe apreciar do existente tanto a densidade quanto a resistência aos mais piedosos desejos e às cômodas racionalizações.
Basta nomear essa urgência de investigar a realidade sem preconceitos para entender como amadureceu em 1971 a sua decisão de passar da sonolenta Universidade de Munique para a Freie Universität de Berlim, em um dos focos da vida intelectual e política da Alemanha da época, que tinha a vantagem ulterior de oferecer um contexto acadêmico não monopolizado por escolas teóricas volumosas ou esclerosadas.
Nesse ponto, a evolução intelectual de Joas já tinha tomado uma direção, se não definitiva, ao menos clara. Por um lado, as três principais fontes da sua formação juvenil (o marxismo, o catolicismo conciliar e o amálgama tipicamente alemão de historicismo e hermenêutica que dominava a universidade alemã daqueles anos) tinham dado os frutos mais substanciais, revelando, ao mesmo o tempo, os seus limites intrínsecos, em particular o grave déficit em matéria de cultura política democrática.
Por outro lado, o pragmatismo, e particularmente o menos conhecido entre os seus principais expoentes, George Herbert Mead, tinha se imposto à atenção do jovem estudioso seja como um útil corretivo, seja como um promissor campo de encontro para essas diferentes tradições de pensamento.
Nessa fase decisiva da sua formação, o vínculo com Hans Peter Dreitzel, Dieter Claessens e com o seu jovem assistente, Wolf Lepenies, ofereceu a Joas a oportunidade de contrabalançar com uma imersão na concretude da reflexão antropológica as fantasias prometeicas da cultura política então hegemônica entre os seus colegas universitários. Não que tal mundo lhe fosse completamente estranho.
O interesse por Habermas, a frequentação pessoal com Agnes Heller e o início, em 1974, da união intelectual com Honneth fizeram com que a sua despedida do marxismo tivesse a semelhança, ao invés de uma abjuração, de uma superação ponderada do seu quadro categorial em favor de uma tradição de pensamento diferente, mas não antitética.
Nesse processo de lento mas progressivo distanciamento teórico do materialismo histórico, uma reviravolta importante foi representada por um período de estudos nos Estados Unidos (1975), que permitiu que Joas realizasse algumas verdadeiras descobertas no âmbito dos estudos meadianos e, de um ponto de vista conteudístico, reforçou a sua intuição original de que "a concepção de intersubjetividade [Mead] era, sob todos os efeitos, a transformação de alguns pressupostos cristãos fundamentais em uma ética e em uma psicologia social".
Os resultados desse trabalho, ao mesmo tempo exegético e teórico, confluíram na sua tese de doutorado, publicada pela Suhrkamp em 1980 e traduzida, graças ao apoio de Anthony Giddens, pouco anos depois, também em inglês. Graças ao sucesso do livro, Joas pôde entretecer um diálogo frutuoso com o sociólogo de ChicagoDonald N. Levine e, assim, lançar as bases para uma relação de colaboração com o departamento local de sociologia e com o prestigiado Committee on Social Thought, destinada a durar por muitos anos.
Paralelamente à publicação, ainda em 1980, de um livro coescrito com Axel Honneth, que, com a sua habitual franqueza, ele mesmo descreveu anos mais tarde como um trabalho "não totalmente maduro", Joas começou no Max-Planck Institut a primeira das inúmeras colaborações profissionais com centros de pesquisa extrauniversitários. Nesse contexto, os seus interesses macrossociológicos tiveram que abrir espaço momentaneamente a pesquisas mais circunscritas, particularmente a uma investigação empírica sobre as oportunidades de trabalho dos jovens cientistas alemães.
Apesar do sentimento de frustração por não ter conseguido dar livre curso à sua própria vocação teórica, os anos 1980 representaram um período de gestação crucial para a sua produção teórica mais madura. Remonta àqueles anos, de fato, o nascimento do interesse pelo fenômeno da guerra (incentivado, dentre outras coisas, pelas lutas contemporâneas do movimento pelo desarmamento atômico) que só depois de mais de uma década de estudos desembocou na publicação de alguns trabalhos importantes sobre o tema.
No entanto, foi somente depois da sua nomeação como professor da Universidade de Erlangen-Nuremberg (1987-1990) que teve início a escritura daquele que Joas considera ainda hoje como o seu livro mais significativo: o livro dedicado à "criatividade da ação". Publicado pela editora Suhrkamp em 1992, o texto se propunha a reabilitar, com instrumentos teóricos derivados mais uma vez do pragmatismo americano, a ação humana e os seus recursos criativos endógenos (isto é, independentes da racionalidade instrumental ou de um domínio normativo extrínseco).
No livro, a ênfase do entrelaçamento entre conhecimento e ação típico da visão pragmatista se combina com impulsos teóricos provenientes da antropologia filosófica alemã para dar origem a uma visão da espontaneidade humana em que a atenção ao corpo e à sua "intencionalidade passiva" não desemboca, no entanto, em um vitalismo irracional. Justamente pelo corte aparentemente antinormativista, o livro recebeu uma acolhida morna no país, e as suas potencialidades teóricas foram apreciadas na Alemanha somente depois da sua publicação nos Estados Unidos e, mais ainda, na França (por iniciativa de Alain Touraine).
Concluído o parêntese em Erlangen, Joas, já berlinense por adoção, voltou em 1990 à Freie Universität como professor, mas não do departamento de sociologia, mas sim do John F. Kennedy Institute for North American Studies. Foi nesse contexto internacional e trabalhando lado a lado com Amitai Etzioni (o principal defensor do contemporâneo renascimento comunitário na filosofia política) que ganhou forma aquele estudo sobre a gênese dos valores que, nas intenções do autor, devia representar a conclusão teórica do livro sobre a criatividade da ação.
Aqui, alternando segundo um estilo aprovado interpretações eruditas dos clássicos da teoria social dos últimos dois séculos e análises mais sistemáticas, Joas abordou a questão do círculo virtuoso entre os episódios (preterintencionais) de transcendência do eu e o trabalho reflexivo da "hermenêutica profunda" que se tornaria crucial nos escritos posteriores sobre a religião.
A última década da carreira do sociólogo alemão foi caracterizada por um ativismo e por uma produtividade que se explicam, pelo menos em parte, por uma urgência existencial inderrogável. Depois da sua demissão em 2002 da Universidade de Berlim, motivada também por um juízo negativo sobre o estado atual da universidade alemã, Joas manteve o ensino em Chicago e se tornou, primeiro, diretor do Max-Weber Kolleg de Erfurt (2002-2011) e, por fim, em 2009, membro do Freiburg Institute for Advanced Studies.
Nos últimos anos, paralelamente aos outros variados interesses e projetos (o estudo do fenômeno da guerra, a interpretação da secularização, a análise da reviravolta axial, a desconstrução do conceito de modernidade), ele concluiu uma investigação, ao mesmo tempo, histórica e temática, sobre a gênese do conceito de sacralidade da pessoa e sobre o papel crucial que essa intuição moral desempenha na legitimação de grande parte das instituições e práticas sociais de hoje.
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Hans Joas, perfil de um outsider - Instituto Humanitas Unisinos - IHU