Por: André | 23 Abril 2013
Um simples mosquito não poderia com ele. E menos ainda na semana das eleições presidenciais. Embora se trate do mesmíssimo inseto da dengue, que provocou no Paraguai a morte de mais de 45 pessoas nos últimos quatro meses. E embora as pessoas mais expostas sejam os anciãos e ele tenha 84 anos. O Pa’i – padrezinho em guarani – Oliva, o jesuíta sevilhano Francisco de Paula Oliva, tem a pele dura. Sobreviveu cinco anos à ditadura (1954-1989) do general paraguaio Alfredo Stroessner (1912-2006), superou a noite de outubro de 1969 em que o chefe do Departamento de Investigações da polícia ordenou que o jogassem no crio, atravessou seus nove anos de exílio na Argentina, e os dois primeiros anos do regime militar. Dizia que aquela ditadura (1976-1983) era “mais científica, com muitíssimo mais crueldade” que a do Paraguai. Foi vigiado pela polícia e o Exército argentinos, permaneceu escondido durante semanas, mataram dois dos seus colaboradores mais próximos e saiu com vida por milagre. Ali conheceu o atual Papa, o também jesuíta Jorge Mario Bergoglio.
A foto é publicada pelo jornal El País, 21-04-2013.
A reportagem é de Francisco Peregil e publicada no jornal espanhol El País, 21-04-2013. A tradução é do Cepat.
— Deve ter avançado muito – disse. O que não sabemos é se o Vaticano o deixará avançar agora.
— A que se refere quando diz que deve ter avançado?
— Que quando o conheci era um bom sacerdote à moda antiga, não entendia muito de política.
O Pa’i Oliva andou muito pela América. Chegou ao Paraguai em 1964 com batina e voltou a Huelva dos anos 1980 com guayabera, depois de trabalhar na Argentina, Equador e na Nicarágua dos primeiros anos da revolução sandinista. “O Paraguai me abriu os olhos”, recorda. Ao cabo de vários anos em Huelva, onde todos o conhecem como Paco, voltou a Assunção em 1996. Naquela época era uma lenda no país. Todo o mundo sabia como lutou contra a ditadura. Mas, ao voltar, deixou claro que não queria converter-se em uma peça de museu. Investiu toda a sua energia no bairro El Bañado, nos arredores de Assunção, rodeado de esgoto, limitado pelas inundações do rio Paraguai, onde os taxistas se negam a entrar à noite.
E continuou organizando concentrações, oficinas e protestos contra os dois partidos dominantes, o Liberal e o Colorado. Fala com marcado sotaque sevilhano, mas se sente paraguaio. Publica suas colunas no jornal Última Hora e depois as posta no seu blog. Aí estão parágrafos como este sobre o Partido Liberal: “Não podemos votar na cúpula de um partido golpista que, agora, tem fraudulentamente o poder nas mãos por um golpe parlamentar”. E sobre o Partido Colorado: “Não podemos votar na cúpula do outro partido golpista que apoiou o ditador durante 35 anos. Partido que ainda o tem como seu Presidente honorário. Que nunca pediu perdão à população pelos milhares e milhares de assassinados, desaparecidos, torturados ou exilados. Que personificou e nos fez perder uma transição mentirosa e corrompida. Que durante quatro anos impediu o governo de Fernando Lugo, do parlamento. Que foi o inspirador do golpe de 22 de junho. Que foi o maior comprador de votos de todas as eleições”.
O mosquito o surpreendeu em pleno turbilhão eleitoral, montando uma concentração para depois das eleições, com o objetivo de que as organizações progressistas do país se unam. Não queria se internar, mas seus colaboradores tiveram que levá-lo em meio de uma febre que o deixou quase inconsciente.
Na quinta-feira pela manhã recebeu o jornalista no hospital. Estava com os tubos de oxigênio. Tinha que se sentar à sua esquerda, ouvido com o qual escuta melhor. “Os países da América se caracterizam porque há um pequeno grupo de famílias, 10, 15 ou 500, mas não mais... E o resto é formado por seus servidores diretos e o povo. No Paraguai, deve haver cerca de 100 famílias dessas, mas têm dinheiro de sobra escandalosamente. Aqui não há classe média. A Argentina, por exemplo, tem um povo forte, organizado, com muita trajetória de luta, mas aqui não”.
Não se mostra muito confiante no presente das eleições: “Aqui se compra tudo: as mesas eleitorais, a assistência às urnas, a não assistência, os “olheiros”... Menos a cédula da cabine de votação. O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral também está vendido. As pessoas não apenas cobram para votar, mas alguns exigem que sejam levados de carro, embora o lugar onde votam está a apenas quatro quadras”.
Nem tampouco confia no futuro: “Vamos retroceder 20 anos. Não porque não avançaremos, mas porque vamos avançar muito pouco. Haverá melhorias parciais, porque sempre há algumas, mas ao cabo de vários anos chegaremos onde estamos agora: um país sem plano de país, posto ao arbítrio de um caudilho qualquer”.
E, evidentemente, renega o favoritismo nas pesquisas, o candidato Colorado, Horacio Cartes. “Ele comprou o Partido Colorado, comprou sua candidatura, os seus adversários internos... E comprou estas eleições e, seguramente, a presidência. Para tirar Lugo da presidência, com certeza contou com o dinheiro de outros produtores de soja. Isso deve ter custado muito dinheiro, não creio que ele tenha pagado tudo. Mas, o que fará quando não puder comprar alguém? Então começará a repressão. A parte jurídica já está preparada”.
O Pa’i Oliva dorme em uma das sedes do centro da ONG que fundou, Mil Solidários. Pela manhã, a casa está cheia de jovens e educadores. À noite e nos finais de semana, o Pa’i fica sozinho.
O Pa’i Oliva acredita que muitos dos males que o país sofre provêm de Stroessner. “A desigualdade sempre existiu, mas Stroessner a intensificou. E sua arma foi a corrupção. Distribuiu oito milhões de hectares de terras entre seus seguidores para que o deixassem governar. Essas terras foram chamadas de Tierra Mala Vida. Todos estavam conscientes de que compravam Tierra Mala Vida, que a ditadura não tinha por que presenteá-la, mas se fizeram de loucos, compraram e revenderam. E hoje é impossível recuperá-las para fazer a reforma agrária.
— O que pensa que você deixará como herança no Paraguai?
— Deixarei o exemplo de uma pessoa que lutou contra as injustiças e a desigualdade. Isso é muito no Paraguai. Aqui, durante mais de 35 anos não era possível que mais de três pessoas não se reunissem em qualquer das principais cidades. Para celebrar um aniversário em casa tinha que pedir permissão à polícia. Eu cumpri com meu papel. Agora terão que vir os outros para adaptar essa luta aos tempos vindouros.
— E em que consistirá essa adaptação aos novos tempos?
— Enquanto se vota em famílias e cores, tudo continuará do mesmo jeito. Aqui a tradição está muito presente. Dou um exemplo: na localidade de Boquerón comemora-se todos os anos uma guerra que travamos com a Bolívia (1932-1935). Convidam-se os antigos soldados, os heróis. E as cadeiras onde se sentam são vermelhas, azuis para os liberais e brancas para quem não pertence a nenhum dos dois partidos. Um ano houve uma briga porque não havia cadeiras azuis suficientes e as brancas foram todas ocupadas e ninguém queria sentar nas cadeiras vermelhas que estavam sobrando.
Durante a convalescença no hospital o Pa’i Oliva continuou escrevendo sua coluna. Ao se despedir, o jornalista lhe recorda o dia da próxima concentração que convocou. Ultimamente, seus colaboradores vêm lhe dizendo que precisa descansar. Mas ele responde que um jesuíta nunca descansa.
Mas, no domingo, o Pa’i Oliva conseguiu levantar-se para votar. E depois voltou para a cama do Hospital Samaritano.
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O jesuíta que pretende mudar o Paraguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU