Por: Cesar Sanson | 19 Agosto 2013
Drama vivido pelos parentes do pedreiro da Rocinha é comum a outras famílias do país.
Já era noite quando Caíque de Lima, de 18 anos, e Matias do Nascimento, de 19 anos, caminhavam em direção a uma pastelaria no Jardim Presidente Dutra, bairro da periferia de Guarulhos (SP). Os amigos de infância, que trabalhavam como ajudantes de pedreiro, tinham combinado de encontrar no local as suas namoradas. No caminho, segundo moradores do bairro, teriam sido abordados por um carro de polícia. Desde o dia 12 de julho de 2012, nunca mais foram vistos. A mãe de Matias, Maria Alice, que tem esperanças de encontrar o filho, ainda guarda as suas roupas no armário e a sua bicicleta no quintal. Segundo ela, o jovem, que anos antes teve passagem pela Fundação Casa, tinha o sonho de tornar-se alinhador mecânico, como o pai.
— Eu tenho hoje ódio de polícia, eu peguei raiva de polícia, eu não sei se confio na polícia ou em bandido. Eu estou em depressão hoje, tudo nesta casa lembra o meu filho — desabafou a mãe.
A reportagem é de Gustavo Uribe e Marcelo Fiuza e publicada pelo jornal O Globo, 18-08-2013.
O desaparecimento dos amigos de infância não foi o único caso ao qual O GLOBO teve acesso, e que, segundo testemunhas, envolveriam forças policiais. Como o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido há mais de um mês no Rio de Janeiro, jovens de São Paulo, Minas Gerais e Goiás não são vistos por suas famílias há anos. Os casos seguem sem solução.
No primeiro semestre deste ano, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos, recebeu 504 denúncias de uso de força não legítima pela polícia, número superior ao registrado no mesmo período do ano passado, de 413. Os estados de Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Paraná concentraram metade das denúncias de violência policial neste primeiro semestre, 253. As denúncias de prisões ilegais também tiveram crescimento no período, de 44 para 121, assim como de execuções sumárias, de cinco para dez.
Neste ano também, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo informou ter recebido cinco denúncias de desaparecimento de pessoas após abordagem policial. Segundo o coordenador da comissão da entidade civil, Martim de Almeida Sampaio, o perfil comum da maior parte dos desaparecidos nos últimos anos é de jovens negros e pobres, sem antecedentes criminais, que vivem na periferia das cidades. Os dados da entidade civil são subnotificados, ou seja, pode haver mais casos, uma vez que muitas testemunhas de desaparecimentos não notificam formalmente os episódios, muitas delas por medo de sofrer retaliação.
— O que tem acontecido de uns anos para cá são casos de desaparecidos por força de ação de grupos paramilitares, sobretudo milicianos, muitas vezes integrados por policiais militares, por membros das forças de segurança. E obviamente que esse pessoal, essas milícias, agem à margem da lei. E quem sofre desse tipo de ação tem um enorme medo e uma grande dificuldade de denunciar esses casos publicamente, porque podem ser as próximas vítimas — explicou o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Rio de Janeiro, Marcelo Chalréo.
Segundo O GLOBO apurou, não há estatísticas ou levantamentos oficiais nem nos estados nem no país de desaparecidos após abordagem policial. O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL), criticou a precariedade em torno das informações sobre desaparecidos no país.
— Hoje, se consegue ter mais informações sobre carros roubados do que sobre pessoas desaparecidas, o que é sintomático em termos de prioridade do poder público na área de segurança pública. O fato é que não há qualquer tipo de diagnóstico feito. E quando não se tem diagnóstico, não se tem política pública — criticou.
O assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, Maurício Santoro, observa que o desaparecimento após abordagem policial não é um problema que tem se manifestado apenas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, mas no país inteiro. Ele avaliou que a apuração desses casos não é feita da maneira esperada, uma vez que, diante das denúncias de envolvimento de policiais, “a primeira reação da corporação é de proteger o policial”.
— A gente não tem como dizer com todas as letras que esses casos são maioria, porque não temos estatísticas oficiais para isso, mas a gente pode afirmar que eles são, pelo menos, uma parcela muito significativa de casos de desaparecimento — afirmou.
O mesmo drama da mãe de Matias do Nascimento é vivido pela família da assistente social Francilene Gomes Fernandes, irmã de Paulo Alexandre, desaparecido em 2006. O jovem, na época com 23 anos, estava em um bar com os amigos no bairro de Itaquera, Zona Leste de São Paulo, quando teria sido abordado, segundo testemunhas, por uma viatura das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), da Polícia Militar.
O caso ocorreu na semana em que explodiu uma crise em São Paulo entre o governo estadual e uma facção criminosa. Desde aquele dia, o jovem, que no passado havia cumprido pena pelo furto de R$ 11, nunca mais foi visto. A irmã chegou a escrever trabalhos acadêmicos sobre o desaparecimento.
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Os amarildos do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU