28 Junho 2012
No passado 22 de junho, em apenas 24 horas, Fernando Lugo, bispo católico e presidente do Paraguai, foi objeto de um supersônico julgamento político por parte do Parlamento e destituído de seu posto. O pretexto para processá-lo foi o conflito camponês que, uma semana antes, havia causado 17 mortes e inúmeros feridos em Curuguaty, uma comunidade a 200 quilômetros da capital, Assunção. "Trata-se de um golpe parlamentar”, sublinha o sacerdote paraguaio Francisco ‘Paco’ Oliva, 1928, uma das principais referências sociais do país.
O "Pai” Oliva (sacerdote, em guarani) (foto) jogou um papel decisivo na mobilização cidadã que culminou, em 1999, com a renúncia do antipopular presidente Raúl Cubas. Identificado com a Teologia da Libertação, o Pai Oliva, que reside em um bairro popular e marginal da capital, dirige inúmeros projetos sociais e impulsiona importantes iniciativas participativas, como Parlamento Jovem e o Fórum Solidário.
A entrevista é de Sergio Ferrari e publicada por Adital, 27-06-2012.
Eis a entrevista.
Como interpreta o marco institucional em que se dá a destituição do presidente Fernando Lugo no passado 22 de junho?
Somos uma democracia parlamentarista. E praticamente desde a eleição de Lugo, em abril de 2008, os partidos tradicionais, o Liberal e o Colorado, estão freando o presidente, ameaçando-o de julgamento político. Na semana passada, acreditávamos que era mais uma ameaça. Porém, a realidade indicou que não era assim.
O movimento popular, a sociedade civil paraguaia esperavam um desenlace político dessa natureza?
Não. Fomos pegos de surpresa. Em 24 horas tudo aconteceu e procederam á sua destituição e à nomeação do então vice-presidente Federico Franco à frente do Executivo, que, desde sempre, manifestou intenções pessoais de poder.
Os meios agora oficialistas falam de processo constitucional legítimo. Setores populares e cada vez mais amplos atores da comunidade internacional consideram que no Paraguai se deu uma ruptura da constitucionalidade. Qual é sua opinião?
É um golpe de Estado parlamentar. Os partidos tradicionais encontraram os 30 votos que necessitavam e deram a sentença. Em seguida, o que aconteceu, foi puro circo. O veredito teria sido o mesmo com defesa ou não de Lugo. As acusações não foram apresentadas por escrito. E as provas eram simples fotocópias de recortes dos jornais. A sanção contra Lugo havia sido decretada antes do julgamento começar.
A demissão de Lugo é um fato irreversível?
Os setores populares e camponeses não a aceitaram, Porém, a força está nos partidos que executaram o pseudojulgamento express. Institucionalmente, é um fato consumado.
É paradoxal que o pretexto da destituição seja um conflito camponês, se se considera que Fernando Lugo, denominado "o Bispo dos Pobres”, sempre se pronunciou a favor do campesinato e da reforma agrária e chegou ao governo com o apoio decidido de forças populares. Os fatos que motivaram a destituição se tratam de uma armadilha da extrema direita contra Lugo ou de uma certa ingenuidade política do ex-presidente?
As duas coisas. Foi uma armadilha bem preparada ante a reação-mobilização que começava a ser protagonizada pelo povo, participando e enviando claros sinais à classe política, especialmente aos partidos tradicionais de oposição. Tiveram medo dessa participação crescente e resolveram pará-la. A melhor maneira foi decapitar ao presidente através do julgamento político. Por outro lado, temos que reconhecer que Lugo foi vacilante na promoção da reforma agrária. O povo, o campesinato, a pediam cada vez com mais força; porém, Lugo não se atreveu a materializá-la.
Várias nações latino-americanas, entre elas o Brasil e a Argentina, não aceitam como válida a demissão de Lugo e a nomeação de Franco. Pensa que os partidos Colorado e Liberal, que apoiaram a destituição, estariam dispostos a reconsiderar essa nova situação institucional frente à pressão da comunidade internacional?
De nenhuma maneira. Estamos no campo da politicagem. Franco foi um vice-presidente da oposição. Nunca reconsiderará nada e menos ainda o Partido Liberal que, depois de muitos anos, concretiza sua aspiração de ter um presidente no poder. Apesar de que, no fundo, quem sairá ganhando será o Partido Colorado que, provavelmente, subirá ao poder nas próximas eleições, em abril de 2013. O que passou é somente um adiantamento do que temíamos que acontecesse: o Partido Colorado esteve por 60 anos sem interrupção no poder. Lugo corou essa trajetória. Em 2013, o Partido Colorado, quase seguramente, voltará. Entre seus seguidores naturais e os votos que consiga comprar, fará tudo para recuperar o poder perdido há quatro anos. A não ser que a juventude se organize, se mobilize e se imponha. É a maioria absoluta e depois desse trágico episódio que acabamos de viver institucionalmente no Paraguai, os jovens vão abrindo os olhos.
Qual é a melhor maneira de expressar hoje a solidariedade internacional com os setores populares paraguaios? O que esperam da sociedade civil do mundo inteiro?
Que informem! Que expliquem o que aconteceu em meu país! Que contem com detalhes como a sentença da destituição do Presidente Lugo já estava elaborada antes do julgamento. Que tudo foi um circo, um teatro. Também que sejam conscientes –e, nesse sentido, se posicionem- que todos os perdedores são aqueles que se beneficiaram com as conquista sociais resultantes da gestão de governo de Lugo.
Além dos fatos pontuais, corre-se o risco de uma certa ingovernabilidade estratégica no Paraguai?
No fundo, é necessário fazer uma constatação chave: os Estados Unidos se incomodam com Hugo Chávez (Venezuela) e com os outros dirigentes políticos que, hoje, no continente, têm uma posição progressista. E, pouco a pouco, promoverão sua partida, seja como for.
O Brasil, se se conserva como agora, pode ser um freio. Porém, não esqueçamos que o Brasil foi e é um império com interesses próprios. Não me refiro ao povo brasileiro, aos camponeses, aos Sem terra, mas à política exterior desse país, que funciona à perfeição e que tem aspirações de expansão...
Com a destituição de Lugo, o que o Paraguai perde de mais importante?
É um golpe muito forte ao processo que estava nascendo no povo para melhorar suas condições de vida, sua cotidianidade. Sem esquecer que uma ampla fatia desses setores populares vive hoje na mais total extrema pobreza.
Para concluir, como avalia a gestão de Fernando Lugo durante sua presidência de quase quatro anos?
Com muito boas intenções, apesar de que bastante ineficiente e com muita ingenuidade em sua gestão.
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"Nos confrontamos com um golpe parlamentar”. Entrevista com 'Pai Oliva', padre jesuíta paraguaio e dirigente social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU