20 Março 2013
Começa com um abraço o pontificado do Papa Bergoglio. O abraço em um homem paralisado, que o papa viu de cima do jipe enquanto atravessava a Praça de São Pedro antes da missa inaugural. Francisco ordena que o carro pare, desce rapidamente e se aproxima do homem – deitado em uma maca – que vira a cabeça com muita dificuldade e olha para ele com esperança e confiança. Poucas palavras, enquanto a multidão ao redor grita de alegria. O papa acaricia a cabeça e bate nas costas para lhe encorajar.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 20-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A "Igreja da ternura", a Igreja curvada sobre os mais indefesos – como prega Francisco desde quando foi eleito –, antes ainda que de palavras e programas, é feita de sentimentos humanos. Francisco os encarna e responde às expectativas de milhões de crentes (e muitas vezes de não crentes) sedentos de humanidade.
A Praça de São Pedro está cheia, mas não lotada, para assistir ao início do seu mandato papal. O total de um milhão de presenças, hipotetizado por alguns, se reduz a um pouco mais de 150 mil fiéis. Um aviso a não confundir o favor midiático com a dura realidade cotidiana que espera pelo pontífice.
Francisco chega ao altar com uma simples mitra branca, igual a dos outros bispos e cardeais, que concelebraram com ele. Participam do rito, simbolicamente, os superiores gerais dos jesuítas e dos franciscanos. O novo anel pontifício havia sido preparado em 1978 para Paulo VI, de prata banhada a ouro. Traz em relevo um forte apóstolo Pedro, que segura as chaves da Igreja. Um bonito vínculo com o papa do Concílio.
Francisco está emocionado, tomando a palavra para a homilia. Começa em volume baixo. Não arrasta como João Paulo II, não tem o impulso intelectual de Bento XVI. Sua voz é a da mansidão, a entonação é a de um pároco que reflete junto com os fiéis. Francisco fala de pé, como o sacerdote do ambão, nunca se dirige ao povo sentado como um soberano.
Projeta a sua Igreja da pobreza e da ternura. Voltam à memória as palavras de tantos cardeais às vésperas do conclave: "É preciso levar à humanidade contemporânea uma mensagem positiva, de amor e de misericórdia".
Francisco o faz. Corresponde exatamente à visão dos seus eleitores. "Não devemos ter medo – diz ele – da bondade, nem mesmo da ternura". A ternura, insiste ele usando novamente a palavra, "não é a virtude dos fracos, ao contrário, denota fortaleza de ânimo e capacidade de atenção". Cada palavra marca a imagem da Igreja que o novo papa tem em mente: compaixão, verdadeira abertura ao outro, amor.
Criação e humanidade não são separáveis. Francisco vê a sua missão no "cuidar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e de amor", levando o "calor da esperança".
Cuidar é o tema, que serve de fio condutor da homilia. Cuidado de todos com amor, de toda pessoa, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis. E aqui o 265º sucessor de Pedro explica à multidão a sua concepção do poder papal. "Poder é servir", diria ele mais tarde também no Twitter. Um serviço no sinal da cruz, um "abrir os braços a todo o povo de Deus e acolher com afeto e ternura toda a humanidade". Cuidando, no sinal da concretude evangélica de Mateus, de "quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão".
Com um discreto "por favor", o Papa Bergoglio também se dirige aos líderes políticos e econômicos para que sejam guardiões da criação, do outro, do ambiente: "Não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo". A multidão aplaude encantada. A partir de hoje, porém, o encantamento do "nascimento" de um novo pontífice termina. Começa o trabalho de governo. A restauração da Igreja, para se reconectar à história do santo de Assis. De acordo com o célebre sonho ilustrado por Giotto: "Francisco, restaura a minha casa".
O cardeal Peter Turkson, de Gana, presidente do Conselho Justiça e Paz, contou o seguinte: "Todos nós, antes do conclave, estávamos de acordo sobre duas coisas essenciais: deviam ser restabelecidas a credibilidade da Igreja e a relevância da Igreja no mundo". É a primeira admissão oficial da estagnação do pontificado ratzingeriano. Agora, explica Turkson, "temos uma grande tarefa: reconstruir a credibilidade da Igreja e, talvez, uma Igreja pobre é capaz de fazer isso".
O Papa Bergoglio deve pôr mãos à obra. Trabalhar por uma Igreja terna e "pobre para os pobres", caracterizada por aquela "irrepreensibilidade que Deus pede" (como ele disse durante a primeira missa na Capela Sistina), significará se desfazer de muitas coisas no Vaticano e na prática de tantos bispos e padres espalhados pelo mundo. As revoluções morais, que incidem sobre comportamentos sedimentados, são terrivelmente difíceis e de resultado incerto. "Talvez farão com que ele as faça...", é o refrão que há alguns dias aflora na população romana, instintiva e intuitiva.
No dia 18, o papa recebeu o ex-secretário de Estado (agora em prorrogação), o cardeal Bertone. Todos esperam que o purpurado tenha a sensibilidade de renunciar logo, deixando Francisco livre para escolher o seu sucessor.
Há muita coisa para fazer. O dossiê Vatileaks, a Cúria a reformar, corrupções e carreirismos a erradicar. Uma retomada da luta contra a pedofilia. De Buenos Aires, chegam acusações de que ele não laicizou um sacerdote pedófilo, condenado a 15 anos, nem quis se encontrar com algumas vítimas de abuso. Isso segundo o Washington Post.
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O papa se apresenta ao mundo: ''O verdadeiro poder é serviço'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU