01 Setembro 2014
A escritora norte-americana Kaya Oakes analisa dois livros que tratam sobre o tema da não participação dos jovens nas religiões institucionais nos Estados Unidos. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 27-08-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Belief Without Borders: Inside The Minds Of The Spiritual But Not Religious
Linda A. Mercadante
Oxford University Press
A questão sobre o que está acontecendo com a religião como instituição social nos Estados Unidos permanece sem resposta, mas uma coisa é clara: são cada vez maiores os números de pessoas que estão se afastando das noções tradicionais de Igreja. Em seu livro Belief Without Borders [Crença Sem Fronteiras, em tradução livre], Linda A. Mercadante, teóloga e pastora presbiteriana, criada em uma família metade católica, metade judia, começa a sua exploração das vidas de fé dos chamados "espirituais mas não religiosos" (a quem ela chama de SBNR-Spiritual But Not Religious) com uma tese sobre a mudança espiritual. Ela escreve: "Não importa o quanto as religiões organizadas tentem ignorar, desafiar, adaptar ou protestar, a nossa sociedade está sendo alterada por esse ethos generalizado".
A partir de cinco anos de pesquisa e entrevistas com mais de 100 SBNR, o livro de Mercadante começa discutindo a necessidade de examinar a vida espiritual dos SBNR, a fim de compreender o seu surgimento como um segmento de rápido crescimento entre os norte-americanos. Ela discute as diferenças geracionais dos SBNR entre a geração silenciosa, boomers, geração X e geração Y (ou 'millenials'), e restringe ainda mais as categorias possíveis, subdividindo os SBNR em "tipos": dissidentes, casuais, exploradores, os que estão em busca e os imigrantes (não imigrantes físicos, mas aqueles que 'migraram' para uma nova crença).
Mercadante claramente estendeu a mão para uma ampla gama de entrevistados, mas ela admite que os da geração Y, que representam a maior porcentagem estatística de SBNR, foram os mais difíceis de alcançar e representam o menor percentual de seus entrevistados. Ela diz: "Eu não encontrei o mesmo nível de entusiasmo por este projeto [entre os da geração Y] como em outros grupos".
Enquanto muitas religiões institucionais têm esperança de que os membros da geração Y que deixaram a fé voltarão às crenças de sua infância, Mercadante é cética sobre essa possibilidade: muitos 'millennials' não podem voltar para a religião de sua juventude "em parte porque muitos deles nunca tiveram uma".
Assim, o livro Belief Without Borders torna-se, principalmente, uma exploração do êxodo das gerações mais antigas da religião organizada, o que é um contexto útil para a compreensão do quadro onde que muitos 'millennials' viveram a partir de muito jovens. Mas isso também significa que o livro não oferece respostas concretas para a principal pergunta que muitas Igrejas se fazem nos dias de hoje: "Onde estão os jovens?".
A metodologia e a organização de Mercadante são acadêmicas, mas o público em geral que estiver disposto a percorrer, na parte inicial do livro, um pouco dessa metodologia será recompensado com algumas informações reveladoras mais tarde.
Depois de estabelecer suas categorias, ela divide o assunto de suas entrevistas em perguntas mais comuns que muitas pessoas fazem sobre em que, exatamente, os SBNR acreditam ou não acreditam. Capítulos sobre a transcendência, a natureza humana, comunidade e vida após a morte formam a seção central do livro de Mercadante. Esses capítulos destroem aquela ideia de que os SBNR realmente não acreditam em nada.
Os entrevistados de Mercadante são ecléticos e abrangentes em suas crenças. Como os boomers e a geração X formam um segmento bastante grande de sua amostragem, há uma série de crenças comentadas no livro que podem ser vagamente agrupadas sob a bandeira de "Nova Era". Muitos dos indivíduos entrevistados vieram de famílias que não conseguiram apresentar uma ideia focalizada de religião, e, como resultado, alguns SBNR cujos pais se mudaram de uma religião para outra acabaram em uma espécie de fé confusa, "faça-você-mesmo", "escolha-o-que-quiser".
No entanto, eles chegam a um acordo em pelo menos uma questão. "A única coisa que quase todo mundo disse", escreve Mercadante, "é que a natureza humana é inerentemente boa".
Além desse ponto, não há uma coisa sólida em que os SBNR parecem acreditar, talvez porque muitos deles ainda estão tentando descobrir o que "acreditar" significa para eles.
Uma teoria interessante sobre o impacto que a deriva da religião organizada pode ter sobre o papel desempenhado, tradicionalmente, pela comunidade, começa a surgir a partir da pesquisa de Mercadante.
Já que a crença dos SBNR é muito frequentemente baseada na busca, então, muitas vezes, eles se voltam para dentro para focarem-se em si mesmos, em vez de ir para fora, para abraçar o outro. Essa busca do "eu autêntico", inerente a muitos dos entrevistados de Mercadante, pode ser uma reação contra a época em que vivemos, uma forma de "esculpir algum espaço longe do mundo externo, fragmentado e perturbador".
Young Catholic America: Emerging Adults In, Out Of, And Gone From The Church
Christian Smith, Kyle Longest, Jonathan Hill and Kari Christofferson
Oxford University Press
Então, qual é o lugar dos jovens católicos neste mesmo mundo "fragmentado" em que habitam os SBNR de Mercadante? De acordo com a pesquisa feita pelos autores do livro Young Catholic America: Emerging Adults In, Out Of, And Gone From The Church [Jovens Católicos dos EUA: Adultos Emergentes dentro, fora e que deixaram a Igreja, em tradução livre], os jovens católicos podem estar tão espiritualmente perdidos como muitos de seus companheiros não afiliados à religião.
Baseando-se em pesquisas e entrevistas com o mesmo grupo de participantes realizadas em 2002, quando eles eram jovens adolescentes e em 2008, quando eram adultos "emergentes", os quatro pesquisadores que coescreveram esse estudo iniciaram seu trabalho em um espaço negativo. Antes do Estudo Nacional da Juventude e Religião que levou a este livro, a pesquisa sobre os jovens católicos mostrou a história de "declínio e perda".
O livro tenta separar algumas das razões por trás desse declínio. Grande parte da primeira seção do livro está focada no papel que os pais desempenham em dar a seus filhos uma identidade católica, e os autores concluem que muitos pais da geração Y foram "mal formados na fé e na vida católica". As razões para isso são múltiplas, mas os autores apontam para uma longa era de "enfraquecimento institucional" da Igreja.
O efeito cascata sobre a formação de uma identidade católica em adultos jovens é traçada ao longo do livro, com capítulos que examinam o papel das escolas católicas de Ensino Médio, a trajetória religiosa da juventude para a vida adulta e as formas pelas quais a identidade católica afeta o resultado da vida de uma pessoa. De uma forma útil, os autores oferecem também uma digressão sobre o que significa ser católico hoje - uma questão em aberto, com certeza, mas sobre a qual esses jovens estão claramente debatendo.
Não é um "spoiler" dizer que as conclusões do livro sobre o futuro dos jovens adultos no catolicismo são bastante sombrias. Basta olhar em volta para a missa de domingo para ver que os jovens adultos são poucos e distantes entre si. Enquanto o livro é cheio de estatísticas, gráficos, tabelas e esclarecimentos sobre as narrativas da fé pessoal dos entrevistados, ele oferece alguns corretivos para suposições que, comumente, muitas pessoas têm sobre o que pode ajudar na formação de uma identidade católica.
Por exemplo, estudar em um colégio católico não aumenta as probabilidades de uma pessoa permanecer na Igreja. Católicos não praticantes têm alta probabilidade de se manterem assim por toda a vida, ao passo que isso não ocorre com os protestantes não praticantes. A maioria dos jovens católicos, como a maioria dos jovens, tem relações sexuais antes do casamento e aderem ao controle de natalidade.
E eles têm uma carência extrema de modelos. Na verdade, o estudo constata que os adolescentes e jovens adultos acham que ir à missa torna-se mais gratificante se eles podem se socializar com os "adultos importantes" em suas comunidades eclesiais. Esse é um corretivo interessante para os bispos de Albuquerque, Novo México e Oakland, na Califórnia, que, recentemente, substituíram padres em paróquias próximas de campi universitários, a fim de se concentrarem mais em atender os alunos. Esses bispos perderam a chance de construir paróquias verdadeiramente intergeracionais, o que seria mais provável de produzir jovens adultos que continuarão a ser católicos por toda a vida.
Os adultos emergentes retratados em ambos os livros estão entrando em um futuro religioso que parece cada vez mais embaçado, imprevisível e estranho. Mas, nesse "estranhamento", eles podem encontrar algo novo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Livros estudam êxodo religioso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU