Por: André | 18 Mai 2013
Na pregação do Papa Francisco há um tema que aparece com uma frequência surpreendente: o diabo.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 13-05-2013. A tradução é do Cepat.
O mesmo tema se repete com uma frequência similar no Novo Testamento. Mesmo tendo isso presente, a surpresa permanece. Talvez seja porque, com suas contínuas referências ao diabo, o Papa Jorge Mario Bergoglio se afasta da pregação atual da Igreja, que: ou cala sobre o tema ou o reduz à metáfora.
Fonte: http://bit.ly/17kT4CQ |
Mais, a minimização do diabo está tão difundida que esta projeta sua sombra sobre as próprias palavras do Papa. Até agora, a opinião pública, tanto católica como laica, mostrou despreocupação diante da sua insistência sobre o diabo ou, no máximo, indulgente curiosidade.
Ora, uma coisa é certa. Para o Papa Bergoglio o diabo não é um mito: é uma pessoa real. Em uma de suas homilias matutinas na capela da Domus Sanctae Marthae disse que não há apenas ódio no mundo em relação a Jesus e à Igreja, mas que por trás deste espírito do mundo está “o príncipe deste mundo”:
“Com sua morte e ressurreição Jesus nos resgatou do poder do mundo, do poder do diabo, do poder do príncipe deste mundo. A origem do ódio é esta: estamos salvos e esse príncipe do mundo, que não quer que sejamos salvos, nos odeia e faz nascer a perseguição, que começou nos primeiros tempos de Jesus e que continua até hoje”.
É preciso reagir diante desse diabo – disse o Papa – como fez Jesus, que “respondeu com a palavra de Deus. Não podemos dialogar com o príncipe deste mundo. O diálogo entre nós é necessário; é necessário para a paz, é uma atitude que devemos ter entre nós para nos escutarmos, para nos entendermos. E deve permanentemente ser mantido. O diálogo nasce da caridade, do amor. Mas não podemos dialogar com este príncipe; podemos somente responder com a palavra de Deus que nos defende”.
Francisco fala do diabo demonstrando que tem muito claro em sua mente seus fundamentos bíblicos e teológicos.
E precisamente para refrescar a mente sobre estes fundamentos interveio, no L’Osservatore Romano, de 04 de maio, o teólogo Inos Biffi, com um artigo que recapitula a presença e o papel do diabo no Antigo e no Novo Testamento, tanto no que foi revelado e manifesto, como no que ainda pertence a um “panorama escondido” e, em definitiva, aos “caminhos impenetráveis” de Deus.
Reproduzimos este artigo na sequência, que termina com uma crítica à ideologia corrente que banaliza a pessoa do diabo. Ideologia contra a qual Bergoglio quer fazer um apelo de todos à realidade.
Como as Escrituras falam do demônio, de Inos Biffi
Após o surgimento do homem, obra do sexto dia da criação, eis que se manifesta a presença de um ser misterioso e inquietante, a serpente. Assombra e desconcerta o que esta inicia com os progenitores, e o que destes quer obter: insinuar neles a suspeita em relação a Deus, isto é, persuadi-los de que as proibições por ele colocadas provêm de seu zelo, de seu temor de que eles queiram equiparar-se a ele. A serpente encarna, precisamente no princípio do mundo e de sua história, a presença de um ser invejoso: “Pela inveja do diabo, entrou no mundo a morte” (Sb 2, 24).
No Novo Testamento esta serpente é mencionada com frequência. Jesus declara que o diabo é “assassino desde o começo”; nele “não há verdade”; “quando ele fala mentira, fala do que é dele, porque ele é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44). E Jesus o define como “príncipe deste mundo” (Jo 12, 31; 16, 11).
Paulo afirma que “a serpente, com sua astúcia, seduziu Eva” (2 Cor 11, 3) e menciona a quem se perde “indo atrás de Satanás” (1 Tm 5, 15). O mesmo apóstolo fala do viver mundano com o qual se segue o “príncipe do poder do ar, o Espírito que agora age nos homens desobedientes” (Ef 2, 2); menciona as “manobras do diabo” e nossa batalha “contra os principados e as autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos do mal” (Ef 6, 12).
A primeira carta de Pedro nomeia o “inimigo”, “o diabo” ou o “acusador”, que “ronda como leão que ruge, procurando a quem devorar” (5, 8). E nas cartas de João se recorda o “anticristo” que deve vir (1 Jo 2, 18); o “mentiroso” que nega que Jesus é o Cristo; o “anticristo” que “nega o Pai e o Filho” (2, 22). No Apocalipse está escrito: “Aconteceu então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado, e no céu não houve mais lugar para eles. Esse grande Dragão é a antiga Serpente, é o chamado Diabo ou Satanás. É aquele que seduz todos os habitantes da terra. O Dragão foi expulso para a terra, e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele” (12, 7-9).
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Entre estes textos e a exegese de Jesus sobre o diabo, assassino e mentiroso desde o começo, o acordo é perfeito: trata-se de um ser hostil a Deus, que quer destruir sua Palavra e, ao mesmo tempo, hostil ao homem, ao qual quer seduzir, induzindo-o a rebelar-se contra o projeto divino. É o maligno. Em especial, o acordo exegético refere-se àquele a quem o diabo reserva sua aversão, a saber: Jesus Cristo.
Situam-se assim, em antítese, duas realezas: a de Jesus e a do príncipe deste mundo. O demônio não tolera Jesus Cristo e tenta obstaculizar de todas as maneiras possíveis o eterno plano divino concebido para ele. É isso que acontece no deserto.
Mas Jesus se proclama vencedor deste príncipe: “Já não tenho muito tempo para falar com vocês, pois o príncipe deste mundo está chegando. Ele não tem poder sobre mim” (Jo 14, 30); é precisamente quando chega a hora de Jesus, a da sua elevação na cruz e à direita do Pai, quando esse príncipe é derrotado: “Quem é o condenado? É o príncipe deste mundo, que já foi condenado” (Jo 16, 11). Paulo ressalta, sobretudo, o domínio do Ressuscitado: nele o Pai “nos arrancou do poder das trevas” (Cl 1, 13) e “destituiu os principados e autoridades, oferecendo-os em espetáculo público, após triunfar sobre eles por meio de Cristo” (2, 15).
O cristão passou a ser partícipe do domínio de Jesus sobre o demônio: “deu-nos a vida juntamente com Cristo, quando estávamos mortos por causa de nossas faltas. (...) Na pessoa de Jesus Cristo, Deus nos ressuscitou e nos fez sentar no céu” (Ef 2, 5-6).
Embora tenha sido definitivamente derrotado pelo Senhor, o demônio segue insidiando o homem redimido, para fazê-lo cair. Por este motivo, é preciso estar alerta. Pedro falava de seu rugido e de sua vontade ainda não aplacada de prejudicar; Paulo nos exorta a tomar o escudo da fé com o qual podemos apagar as “flechas inflamadas do Maligno” (Ef 6, 16). E o próprio Jesus havia ensinado a rezar pedindo ao Pai que nos livrasse do maligno (Mt 5, 13).
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As múltiplas exegeses sobre a serpente que aparecem nas origens nos levam a fazer algumas considerações.
A primeira é sobre a “história” consumada e decidida antes da criação do homem, e que consiste no estouro de uma “grande guerra no céu” (Ap 12, 7), ou seja, em uma aceitação ou em uma rebelião no mundo dos anjos: uma aceitação ou uma rebelião não genéricas, mas cujo objetivo é o concreto e eterno projeto divino personificado em Jesus Cristo.
O objeto da orgulhosa intolerância dos anjos rebeldes é Jesus, aquele que “prevalece sobre todas as coisas” e que, portanto, prevalece também sobre eles. Entende-se, então, como a vida de Jesus esteve obstaculizada pela presença e pelas maquinações do diabo; e que, por outro lado, desde o anúncio de seu nascimento até a ascensão, esteve acompanhada, servida e consolada pela presença dos anjos, que se alegram com ele, e com ele são vencedores do grande dragão e de seus satélites, expulsos do céu e precipitados, com afirmava o Apocalipse. O próprio Jesus afirmava ter visto “Satanás cair do céu como um raio” (Lc 10, 8) e falava do “fogo eterno preparado para o Diabo e seus anjos” (Mt 25, 41).
Falamos da história que precede a história visível do homem: o que sabemos é que ela aflora como de um panorama escondido, que nos ultrapassa e nos escapa, e que agora só podemos presumir e intuir.
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A segunda consideração refere-se ao poder impressionante de Satanás: tão forte e tenaz que só a força do Filho de Deus pode dobrá-lo e desbaratá-lo; ou melhor dito, a força do Filho de Deus derrotado na cruz e, portanto, em uma condição de extrema debilidade humana converte-se, paradoxalmente e sem esforço, em potência absoluta. O diabo consegue arrastar tudo e a todos, mas diante de Jesus sucumbe totalmente. O Crucificado ressuscitado recria uma humanidade vencedora, afastada da influência perversa do maligno. A força de atração do domínio é substituída pela força de atração de Cristo, que declara: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32). Só compartilhando a força do Jesus morto e glorioso é que conseguimos nos opor às adulações da serpente das origens.
Contudo, poderia ficar uma pergunta: sem dúvida, a queda do anjo e do homem dependem unicamente da livre vontade da criatura. Não apenas isso: o perdão do homem estava incluído no amor misericordioso do Pai, que predestinou o seu Filho Jesus ao papel de redentor. Então, por que a ordem concreta escolhida por Deus inclui essa queda e, portanto, a realidade do pecado? Não estamos em condições de responder a esta questão: pertence ao “pensamento do Senhor”, aos seus “insondáveis desígnios” e aos seus “inescrutáveis caminhos” (Rm 11, 32-34).
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Uma terceira consideração é para manifestar surpresa diante da ausência na pregação e na catequese da verdade relativa ao demônio. Para não falar destes teólogos que, por um lado, aplaudem o fato de que o Vaticano II tenha declarado que a Escritura é “alma da Sagrada Teologia” (Dei Verbum, 24), mas que, por outro lado, não hesitam tanto em decidir sua inexistência – como fazem com os anjos – como em considerar marginal um dado muito claro e amplamente dado por certo na própria Escritura como é aquele que faz referência ao demônio, considerando-o a personificação de uma obscura e primitiva ideia do mal, agora já desmistificada e inaceitável.
Uma concepção como esta é uma obra-prima de ideologia e equivale, sobretudo, a banalizar a obra mesma de Cristo e seu papel de redentor.
É por isto que as referências ao demônio que observamos nos discursos do Papa Francisco não nos parecem secundárias.
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O Papa Francisco e o diabo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU