27 Fevereiro 2013
Embora a eleição de um papa seja, em muitos aspectos, um processo cuidadosamente roteirizado, a coisa mais próxima de uma carta curinga desta vez pode muito bem ser o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, de 68 anos. Dependendo de quem estiver fazendo as apostas, o dominicano erudito ou é um candidato óbvio e evidente, ou alguém que, basicamente, já caiu fora do jogo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 25-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Schönborn certamente tem o pedigree certo para o ofício. Membro da antiga família austríaca nobre dos Schönborn-Buchheim-Wolfstahl, ele é um dos dois cardeais e 19 arcebispos, bispos, padres e religiosas que a sua família produziu.
Ele não é nem mesmo o primeiro Schönborn a ser o primaz da Igreja austríaca. Essa honra coube também ao seu tataratio-avô, o cardeal Franz Graf Schönborn, que liderou o episcopado austríaco sob o império austro-húngaro a partir da sua posição de arcebispo de Praga. (Ele já havia sido o bispo de Budweis – portanto, ele foi, acredite ou não, um "Budweiser".)
Schönborn estudou teologia com o então padre Joseph Ratzinger em Regensburg, Alemanha, nos anos 1970, e mais tarde lecionou na prestigiosa universidade suíça de Friburgo. Ele atuou como editor-geral do Catecismo da Igreja Católica.
Em Viena, ele recebeu notas altas logo no início por estabilizar uma Igreja que havia sido abalada por um escândalo de abusos sexuais envolvendo o seu antecessor. Com o passar do tempo, no entanto, a imagem de Schönborn se tornou mais mista. Ele se envolveu em um confronto feio com o demagógico bispo Kurt Krenn, de Sankt Pölten, e muitas pessoas preferiram a falação sem rodeios de Krenn aos comentários instáveis e evasivos de Schönborn. Schönborn, então, realizou uma limpeza da sua equipe, em um caso informando ao seu popular vigário-geral que ele havia sido demitido deixando uma nota em sua porta.
Mais recentemente, Schönborn assistiu centenas de seus próprios padres entrarem em rebelião aberta, emitindo um Apelo à desobediência sobre questões como o celibato e o papel das mulheres na Igreja. (O movimento, na realidade, é liderado pelo ex-vigário.) Embora Schönborn não tenha exatamente saudado a revolta, ele também não fechou as linhas de conversa, que alguns veem como uma admirável sensibilidade pastoral, e outros como covardia.
Há dois anos, muitas pessoas estavam prontas para escrever um obituário das perspectivas papais de Schönborn, depois de uma briga altamente pública com o cardeal italiano Angelo Sodano, ex-secretário de Estado e também decano do Colégio dos Cardeais.
Enquanto uma série de escândalos de abusos clericais explodia em toda a Europa, que, dentre outras coisas, jogava uma luz crítica sobre o histórico pessoal de Bento XVI, Sodano criou frisson chamando essa crítica de "fofocas mesquinhas" durante a Missa Pascal do Vaticano.
Em um encontro com os jornalistas austríacos não muito tempo depois, Schönborn não só disse que Sodano havia "injustiçado profundamente" as vítimas de abuso, mas também acusou que Sodano havia impedido uma investigação do antecessor de Schönborn, o cardeal Hans Hermann Groër, que havia sido acusado de molestar seminaristas e monges, e que renunciara em 1995. Schönborn teria dito que o então cardeal Joseph Ratzinger quis agir, mas perdeu uma discussão interna para Sodano.
Schönborn aparentemente pensou que aquele encontro era informal, mas o seu conteúdo vazou, de todos os modos.
Schönborn rapidamente foi convocado para um face a face com Bento XVI, e depois, tanto Sodano quanto o cardeal Tarcisio Bertone, atual secretário de Estado, entraram na conversa. Quando ela acabou, o Vaticano emitiu uma declaração amplamente vista como uma repreensão contra Schönborn – dentre outras coisas, ela o lembrava incisivamente que não cabe a ele julgar um colega cardeal.
Agora, no entanto, a vontade de Schönborn de romper fileiras e se pronunciar em favor da reforma a partir da crise dos abusos pode realmente torná-lo mais, e não menos, atraente.
Schönborn também ajudou a si mesmo durante o último Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, quando a maioria dos participantes o classificou como uma das duas ou três figuras mais impressionantes. As pessoas gostaram especialmente da sua sugestão de que Sínodo deveria ser menos um espaço para fazer discursos grandiosos, e mais para que os bispos compartilhem os seus problemas práticos.
Os prós de Schönborn são fáceis de dizer.
Em primeiro lugar, puro domínio intelectual. Schönborn é poliglota, se sente à vontade discutindo pontos complexos em múltiplas línguas e é um genuíno estudioso. Durante o Sínodo do ano passado, eu perguntei a outro cardeal por que as pessoas pareciam atraídas por Schönborn, e a sua resposta foi simples: "A inteligência atrai".
Segundo, Schönborn é um protegido intelectual de Bento XVI, tanto que, ao longo dos anos, ele quase foi visto como o "filho amado" do papa, mas também tem um lado profundamente pastoral e uma capacidade de nuançar as coisas.
Por exemplo, Schönborn deu indícios de que estaria aberto a considerar o caso do clero casado, e, dada a sua reação paciente à revolta dos padres na Áustria, seria pouco provável que a sua primeira resposta como papa a qualquer forma de desacordo fosse cortar cabeças.
Terceiro, tendo enfrentado o tumulto na Áustria, pode-se bem argumentar que nenhuma autoridade sênior do catolicismo tem um tato melhor para as demandas de gestão de crises do que Schönborn. Especialmente em um momento em que o Vaticano está mais uma vez envolvido em crise, essa pode ser uma característica do seu currículo muito atraente para outros cardeais.
Quarto, Schönborn foi um apóstolo daquela que hoje é conhecida como a nova evangelização – ou seja, o esforço para reacender o fogo missionário da fé no coração do Ocidente secularizado – bem antes que houvesse até uma palavra para definir isso. Ele escreveu extensamente sobre o assunto e, nas bases pastorais, ele tem encorajado o crescimento de uma grande variedade de movimentos espirituais e missionários na Áustria, muitos deles apelativos de modo especial junto à juventude.
Quinto, Schönborn se sente altamente confortável com a mídia e está acostumado a se aparecer nos grandes palcos, certamente um "plus" para quem quer que possa ocupar o posto de liderança religiosa mais visível e exigente do mundo.
Os contras de Schönborn, no entanto, também têm alguns elementos bastante convincentes.
De um lado, alguns cardeais podem olhar para a situação turbulenta no catolicismo austríaco e dizer: "Esse homem teve 18 anos para controlar a situação e isso não aconteceu. Que razão temos para acreditar que ele teria mais sorte como papa?".
Quer essa seja uma avaliação justa ou não, ela provavelmente terá seu peso na mente de algumas cardeais.
Segundo, a rixa de Schönborn com Sodano pode ajudá-lo em termos de opinião pública, mas mesmo assim poderia ser uma desvantagem no Colégio dos Cardeais. Não só Sodano ainda é o deão do Colégio e uma figura influente, mas outros cardeais também podem se perguntar se Schönborn pode estar inclinado a jogá-los para debaixo do ônibus se os astros se alinharem dessa maneira.
Terceiro, Schönborn certamente é uma figura bem conhecida nos círculos vaticanos, mas ele realmente nunca trabalhou dentro do sistema em Roma. Para os cardeais que buscam alguém que possa pressionar por uma reforma séria da burocracia, esse pode ser um ponto de interrogação.
Quarto, apesar da considerável inteligência de Schönborn, ele ocasionalmente tem uma propensão a dizer ou fazer coisas que surpreendem algumas pessoas como sendo imprudentes.
Em 2001, por exemplo, Schönborn interveio em prol do padre norte-americano Joseph Fessio, em um esforço para que o Ignatius Institute, de Fessio, da Universidade de San Francisco, recebesse um pouco autonomia por parte do Vaticano, tornando-o imune à autoridade normal do reitor da universidade.
Esse esforço não apenas irritou a administração jesuíta da universidade, mas também o então arcebispo William Levada, de San Francisco, que estava envolvido em negociações para resolver a disputa. Isso também irritou a principal autoridade de educação do Vaticano, que viu isso como uma ingerência sobre a sua própria autoridade.
Mais recentemente, Schönborn fez declarações públicas críticas sobre a teoria da evolução e pareceu endossar a escola do "design inteligente", que os críticos veem como o criacionismo chamado por outro nome. Depois de um artigo explosivo no jornal New York Times sobre o assunto em 2005, Schönborn foi forçado várias vezes a esclarecer os seus pontos de vista. (A ideia central é que ele não se opõe à evolução como uma teoria científica, mas toma distância quando ela é elevada a uma posição filosófica que exclui Deus.)
Alguns cardeais podem se perguntar se um prelado com esse histórico de agitação de águas e que depois tenta remar contra a corrente é de que o Vaticano precisa agora.
Quinto, Schönborn seria o segundo papa de língua alemã seguido, e alguns cardeais podem pensar que seria melhor encontrar alguém de uma parte diferente do mundo.
Dada as reações muito díspares que Schönborn tende a provocar, é especialmente difícil avaliar as suas chances ao papado. No mundo pós-11 de fevereiro, no entanto, em que Bento XVI já fez o anteriormente impensável ao renunciar, não vale a pena ser excessivamente dogmático com relação a nada – incluindo as possibilidades de Schönborn no conclave que se aproxima.
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Christoph Schönborn, a carta curinga deste conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU