Por: André | 11 Setembro 2014
“Consideramos necessária uma reforma radical da Igreja, conforme o movimento de Jesus e como resposta aos desafios do nosso tempo”. Além disso, “a reforma deve ser feita de baixo para cima, a partir da base social e eclesial” e “inclusiva, deverá superar as discriminações e exclusões ainda vigentes e operantes por razões de gênero, religião, cultura, etnia, classe social, orientação e opção sexual, opção política, procedência geográfica, relações de casal, e criar uma comunidade acolhedora, solidária e samaritana, onde caibam todas e todos”.
A exigência de reforma ampla e radical da Igreja faz parte da mensagem do 34º Congresso de Teologia, realizado entre os dias 04 e 07 de setembro, em Madri, e que está publicada na íntegra no sítio espanhol Redes Cristianas, 07-09-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a mensagem.
De 04 a 07 de setembro de 2014, realizamos em Madri o 34º Congresso de Teologia sobre “A reforma da Igreja a partir da opção pelos pobres”, que reuniu pessoas procedentes dos diferentes países e continentes, culturas e religiões, em um clima de reflexão, convivência fraterno-sororal, diálogo e troca de experiências.
1. Começamos a nossa reflexão com a pergunta: “fundou Jesus a Igreja?” A resposta é que colocou em marcha uma comunidade de iguais, um movimento de homens e de mulheres que o acompanharam e se empenharam na construção do Reino de Deus como Boa Nova para os empobrecidos. Este movimento prosseguiu nas comunidades cristãs com responsabilidades compartilhadas e especial protagonismo das mulheres. Nelas se tomavam as decisões com a deliberação de todos os seus membros e se tinha como ideal a comunidade de bens. Com o passar do tempo este ideal foi se esfumaçando até desembocar em uma Igreja aliada ao poder, clerical, piramidal e patriarcal, se bem que sempre houvesse coletivos que trabalharam pela reforma e o retorno ao ideal evangélico de vida.
2. Hoje consideramos necessária uma reforma radical da Igreja, conforme o movimento de Jesus e como resposta aos desafios do nosso tempo. Esta reforma requer a prática da democracia, o reconhecimento e exercício dos direitos humanos, entre eles os direitos sexuais e reprodutivos, assim como o governo sinodal, vigente durante os primeiros 10 séculos do cristianismo, com a participação do laicato, que é a base da Igreja, para assim superar a “incoerência vaticana”, que consiste em defender os direitos humanos e a democracia na sociedade, mas não aplicá-los no seu interior.
3. Acreditamos que a reforma da Igreja deve traduzir-se:
– no respeito à laicidade, na crítica do poder e no compromisso com os setores mais vulneráveis;
– na denúncia do neoliberalismo, que o Papa Francisco qualificou de “injusto pela raiz”, já que fomenta “uma economia de exclusão”, “uma globalização da indiferença”, “uma nova idolatria do dinheiro”, um meio ambiente “indefeso diante dos interesses do mercado divinizado” e uma incapacidade para “compadecer-se diante dos clamores dos outros”;
– e no apoio a alternativas políticas e econômicas, propostas pelos Fóruns Sociais.
4. A reforma da Igreja requer o respeito à diversidade cultural e religiosa. O contrário seria o imperialismo. Consequente com essa atitude, o Congresso de Teologia escutou as vozes, os testemunhos e as interpelações das Igrejas do Sul, sobretudo aquelas provenientes da África e da América Latina, que refletem sua riqueza cultural, suas potencialidades libertadoras e suas propostas de reforma. Escuta que implica mudar a maneira de pensar, de viver, de produzir, de relacionar-se do Norte com o Sul, uma relação não opressora, mas cooperadora, não arrogante, mas serviçal, não colonizadora, mas decolonial.
5. A reforma deve ser feita de baixo para cima, a partir da base social e eclesial, e exige uma nova localização: situar-se no lugar e do lado dos excluídos do sistema, que são escandalosamente maioria na população mundial e que estão crescendo por conta da crise. Requer, também, um horizonte que a oriente: a Igreja dos pobres, e um princípio ético-evangélico a seguir: a opção pelos pobres.
6. A reforma da Igreja deve ser inclusiva, pois deverá superar as discriminações e exclusões ainda vigentes e operantes por razões de gênero, religião, cultura, etnia, classe social, orientação e opção sexual, opção política, procedência geográfica, relações de casal, e criar uma comunidade acolhedora, solidária e samaritana, onde caibam todas e todos.
7. Esta reforma já está se tornando realidade nos diferentes ambientes religiosos, eclesiais e sociais, como mostraram as enriquecedoras experiências narradas pelos próprios protagonistas: no mundo rural, compartilhando as lutas pela dignidade do campesinato, a distribuição igualitária da terra e as relações eco-humanas; na migração, lutando pela libertação das mulheres indígenas; nas prisões, ajudando as presas e os presos a recuperarem a liberdade e a alegria de viver; nas comunidades de base, vivendo a fé cristã no horizonte da laicidade; na luta solidária contra os despejos; no ministério episcopal e sacerdotal, construindo a Igreja dos pobres sob a orientação da Teologia da Libertação; entre os jovens indignados com o modelo de Igreja autoritária e de sociedade que os marginaliza.
8. Se a reforma da Igreja não acontecer, ela mesma estará praticando o harakiri, e não poderá responsabilizar outros por sua crise e gradual perda de credibilidade. Se a fizer às costas dos marginalizados, estará sendo infiel às suas origens e aos pobres. Se não for paritária, inclusiva, intercultural e inter-religiosa se afastará do movimento de Jesus e do princípio igualitário formulado nitidamente por Paulo de Tarso: “Já não há mais judeu nem grego, escravo nem homem livre, homem ou mulher” (Gl 3,28).
9. Amigas e amigos, somos chamados à tarefa da transformação da Igreja, mas não isoladamente, senão em sintonia com os movimentos sociais, ecológicos, religiosos e de espiritualidade libertadora. Para isso, necessitamos, como diz a música, de todas as mãos, negras e brancas, e estendê-la o mais possível, desde a praia até a montanha, da montanha até a praia, com o olhar posto no horizonte, caminho para a utopia.
10. Não podemos terminar esta mensagem sem denunciar o terrorismo do Estado Islâmico, o massacre de Israel em Gaza, assim como a violência contra os cristãos e outros grupos religiosos. Solidarizamo-nos com as vítimas e exigimos responsabilidades, reparação, reabilitação e justiça.
Madri, 07 de setembro de 2014.
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Mensagem do 34º Congresso de Teologia sobre a reforma da Igreja a partir da opção pelos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU