11 Agosto 2012
O Vaticano II nos deu uma nova visão sobre a Igreja. É a nossa Igreja, não a Igreja do papa, ou a Igreja dos bispos, ou a Igreja de um padre. Ele nos deu uma nova visão sobre o nosso lugar nela. Podemos pensar, podemos falar, podemos agir como seguidores de Jesus em um mundo que precisa de nós.
A opinião é do jornalista norte-americano Robert Blair Kaiser, que cobriu o Concílio Vaticano II para a revista Time e é autor de cinco livros sobre o Concílio. O artigo foi publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 07-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um editor observou que muitos eventos deste ano que comemoram o 50º aniversário do Concílio Vaticano II "parecem velórios, lamentando e sofrendo pela oportunidade perdida".
Ao invés de retorcer nossas mãos pensando no que a Igreja se tornou com papas seguidos que agiram de uma forma arrogante e autoritária, deveríamos celebrar o que o Vaticano II já fez por nós.
Ele nos deu uma nova visão sobre nós mesmos. Ele nos fez mais livres, mais humanos e mais ao serviço de um mundo que Jesus amou.
Ele nos deu uma nova visão sobre a Igreja. É a nossa Igreja, não a Igreja do papa, ou a Igreja dos bispos, ou a Igreja de um padre.
Ele nos deu uma nova visão sobre o nosso lugar nela. Podemos pensar, podemos falar, podemos agir como seguidores de Jesus em um mundo que precisa de nós.
Ao invés de choramingar por aquilo que o papai não nos deixou fazer, nós mesmos podemos colocar o Concílio em ação.
As irmãs norte-americanas nos mostraram como.
Em 1979, a Ir. Theresa Kane, das Irmãs da Misericórdia, então presidente da Leadership Conference of Women Religious, disse ao Papa João Paulo II que a Igreja deveria ordenar mulheres. Fazendo isso, sugeriu ela, a Igreja poderia quebrar o "teto de vitral" que impede as mulheres de ter um papel de liderança na Igreja e lhes dar uma cidadania de primeira classe à metade dos seus membros, as mulheres na Igreja.
O papa colocou-a no chão com uma lição programada de história que não era história. Ele disse que as irmãs norte-americanas deveriam se moldar segundo a Santíssima Virgem Maria, "que nunca fez parte da hierarquia, mas tornou possível toda a hierarquia, porque deu ao mundo o pastor e o bispo das nossas almas".
O papa não deixaria Kane lhe dar a resposta que ele merecia – que, no tempo de Maria, não havia algo como a hierarquia, e que Jesus não era um bispo. Ele não era nem mesmo um padre.
Ao invés de baixar a cabeça, Kane e muitas irmãs norte-americanas seguiram em frente e continuaram fazendo o que o Concílio lhes tinha dito para fazer: "Atualizem-se, renovem-se, voltem para as suas fontes". Elas se tornaram-se mais livres, mais humanas e mais ao serviço do mundo.
Elas sempre foram mestras. Agora, elas se tornaram estudiosas e teólogas, administradoras de hospitais, advogadas de assistência jurídica, assistentes sociais e mártires em países como El Salvador. Elas assumiram questões – a paz, a injustiça econômica, o racismo, os direitos das mulheres, as relações inter-religiosas e o ambientalismo – que as colocaram em relações colegiais de trabalho com os bispos que também pressionavam por essas causas.
Agora, o Papa Bento XVI as humilhou por fazerem isso. Foi dada muita ênfase, ele afirmou, em alimentar os famintos, vestir os nus e encontrar abrigo para os desabrigados. Por que as irmãs não ajudam os bispos a se pronunciarem sobre questões centrais da fé, como o controle de natalidade e o aborto?
Logo veremos a resposta das irmãs a essa questão. Elas dirão que o papa não pode forçá-las a falar absurdos, e ele não pode impedi-las de alimentar os famintos, vestir os nus e encontrar abrigo para os desabrigados.
Ele não pode nos parar, também. Não deve haver nenhuma supressão do espírito do Vaticano II. John W. O'Malley, historiador jesuíta do Concílio, foi um exemplo perfeito disso para nós. O Concílio nos levou para uma nova visão da Igreja:
"Dos mandatos aos convites, das leis aos ideais, da definição ao mistério, das ameaças à persuasão, da coerção à consciência, do monólogo ao diálogo, do decreto ao serviço, do retraído ao integrado, do vertical ao horizontal, da exclusão à inclusão, da hostilidade à amizade, da rivalidade à parceria, da suspeita à confiança, do estático ao contínuo, da aceitação passiva ao engajamento ativo, do criticismo à apreciação, do prescritivo ao principiado, da modificação de comportamentos à apropriação interior."
Podemos colocar o espírito do Concílio em ação na nossa própria pequena parte do universo. Nós não precisamos confiscar a liderança moral dos nossos bispos. Eles já a perderam junto a 90% de nós por terem acobertado os seus sacerdotes transviados.
Com o poder de convicção dos nossos argumentos, podemos marginalizar ainda mais os nossos bispos todas as vezes em que eles desinformam o povo e pressionam pela "posição católica" sobre questões morais que estão além da sua competência. (Os bispos tentar nos confundir dizendo-nos que as questões morais e políticas são "questões de fé". A razoabilidade do planejamento familiar é uma questão moral, e, portanto, algo a que chegamos pela razão, não pela fé. A ordenação de mulheres – bem, se entendermos política como uma resposta à questão: "Quem manda aqui?" –, então, é uma questão política.)
Podemos continuar buscando a justiça com os nossos irmãos e irmãs por toda a paisagem religiosa (e dividir o pão com eles, também).
Podemos continuar aplaudindo os nossos estudiosos e teólogos quando eles nos dão uma ideia do Evangelho com palavras que nós, nossos filhos e netos podem entender.
Quando nos encontrarmos em paróquias de pensamento retrógrado, podemos começar as nossas próprias pequenas comunidades eucarísticas de fé. Quando um número suficiente dentre nós começarmos a fazer isso, os bispos vão começar a entender. Eles precisam mais de nós do que nós precisamos deles.
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''O Concílio Vaticano II nos fez livres'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU