14 Novembro 2014
Para ser honesto, não tenho um histórico particularmente impressionante como vidente. Em 1999, publiquei uma biografia do então cardeal Joseph Ratzinger contendo quatro motivos por que ele jamais seria eleito papa, e ele acabou sendo pontífice por oito anos como Bento XVI, oito anos repletos de acontecimentos.
A reportagem é de John A. Allen, publicada por Crux, 11-11-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Recentemente, no entanto, acertei numa previsão. No dia 15 de setembro, publiquei um artigo sob o título: “Reforma nos processos de anulação matrimonial: uma aposta inteligente no iminente Sínodo dos Bispos”.
A previsão baseou-se na ideia de que tornar as anulações mais rápidas e simples apresentaria um compromisso natural entre aqueles que desejam permitir a volta dos católicos divorciados e recasados à Comunhão e aqueles que se opõem. Esta ideia permitiria a cada grupo abordar a preocupação nuclear: defender a permanência do matrimônio e mostrar compaixão àqueles em relacionamentos rompidos.
Uma anulação é um achado por parte de um tribunal eclesiástico de que a primeira união de alguém não foi um matrimônio sacramental, porque ele não passou nas provas do teste de validade tais como ter capacidade intelectual para compreender as exigências do casamento. Se concedido, uma anulação permite que alguém se case novamente na Igreja.
Reproduzo aqui um trecho do texto do parágrafo 48 do documento final do Sínodo:
“Um grande número de padres sinodais enfatizou a necessidade de tornar o procedimento, nos casos de nulidade, mais acessível e menos demorado”, lê-se. O texto enumera três reformas possíveis: a eliminação da exigência de uma apelação a Roma, permitindo que os bispos aprovem as anulações sem a necessidade de um julgamento da Igreja, e mesmo um procedimento mais simples a ser empregue nos casos em que o fundamento para a anulação parecer claro.
O documento acrescenta que nem todos gostaram destes propostas específicas, mas que houve um sentimento claro de que alguma reforma estaria por vir.
A inevitabilidade de uma revisão foi, na verdade, confirmada antes que o Sínodo começasse, quando Francisco criou uma comissão de 11 membros para trabalhar numa simplificação dos procedimentos de anulações, comissão liderada pelo Pe. Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana, o principal tribunal de Direito Canônico em Roma que lida com os casos envolvendo matrimônios.
A ideia foi reanimada na semana passada quando o Papa Francisco reiterou o seu pedido de reforma num discurso ao Tribunal da Rota Romana.
“Houve a preocupação no sentido de se acelerar o procedimento por motivos de justiça”, disse ele. “Quantas pessoas esperam há anos por uma sentença!”
Francisco disse que a Igreja tem o dever de dizer às pessoas: “Sim, é verdade, o seu casamento é nulo”, ou: “Não, o seu casamento é válido”.
Dado que uma mudança é, agora, quase tão certa quanto o nascer do sol, eis aqui duas observações sobre como as coisas podem se desenrolar.
Embora muitos defensores das reformas acreditem que um sistema mais rápido, simples e barato irá resultar em mais anulações, isto não é necessariamente verdade. Na Itália, por exemplo, tradicionalmente dois terços dos pedidos de anulação são negados.
Um resultado possível ao se incentivar mais pessoas a entrar com o pedido de anulação é, portanto, um número maior de vereditos negativos.
Na medida em que as coisas avançarem, as forças na Igreja preocupadas em defender a integridade do matrimônio estarão vigilantes quanto à forma como um processo revisado irá funcionar. Observemos também que Francisco não sugeriu, em sua fala na Rota Romana, que qualquer pessoa tem o direito à anulação. O que disse é que todos têm o direito a uma resposta.
Todo aquele que conhecer alguns canonistas sabe que a maioria deles não trabalha de maneira rápida e irresponsável com o vínculo matrimonial ou com qualquer outra exigência do Direito Canônico. Não é, portanto, certo que o efeito da reforma será trazer o resto do mundo em harmonia com a prática americana, onde 6% da população católica mundial é responsável por dois terços dos 60 mil pedidos de anulação da Igreja por ano.
Noutras palavras, se a ideia for conceder mais anulações, elas terão de ser o resultado de uma decisão política, porque simplesmente expandir o atual sistema pode não produzir este resultado.
Uma era dourada para o Direito Canônico
A longo dos anos, o Direito Canônico – sistema de leis e princípios legais da Igreja para regular a sua organização e orientar as atividades dos católicos – vem sendo uma especialidade para um círculo bastante pequeno de iniciados. Nos seminários, os futuros padres recebem uma visão geral básica, mas só um número bem pequeno dá continuidade em estudos avançados. O mesmo é verdadeiro quanto aos leigos envolvidos nos assuntos da Igreja. A maioria das dioceses e ordens religiosas têm um ou dois canonistas em tempo integral à sua disposição, precisamente porque ninguém mais compreende, realmente, como o sistema funciona.
Os escândalos envolvendo casos de abusos sexuais reavivaram, no entanto, o interesse no Código de Direito Canônico, especialmente no Livro VI que lida com as sanções e penalidades. No momento, uma comissão vaticana está trabalhando numa revisão desta seção, com a ideia de pedir aos bispos o que usem mais frequentemente quando as acusações de conduta imprópria surgirem.
Hoje, o sistema de anulações parece preparado para se expandir, com o papa e o Sínodo pedindo para se formar mais especialistas, sejam eles religiosos ou leigos, que entendam os requisitos do Código e que possam prestar assessoria às pessoas envolvidas nos processos.
O resultado pode ser uma necessidade maior de canonistas nos níveis diocesanos e paroquiais, um maior número de matrículas nos departamentos de Direito Canônico nas universidades católicas e uma maior demanda por especialistas nos circuitos de palestras e midiático. (Deixarei para outros ponderarem a ironia de que um papa, que rotineiramente vai contra o legalismo, pode estar inspirando uma renascença do direito na Igreja.)
Se você for um jovem católico ávido para estar onde a ação está ocorrendo na Igreja atualmente, estudar Direito Canônico pode ser uma aposta inteligente.
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Reformas no processo para anulações e idade dourada para o Direito Canônico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU