16 Dezembro 2014
A indagação por peculato, aberta pela justiça vaticana contra o ex-presidente do Ior, Angelo Caloia, e o ex-diretor geral, Lelio Scaletti, é destinada a fazer reescrever – desta vez sem ilações, mas com dados de fato – a lenda negra do instituto financeiro vaticano. A investigação conduzida pela magistratura vaticana é, a seu modo, um fato histórico enquanto fez emergir provas diretas – coletadas pelo próprio Ior – do envolvimento das máximas cúpulas do instituto em atividades financeiras ilícitas e fraudulentas, através de movimentações de dinheiro em paraísos fiscais e com subtração de recursos.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada pelo Linkiesta, 11-12-2014. Tradução de Benno Dischinger.
Caloia permaneceu, de fato, na cúpula do assim chamado banco vaticano por vinte anos – de 1989 a 2009 – enquanto Scaletti esteve por décadas no interior dos setores administrativos do Instituto. Trata-se, em suma, de uma peça fundamental de história do Vaticano e da Igreja universal que acaba hoje no índice com acusações pesadas de malversações com prejuízo das caixas vaticanas, ou seja, do próprio Papa. Com eles acabou entrando sob investigação também o advogado Gabriele Liuzzo que os teria ajudado na operação. Além do Tibre a ocorrência em curso é comparada com aquela do ex-núncio Jozef Wesolowski, o diplomata vaticano de nacionalidade polaca que acabou no olho do ciclone com acusações gravíssimas de abusos com menores realizados na República dominicana. A justiça do Papa abriu um procedimento contra Wesolowski, o ex-núncio já foi reduzido ao estado laical, mas contra ele já foram colhidas provas pesadíssimas e agora corre o risco de uma condenação penal de 6 a 8 anos.
No Vaticano ainda não o podem dizer abertamente, porque o processo está apenas na fase inicial, mas contra os ex-chefes do Ior haveria provas não discutíveis de culpabilidade. Quando se chegar à sentença em caso de condenação, o Tribunal vaticano poderá solicitar às autoridades italianas torná-la operativa, já que os personagens envolvidos são cidadãos do nosso País. Além disso, é possível que, no decurso das indagações, o promotor de justiça, o advogado Gian Pietro Milano (o ministério público que conduz as indagações) possa solicitar, através de rogatórias internacionais, que alguma testemunha evolvida na ocorrência vá testemunhar Além-Tibre para corroborar ulteriormente as provas.
A história é simples e clamorosa ao mesmo tempo: segundo a acusação, nos anos que vão de 2001 a 2009, Caloia, Scaletti e o advogado Liuzzi realizaram uma espécie de liquidação do patrimônio imobiliário do IOR por um montante de aproximadamente 160 milhões de euros. Os imóveis em questão foram depois em boa parte adquiridos pela sociedade – com clássicas sedes caraíbicas – que seriam reconduzidas ao ex-presidente do IOR e ao ex-diretor do instituto, além de também a Liuzzi. A história veio à luz dado que os dois protagonistas principais do negócio teriam mantido 17 milhões de euros ao IOR; nos últimos meses tentaram depois transferi-los por via das indagações em curso e das novas normas sobre a transparência financeira introduzidas com o Papa Francisco, e naquela altura o dinheiro foi bloqueado e se desencadeou a denúncia. Ademais, no Vaticano não querem subvalorar a existência do dano que, também do ponto de vista financeiro, julgam extremamente grave.
O golpe inferido às finanças brancas lombardas é duríssimo, talvez sem apelação, e não só: o inteiro pontificado de Wojtyla, sob o perfil financeiro, acaba sob acusação: antes o escândalo do Banco Ambrosiano, Michele Sindona, a morte do banqueiro Roberto Calvi, os tráficos do ex-presidente Paul Marcinkus; agora também Caloia, considerado o ‘re-sanador’... O dano por peculato é depois particularmente grave, ou seja, aproveitar-se da própria posição de poder para apossar-se de bens sobre os quais deveria vigiar; Além-Tibre usam palavras pesadíssimas por tudo o que veio à luz. Caloia, entrementes, se declarou estranho aos fatos, certo da própria inocência.
E, com efeito, quando se dá um salto para trás e se folheia o anuário pontifício do ano da graça de 2009, é de se ficar perplexo: na página concisa dedicada ao Ior, o ‘Banco do Vaticano’, encontra-se um elenco de indagados na cúpula do instituto. O presidente Angelo Caloia, in primis, denunciado agora pela própria diligência do Ior e indagado pelos órgãos judiciários vaticanos.
Depois o diretor geral Paolo Cipriani (que em 2007 havia substituído Scaletti com o aval de Cesare Geronzi, segundo quanto escreveu Famiglia cristiana) e o seu vice, Massimo Tulli, que permaneceram no cargo até o verão de 2013, quando se demitiram; eram depois indagados desde 2010 pela magistratura italiana por violação da normativa anti-reciclagem em relação ao deslocamento de 23 milhões do IOR sobre crédito artesão, operação não suprida pelas necessárias informações sobre a proveniência da soma (a magistratura ordenou depois o des-sequestro da soma em 2011).
Seja, no entanto, sublinhado que os dois deixaram as suas funções em concomitância com a explosão de outro caso clamoroso: aquela da prisão, ainda da parte das autoridades italianas, do monsenhor Núncio Scarano, o contábil da Apsa, (dicastério vaticano que se ocupa do patrimônio da sé apostólica) acusado de fraude, reciclagem e outros delitos. Scarano havia realizado uma série de operações ilícitas através das próprias contas no Ior e figurava também ele no famoso anuário de 2009, somente nas páginas dedicadas à Apsa. A estes personagens se deve depois adicionar outro: trata-se de um segundo diretor geral, Luigi Scaletti, no cargo com Caloia até 2007 (após 40 anos de carreira no interior do Ior) e com este último indagado por peculato no interior dos muros leoninos.
Mas, por que 2009? Porque naquele ano o Secretário de Estado Tarcisio Bertone chamou à condução do instituto outro banqueiro, Ettore Gotti Tedeschi, Opus Dei, proveniente do Santander, o grupo espanhol conduzido naquela época por Emilio Botìn e próximo à ‘Obra’ fundada por Escrivà de Balaguer. Gotti Tedeschi resistirá somente por três anos, pois em 2012, por dissidências internas com os conselheiros laicos do Ior, banqueiros e financistas europeus e americanos, e com o próprio cardeal Bertone, se demitirá. Segundo os dirigentes do instituto, por incapacidade, segundo ele porque queria levar em frente uma obra de transparência financeira, coisa não grata a muitos também Além-Tibre. Resta o fato que as modificações requeridas pelo Vaticano aos organismos internacionais não se realizaram sob a sua gestão, se não em mínima parte, restando um objetivo de lá a vir. E, no entanto, desde 2010, após a intervenção do Bankitalia que impôs a todos os bancos italianos tratar o Vaticano, e, portanto o Ior, mais ou menos no molde das ilhas Cayman (isto é, como País em risco de reciclagem), algo nos mecanismos de circulação irregular do dinheiro se embaraçou.
A denúncia interna contra Caloia, grande príncipe das finanças brancas lombardas, é também um forte sinal para as autoridades italianas que agora poderão decidir se o Vaticano ainda é considerado um Estado com regime anti-reciclagem “não equivalente”; este escolho impede, de fato, aos bancos italianos ter relações diretas com o Ior, relações que, ao invés, são vitais para o instituto financeiro do Papa (sobre a investigação recordamos que bem 130 milhões de euros do Ior, por causa deste nó não resolvido, estejam bloqueados nos bancos italianos). Caloia entrementes se demitiu da Veneranda Fábrica do Domo, a antiquíssima instituição milanesa que preserva e gere o Domo de Milão sob o perfil da conservação e também da gestão econômica. No site da ‘Fabbrica’, se lê que “aos 12 de maio de 2014 o cardeal Angelo Scola e o Ministro do Interior no cargo, Angelino Alfano, renovaram para o triênio as nominas do Conselho de Administração da Veneranda”, pouco depois que por unanimidade o Cda havia confirmado Caloia na condução da prestigiosa instituição.
Agora chegam as demissões, os escândalos, as acusações candentes e a defesa de Caloia e Scaletti; mas, certamente, além do dado judiciário do qual observaremos os desenvolvimentos, é toda a história do Ior, e, pelo menos em parte, do Vaticano e de suas estruturas de poder, que entram em discussão nesta ocorrência.
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Ior, sob investigação toda a gestão da era Wojtyla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU