21 Outubro 2014
O livro Inside the Jesuits - How Pope Francis is changing the Church and the World [Por dentro dos Jesuítas: Como o Papa Francisco está mudando a Igreja e o mundo], do jornalista Robert Blair Kaiser (Rowman & Littlefield Publishers, 2014), argumenta que o papa "tem sido impulsionado pelo seu DNA jesuíta para fazer as mudanças até agora impensáveis na Igreja".
A análise é do jornalista William Bole, consultante editorial do Boston College. O artigo foi publicado no sítio da revista America, dos jesuítas dos EUA, 20-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Em julho do ano passado, a bordo de um avião, voltando para Roma depois da celebração da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, o Papa Francisco deixou claro para o mundo que ele iria "pontificar" de um jeito novo. Ele foi de volta para o compartimento onde estava a imprensa e ficou no corredor por 81 minutos, respondendo a todas as perguntas em uma troca espontânea com os repórteres e onde proferiu a sua agora emblemática frase sobre os gays "Quem sou eu para julgar?". Um pouco mais desapercebido foi um outro comentário feito por esse produto da Companhia de Jesus: "Eu penso como um jesuíta".
O escritor Robert Blair Kaiser afirma que essa última citação é mais reveladora sobre o papa jesuíta e para onde ele está levando a Igreja Católica. O livro de Kaiser - idiossincrático embora interessante em suas desenvolturas - é, em grande parte, a sonda de um jornalista sobre o que significa pensar como um jesuíta nesses tempos de Francisco. Ele argumenta, no início, que Francisco "tem sido impulsionado pelo seu DNA jesuíta para fazer as mudanças até agora impensáveis na Igreja".
Kaiser é um premiado repórter de religião do jornal The New York Times, da rede CBS News, das revistas Newsweek e Time (que o enviou a Roma em 1962 para cobrir o Concílio Vaticano II), e por isso suas credenciais de jornalista são palpáveis. Ele não é, porém, um observador de fora. Kaiser passou 10 anos como um jesuíta na província da Califórnia, deixando a ordem antes de se ordenar para seguir carreira no jornalismo. Ele diz que permanece "um jesuíta no coração".
Um dos primeiros capítulos do livro é uma breve história dos quase 500 anos da Companhia de Jesus, começando com Santo Inácio de Loyola e os primeiros jesuítas, que "tinham a convicção de que a maioria dos problemas têm solução e que eles devem tentar resolvê-los com imaginação, perseverança e uma abertura para novas ideias". Figurando nessa visão geral de 10 páginas está o West Coast Compañeros Inc., o grupo de ex-jesuítas de Kaiser ("como os guerrilheiros navais, temos uma identidade especial", escreve). Menos estranhamente, Jorge Mario Bergoglio desempenha um papel de destaque nessa história refeita. Kaiser supõe que Bergoglio tenha sido um "líder péssimo" quando atuou como o provincial da Argentina durante a década de 1970, um período negro da repressão sangrenta de lá. O autor conclui que o homem agora chamado Francisco é o "garoto-propaganda para a observação do cardeal Newman de que 'viver é mudar, e a perfeição é o resultado de muitas transformações'".
O capítulo mais temático tem como títtulo "O DNA dos Jesuítas". Kaiser indica que grande parte dessa estrutura genética é devida aos Exercícios Espirituais de Inácio, que transformam os jesuítas em "homens que são autoconscientes, com uma confiança e uma sensação de liberdade que os obriga" a correr riscos para Deus e para um bem maior. Nesse ponto, Kaiser sai com outra citação do Papa Francisco, a de que "a Companhia de Jesus só pode ser descrita de forma narrativa". Essa metodologia leva-nos à parte menos edificante do livro, quando Kaiser dedica 28 páginas à sua própria história como jesuíta. Ao longo do caminho, ele resolve velhas contas com companheiros jesuítas e superiores religiosos que subvalorizaram seu talento ministerial (ele fornece nomes reais). Parte do problema literário aqui é que Kaiser baseia-se em seu envolvente livro de memórias de 2003, Clerical Error, um gênero mais adequado para essas lembranças do que um livro intitulado "Como o Papa Francisco está mudando a Igreja e o mundo".
Kaiser é talvez mais eloquente ao escrever sobre o Concílio Vaticano II e os jesuítas (sobre John Courtney Murray, por exemplo), que ajudou a moldar o Concílio, que por sua vez "ajudou a todos nós a sermos mais reais, mais humanos e mais amorosos". Ele é simplesmente brilhante ao criar o perfil dos jesuítas contemporâneos, incluindo os gostos de Paolo Dall'Oglio, "um homem alto e animado, sempre em movimento, com olhos brilhantes", que dedicou seu ministério ao diálogo com os muçulmanos árabes. Ele é um italiano que gosta de identificar-se como "um jesuíta muçulmano ... porque Jesus ama os muçulmanos, o mesmo Jesus que está vivo em mim". Kaiser também lança muita luz sobre o mundo dos ex-jesuítas, com perfis de vários, incluindo o governador da Califórnia, Jerry Brown.
Ao longo do livro, as alegações e as observações de Kaiser raramente são maçantes e, muitas vezes, intrigantes.
Em um capítulo sobre a teologia da libertação, ele divaga sobre a questão dos padres que se apaixonam, nomeando entre eles, Karl Rahner, o proeminente teólogo jesuíta do século XX. Ele também infere (em parte da biografia de 2013, Francis, de autoria da jornalista argentina Elisabetta Piqué) que Bergoglio foi um desses casos. O papa falou de uma paixão passageira com uma mulher que ele conheceu enquanto seminarista, mas Kaiser especula sobre o Bergoglio aos 50 anos de idade, na Alemanha, estudando para um doutorado. O autor retoma esta conjectura mais tarde no livro, escrevendo: "Não é de admirar que Francisco pode rir de si mesmo: ele, um pecador, que também agora é papa".
As conclusões de Kaiser são animadas e muitas vezes estimulantes. No capítulo final, ele argumenta que Francisco está perfeitamente posicionado para "enterrar o erro da Igreja, o entendimento não-bíblico do primado papal". Francisco já está reorientando o catolicismo com sua mensagem de que "devemos nos preocupar mais com Jesus do que com a Igreja", escreve ele, aludindo a um cristianismo básico "que prega no contexto da misericórdia". (Por outro lado, Kaiser reconhece as limitações de Francisco e exorta aos católicos reformistas para dar-lhe um desconto". Se o controle da natalidade é pecado, o papai não pode lhes dar permissão para praticá-la. E se não for, ele não precisa"). Ele faz a ligação dessas e de outras expectativas aos genes jesuítas de Francisco, que o programam para atingir o "magis", sem medo do fracasso.
Suspeita-se que Kaiser está dizendo, sem reservas, o que muitos jesuítas estão sussurrando entre si. Se é assim, e se Francisco pensa como um jesuíta, então, sem dúvida, há mais surpresas papais pela frente.
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Livro fala como o Papa Francisco está mudando a Igreja e o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU