26 Novembro 2014
Michael Brown é um ícone em Ferguson, no Missouri. É onipresente nos arredores do lugar em que esse afro-americano de 18 anos morreu em agosto, sob os tiros de um policial branco. Nos locais dos protestos neste subúrbio de St. Louis, no centro-oeste dos EUA, as pessoas usam camisetas e broches com o rosto de Brown.
A reportagem é de Joan Faus, publicada pelo jornal El País, 25-11-2014.
Muitas incluem um dos principais lemas dos manifestantes: "Levante as mãos, não dispare". Esse é, supostamente, o gesto feito pelo jovem, que estava desarmado, antes de ser morto pelo agente Darren Wilson, 28, ao meio-dia de um sábado em uma rua residencial.
Em agosto, durante as duas semanas de intensos protestos após a morte de Brown, já se viam algumas camisetas e cartazes com seu nome. Mas agora não só há muitas mais e de todo tipo, como a iconografia se multiplicou. Como a imagem de Barack Obama durante a campanha presidencial de 2008, acompanhada dos slogans Esperança e Mudança, ou como a imagem icônica de Che Guevara, a de Brown se transformou em um símbolo político e comercial.
No trecho de cerca de um quilômetro da avenida que concentra as manifestações há três meses, quase todos os estabelecimentos têm colados em suas fachadas cartazes brancos com fotografias de duas mãos levantadas. Em alguns as mãos são da mesma cor, em outros, de cores diferentes.
Muitos desses comércios colocaram tábuas em seu exterior com medo de que se a justiça não condenar Wilson, em uma decisão que deve estar próxima, a indignação volte a explodir. Temem que os ataquem e saqueiem, como ocorreu nos distúrbios após a morte de Brown.
As tábuas estão cobertas pelos cartazes com mãos e grandes avisos pintados que indicam que o estabelecimento está aberto. Os cartazes e as letras coloridas minimizam levemente o impacto assustador de se ver uma fileira de humildes lojas completamente cobertas por tábuas. A paisagem em West Florissant, avenida que liga vários subúrbios, é ainda mais desolada que de hábito.
Brown também é um ícone retórico em Ferguson. Os ativistas que vêm se manifestando regularmente desde sua morte invocam seu nome e pedem justiça, embora muitos não o conhecessem e tenham sabido de seu falecimento por meio das redes sociais. "Mike Brown significa que temos de lutar", gritavam na noite de sábado cerca de 60 pessoas, na maioria jovens negros, que marcharam sob uma chuva intensa os três quilômetros que separam o local do tiroteio da delegacia de polícia. Muitos dos manifestantes também não se conheciam, mas uniram-se a uma causa comum que tem um nome e sobrenome muito claros.
"Sou Mike Brown", proclamava um deles. Para muitos em Ferguson e em outras comunidades afro-americanas dos EUA, a figura de Brown é o epítome de uma suposta discriminação habitual da polícia e da justiça contra os negros. A brutalidade com que morreu o jovem - recebeu pelo menos seis disparos - e que seu cadáver tenha passado quatro horas estendido na calçada foram a mecha que incendiou uma indignação enquistada.
Antes do início da marcha os ativistas participaram de uma vigília no lugar do tiroteio junto com a mãe de Brown, Lesley McSpadden. Agruparam-se em um círculo na calçada da rua Canfield, diante do simples conjunto de apartamentos em que vive a avó do jovem, hoje transformada em um memorial repleto de ursos de pelúcia, fotografias e dedicatórias a Brown.
McSpadden transformou-se em uma celebridade para os ativistas e expandiu sua cruzada em busca de justiça: recentemente assistiu a um discurso do presidente Barack Obama em Washington e participou de um debate sobre violência policial nos EUA na sede da ONU em Genebra.
"Ainda não vimos a mudança [que desejamos], mas somos otimistas. Temos certeza de que haverá uma mudança", afirmou McSpadden ao "El País" depois da vigília. Essa afro-americana de cerca de 40 anos e voz tranquila referia-se à sua luta para acabar com a suposta discriminação da polícia e da Justiça em Ferguson.
Iniciou uma campanha para que os agentes policiais usem câmeras de vídeo. Nesta localidade de 21 mil habitantes, a maioria negra, a Prefeitura, a polícia e o órgão que dirige as escolas são controlados por brancos. As detenções e multas aplicadas aos negros, porém, superam seu peso demográfico.
McSpadden está convencida de que sua luta está se propagando para outras cidades americanas. "A brutalidade da polícia foi revelada. Ocorre em todo lugar", salientou. "Nunca se viu uma cidade inteira rebelar-se contra a lei. Isso demonstra que algo está errado."
A mãe de Brown confia que não haverá tumultos se o grande júri decidir não condenar Wilson, como muitos acreditam que ocorrerá devido a vazamentos jornalísticos da investigação e aos preparativos oficiais diante de possíveis distúrbios. "Fomos pacíficos este tempo todo. Não acreditamos que isso vá mudar, porque somos assim. Somos gente pacífica", afirmou.
As mobilizações nas duas semanas posteriores à morte do jovem se desenrolaram sem incidentes, em geral. Mas um pequeno grupo se chocou com policiais antidistúrbios, que dispararam balas de borracha e lançaram gás lacrimogêneo. Desde então, ocorreram pequenas manifestações que às vezes levaram a prisões.
McSpadden transmitiu a mesma mensagem de calma aos reunidos na vigília. "Quero vocês todos", disse com um megafone, sem poder conter as lágrimas e diante de um intenso silêncio. "Faz tempo que a justiça precisa chegar. Simplesmente quero que vocês andem com cuidado. Não incomodem a polícia, mas não deixem que a polícia os incomode. Todos queremos fazer algo, mas não quero que nenhum de vocês seja ferido. Entendem o que estou dizendo?"
Os aplausos foram imediatos. Pouco depois McSpadden cumprimentou várias pessoas, posou para algumas fotos e, protegida por dois seguranças, subiu em um veículo todo-terreno e partiu. Os congregados se despediram dela como se fosse uma estrela, e em seguida iniciaram sua marcha até a delegacia.
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Jovem morto pela polícia nos EUA vira ícone político e comercial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU