20 Novembro 2014
“O único líder que entendeu profundamente o que é realmente o Califado e quais os riscos, em escala mundial, podem vir da crise no Oriente Médio foi o Papa Francisco. A ‘terceira guerra mundial em etapas’ da qual fala o Papa é um fato, não uma sugestão. Agora os chanceleres devem decidir: parar o escalonamento militar ou piorar a situação, com repercussões num raio muito amplo”.
A entrevista é de Nello Scavo, publicada pelo jornal Avvenire, 18-11-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Loreta Napoleoni nunca foi aquele tipo de analista disposto a ceder ao “diplomaticamente correto”. E não o faz nem nessa entrevista ao “Avvenire”, um dia antes do lançamento do seu livro Isis. O estado do Terror (editora Feltrinelli, 144 pg., € 13,00), uma obra já transformada em referência nos Reino Unido e nos EUA com o título “The islamista Phoenix”.
Eis a entrevista.
O que é a ‘fênix islâmica’ que chamamos Isis?
Este movimento é a gênese do ‘Estado Islâmico’. Entendo que algo de importante estava acontecendo no final de 2013, quando ocorreu uma transformação que muitos não desejavam (ou souberam) perceber. Aquela guerra na Síria e no Iraque não era mais uma ‘guerra de substituição’, na qual um patrocinador externo, como o Catar, pegava um pequeno grupo, o financiava, mandava para eles as armas, bem embaixo do nariz da comunidade internacional. Os americanos sabiam, mas consideravam a questão como um problema local. Também os EUA desempenharam seu papel: o dinheiro para os rebeldes foi fornecido também por eles. Mas estes, no entanto, tinham conquistado uma posição chave, estavam aptos a se autofinanciarem numa espécie de privatização do terrorismo. Hoje, aquilo que alguns se obstinam a chamar de Isis não existe mais.
Que tipo de transformação aconteceu?
Agora existe o Califado. Uma metamorfose como não se via há séculos. É um Estado com uma organização própria, uma própria burocracia, um exército ‘autônomo’ de burocratas, onde vigora um sistema de taxação e até mesmo uma legislação judiciária. Em certo ponto um “Estado escudo” que não é reconhecido, não nasceu de uma revolução (como acontece no Irã dos aiatolá), e procura obter um amplo consenso não através de instrumentos clássicos da democracia, mas graças ao suporte da população de nível tribal. Concluindo, uma ‘empresa comum’ com os chefes da tribo usando os recursos energéticos, começando pelos depósitos de petróleo, que a Isis controla e usa também a nível econômico. E com o dinheiro arrecadado podem pagar subornos aos funcionários que fizeram chegar arsenais inteiros do Iraque, da Líbia do pós Gheddafi e também da Síria, onde o exército não está imune à corrupção.
E o que não é a Isis?
Não é al-Qaeda, porque o Estado Islâmico não se interessa por atacar o inimigo de longe por excelência, ou seja, os EUA. Não existe interesse em uma ação espetacular como a de 11 de setembro de 2001, ou como em outras ações na Europa e no resto do mundo. Isso não quer dizer que outros, autonomamente e com uma direção autônoma do Califado, podem fazê-lo para um efeito de emulação. O Estado Islâmico é uma organização extremamente pragmática e ‘moderna’. Se move no presente, não no passado. Bin Laden e al-Zawahiri viviam em uma dimensão de demências: pensavam ter voltado aos tempos do Profeta. Pelo contrário, estes que erroneamente consideramos seus sucessores sabem combater, sabem administrar um Estado. Naturalmente é uma modernização que não me agrada, mas devemos ter conhecimento.
Qual a posição da religião islâmica nas dinâmicas internas e na imagem pública do Califado?
O aspecto religioso, de forma restrita, não é fundamental. O Estado Islâmico, por exemplo, iniciou as vacinações de crianças contra a poliomielite, coisa que a al-Qaeda e o Talibã não faziam. A intervenção religiosa tem um caráter prevalentemente político, no sentido que um Estado para funcionar precisa de homogeneidade. Os Xiitas não podem fazer parte deste Estado por razões políticas (Assad é Xiita, o Iraque também). Então, o Califado fez com que fosse sua a revolução Sunita contra o opressor Xiita. Mas a criação de um Estado homogêneo do ponto de vista religioso é também uma forma de adensar as forças em torno de uma homogeneidade étnica. Ao mesmo tempo, a diferença da al-Qaeda (que não fazia nenhuma distinção) e diferentemente do jordano e Sunita al-Zarkawi que no Iraque lançou novamente o ódio entre os Sunitas e Xiitas, que observa o conceito do Califado, para que todos possam fazer parte deste sistema e se convertam’. Porém não se matam pessoas somente porque se é Xiita, mas lhes é oferecida a possibilidade de que se convertam ou paguem uma taxa e aceitem o novo caminho. É inaceitável, correto, mas a religião não é o elemento cultural que distingue o Califado, mais que isso é um pretexto para fazer dele um motivo de extermínio.
Que fascinação atrai homens e mulheres que vivem no Ocidente a fazer parte deste exército do Estado Islâmico?
A sedução é muito forte. Existe um Estado a ser construído, uma ‘terra prometida’ a ser alcançada. Porque atacar o metrô de Londres quando se pode guerrear em Kobane? O principal objetivo do Estado Islâmico é representar para os muçulmanos Sunitas aquilo que Israel é para os Judeus: um Estado na sua antiga terra, reocupada nos tempos modernos; um potente Estado confessional que os proteja onde quer que estejam. Mesmo que não nos agrade é importante procurar entender. Do contrário a intervenção armada americana irá promover ainda mais essa sedução.
E o que aconteceria com os cristãos e as minorias que são massacradas?
Isso das minorias e da minoria cristã não é um problema que surge agora, retorna as sanções econômicas contra o Iraque de Saddam nos anos 1990. Nós íamos seguidamente por trabalho e existiam mulheres cristãs em cargos de altíssimo nível. Improvisadamente, com o embargo, se iniciou a transformação islâmica do Iraque, desviando sobre os cristãos as frustrações do regime e da população; restringindo-os a deixar determinados bairros e limitando as atividades econômicas. Mas precisamos também nos questionar, que lugar têm os cristãos no atual governo de Bagdá? Nenhum.
O que sugeriria que fosse feito?
Dar novamente fôlego à diplomacia, com o objetivo de abrir canais de diálogo e discussões, abrandando as contraposições e direcionando as bases para uma estabilização. O incêndio no Oriente Médio, com o que acontece no Iraque, Síria, e a instabilidade crescente em toda a área, não promete nada de bom e rende pouco para que se propague até as portas de nossas casas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Califado. A sede corporativa do terror - Instituto Humanitas Unisinos - IHU