04 Novembro 2013
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"O Rio, como termômetro do país, vive um contraste à altura de sua injusta divisão de renda. A economia formal cresce; a especulação imobiliária tem lucros vertiginosos; o solo urbano é sobrevalorizado; mas o aparelho de Estado age como se estivéssemos no período colonial. Reprime na avenida e mata na favela", escreve Bruno Lima Rocha, jornalista e cientista político, em artigo publicado no blog do Noblat, 01-11-2013.
Eis o artigo.
No Brasil, vive-se um paradoxo. Avançamos nas condições materiais de vida, mas no quesito dos direitos básicos, uma parcela importante da população ainda vive sob suspeita, sofrendo coações permanentes. A notícia dada no Bom Dia Rio, telejornal da emissora líder na manhã da 2ª feira, 28 de outubro, de que quatro policiais militares mulheres do estado do Rio de Janeiro foram coagidas a dar falso testemunho no caso do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza traduz essa perplexidade. As militares vieram ao público para contradizer a ordem de seu comando direto quando da operação ilegal, e o fizeram em depoimento ao Ministério Público Estadual (MPPE). Infelizmente, o fato novo é a opinião pública denunciando o crime de Estado e não o delito em si. Também para nossa desgraça, tal fato singular só virou bandeira na defesa de direitos humanos pela pressão popular decorrente dos protestos sociais, e não por uma ação sistemática dos vários órgãos fiscalizadores ou de corregedoria.
O aparelho de segurança é sempre um ponto delicado para qualquer governo. Toda instituição estatal tende ao “insulamento”, conceito clássico da ciência política quando descreve o acionar isolado, dotado de razões próprias das tecnocracias. Se quem está insulado é o corpo armado do Estado, esta tendência é reforçada. Como a segurança no Brasil é primeiro patrimonial e depois cidadã, quem tem poucos recursos detêm ainda menos direitos. Tal é o caso do pedreiro Amarildo. Um trabalhador brasileiro que foi preso para averiguação, torturado em uma dependência oficial, conduzido dentro de viatura policial para vir a ser assassinado por agentes da lei. Até a cobertura midiática é tímida, desproporcional ao crime de lesa humanidade.
O Rio, como termômetro do país, vive um contraste à altura de sua injusta divisão de renda. A economia formal cresce; a especulação imobiliária tem lucros vertiginosos; o solo urbano é sobrevalorizado; mas o aparelho de Estado age como se estivéssemos no período colonial. Reprime na avenida e mata na favela. Se levarmos em conta os episódios nefastos anteriores aos Jogos Panamericanos de 2007, a tendência para 2014 e 2016 é de mão dupla. Teremos o aumento da repressão política e sindical, sob coordenação federal, como ocorrera no Leilão do Campo de Libra. Já nas áreas ocupadas ou sob disputa com o narcotráfico, o número de mortes suspeitas tende a crescer. Seria leviano prever outro tipo de cenário para os direitos fundamentais nos anos de grandes eventos esportivos.
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Rio: insegurança pública e crime de Estado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU