Por: Caroline | 30 Outubro 2013
Ricardo Patiño (foto) reivindicou as conquistas alcançadas pelo seu país nestes seis anos de Revolução Cidadã. Em visita a Argentina, o chanceler equatoriano conversou com o jornal Página/12 sobre a espionagem internacional, a relação dos Estados Unidos com a região e sobre uma possível solução do caso de Julian Assange. Também se referiu as declarações do presidente Rafael Correa, contrário a legalização do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como o litígio com a Chevron.
A entrevista é de Patricio Porta, publicado no jornal Página/12, 29-10-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/WYpnQc |
Eis a entrevista.
Receia que o Equador esteja sendo espionado pelo governo estadunidense?
Bem, estamos certos de que eles têm espionado os países do mundo inteiro. Além disso, temos a informação, muito relevante e precisa, que indica que os correios eletrônicos de todos os membros do governo equatoriano foram totalmente hackeados.
Acredita que isto tenha haver com a concessão de asilo para Assange ou é apenas mais um país na lista?
É um país a mais. Não são apenas os países inimigos, amigos, semi amigos, neutros. Todos os países foram espionados. A atitude de espionagem já é algo irremediável, assim como a desconfiança que gera. Isto traz muitos danos à paz mundial, porque o nível de desconfiança que gera é muito grande. E o antecedente de uma conflagração é a desconfiança.
Edward Snowden é um traidor ou alguém que revelou ao mundo uma verdade?
Como cidadão do mundo, eu diria que é alguém que nos abriu os olhos para um flagrante de uma desavergonhada violação dos direitos humanos. É algo gravíssimo. O que fizeram com Snowden e Assange é revelador da impunidade. A propósito da palavra “traidor”, acredito que é mais importante ser leal aos princípios e à cidadania global do que a um compromisso assumido que viola uma norma internacional e os direitos humanos.
O que o Equador tem pensando para resolver a questão do asilo de Julian Assange?
Estabelecemos, à luz da comunidade internacional, quais foram os motivos para dar o asilo político para Assange. Como o Reino Unido não lhe dava o salvo-conduto, enviamos-lhe uma nota com as bases legais para fazê-lo. Não o aceitaram. Há algumas semanas, sugerimos ao chanceler William Hague a constituição de uma comissão, formada por especialistas jurídicos, entre nossos países, para encontrar uma saída. Agora, o governo britânico disse que não a quer constituir. Apesar das nossas iniciativas permanentes, a resposta continua a mesma. Estamos considerando seriamente recorrer às instâncias judiciais internacionais.
Como avalia as relações entre os Estado Unidos e a América Latina, desde a chegada de Obama?
Eu diria que muito barulho para nada. Temos muitas expectativas. Eu não sei se ele também tinha muitas expectativas, mas no exercício do poder se deu conta de que havia poderes superiores aos do presidente dos Estados Unidos. Nós acreditamos que o senhor Obama é uma boa pessoa, com certeza tem bons sentimentos, mas o problema do poder vai além das boas intenções. Nos Estados Unidos há alguns outros poderes que se impõem ao se exercer uma função pública. Essa é a razão pela qual a relação com Estados Unidos se baseia na cooperação com as forças armadas, em pedir aos países que evitem o narcotráfico, quando se poderia ter uma relação de solidariedade e de irmandade. Nós gostamos do povo norte-americano, não concordamos com as políticas invasoras.
Porque Texaco-Chevron entraram com uma ação contra o governo do Equador?
A Texaco foi processada por comunidades amazônicas equatorianas. Porque ao final de sua estadia no país, explorando nossos recursos, deixaram uma grande contaminação. Então as comunidades iniciaram um processo que começou em 1993 e terminou em 2011, com uma condenação por parte da Corte para esta companhia, com uma multa de 9,6 bilhões de dólares, que duplicaria, caso não pedissem desculpas após 15 dias. A sentença ficou então em 19 bilhões. Logo a Texaco foi comprada pela Chevron, que agora diz que não fez nada no Equador. Bem, comprou a companhia que o fez e, ao assumir a compra, tornou-se responsável. Quando ocorreu esta sentença, a Chevron fez uma denúncia contra o Equador, pedindo ao Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, que o Equador respondesse pelo que eles ficaram responsáveis em pagar, porque, segundo eles, não contaminaram nosso país. Podemos constatar abertamente que eles produziram esta contaminação. Insisto, o Equador não iniciou uma ação, mas sim as comunidades. A Chevron não cumpre sua responsabilidade e busca transferir ao Estado equatoriano sua responsabilidade.
Mesmo sendo uma empresa privada, é uma empresa norte-americana. Você acredita que isto pode afetar a relação com Washington?
Temos nossas diferenças com o governo dos Estados Unidos, que são de outra natureza. Mas esta é uma empresa. Agora, o lamentável é que o Tribunal de Arbitragem aceite que a causa da ação se ampare no Tratado Bilateral de Proteção de Investimento, que rege desde o ano recente de 1997 e a empresa saiu do Equador em 1992. Quer dizer, é aplicada com efeito retroativo, o que é uma aberração jurídica. Além disso, este tratado estabelece que não se aplica para julgamentos ou conflitos entre entidades privadas. E isto é um conflito entre entes privados, porque o Estado equatoriano não intervém.
Por que o governo equatoriano decidiu explorar a zona de Yasuni?
O Equador levou à comunidade internacional uma proposta em 2007. Apesar de todos os países explorarem seus recursos naturais e não colocarem restrições a si mesmos, nós decidimos colocar-nos uma restrição. Dissemos: ‘nós estamos dispostos a preservar uma região de extrema diversidade sempre e quando houver uma corresponsabilidade internacional’. Se as grandes empresas mundiais e os países desenvolvidos estão dispostos, nós sacrificamos 50% do que esse petróleo pode dar. Os outros 50%, a comunidade internacional deverá colocar. Isto significava naquela época 7 bilhões de dólares. Contudo, passaram-se seis anos e não houve a corresponsabilidade internacional. Desta forma, assumimos a responsabilidade de explorar este petróleo. Porém, iremos preservar a biodiversidade, porque iremos explorar com os maiores cuidados ambientais apenas a milésima parte deste território.
Você considera que a América Latina pode ser uma luz para as outras regiões do mundo?
Sim, podemos ser uma referência. Há muitos países europeus – não trato dos governos, mas dos membros da sociedade civil, congressistas e acadêmicos – que têm uma grande curiosidade pelo que está acontecendo na América Latina. Perguntam-nos sobre como fizemos com a questão da dívida, como baixamos tão drasticamente a pobreza e os níveis de desigualdade. Há uma série de coisas que temos feito, em muito pouco tempo, que, sem ser um modelo, pode se tornar um exemplo para outros lugares. A América Latina despertou em boa hora.
Recentemente, o presidente Correa se manifestou contrário ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes temas não fazem parte da Revolução Cidadã?
Tudo faz parte da Revolução Cidadã. Há temas que são mais espinhosos. O tema do aborto é muito complexo porque tem a ver com convicções religiosas e éticas. Há diferentes perspectivas para isto dentro de uma mesma equipe de governo. Eu tenho uma abordagem diferente, creio que uma pessoa que foi estuprada tem direito a abortar. Todavia, a Assembleia decidiu não modificar as normas atuais. Num processo de transformação, é necessário sacrificar certas posições. O próprio presidente teve que ceder em certas questões. Faz parte da governança.
A ideia, então, é avançar com os temas das minorias após resolver os das maiorias?
Eu creio que sim. A história nunca para, sempre avança. E foram conquistados avanços importantes a respeito das questões das minorias em nossa legislação e na Constituição. Não se pode avançar em tudo da mesma maneira. Contudo, os resultados que têm sido conquistados são extraordinários. Os avanços conquistados são refletidos na enorme aceitação do presidente Correia, como líder deste projeto, avaliado positivamente por mais de 80% dos cidadãos. Isto tem a ver com o fato de termos governos que se parecem com seus povos.
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“Snowden nos abriu os olhos”, afirma chanceler equatoriano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU