Por: Caroline | 29 Julho 2014
O pastor argentino Jorge Himitián participou ontem, segunda-feira, com outros colegas de um encontro de oração com o papa Francisco, na Itália. Antes de viajar, conversou com jornal Infobae: “Acreditamos no ecumenismo espiritual”, disse ele.
Jorge Bergoglio visitou um amigo: o pastor evangélico italiano Giovanni Traettino, nessa que foi a sua segunda ida à cidade de Caserta em menos de 48 horas. Ele a faz para renovar uma tradição iniciada em Buenos Aires há vários anos, ainda em seus tempos de arcebispo: as jornadas de oração entre católicos e evangélicos.
Para o pastor Himitián, que age no mesmo sentido, a experiência que será vivida nesta segunda no Caserta, não é uma novidade. Contudo é o primeiro destes encontros com Bergoglio desde que se tornou Papa, ainda que tenha o visitado em Santa Marta, pouco após sua eleição. Himitián, cuja filha, Evangelina, é autora de uma biografia sobre Francisco, que logo será levada aos cinemas, disse estar convencido de que este “ecumenismo espiritual” é o caminho mais adequado para a unidade. “Algum dia iremos coincidir e Deus irá mudar os enganos, sejam católicos ou evangélicos”.
Horas antes de partir para a Itália, contou a Infobae como Bergoglio e Traettino se conheceram e explicou o sentido destes encontros inter-religiosos que agora o Papa quer retomar na Itália.
A entrevista é de Claudia Peiró, publicada por Infobae, 26-07-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/PphBJG |
Eis a entrevista.
Como o senhor conheceu Jorge Bergoglio?
No ano de 2003, um líder leigo do Movimento Carismático Católico, Matteo Calisi, veio a Buenos Aires, e através dele estabelecemos uma relação entre os referentes desse movimento e os pastores evangélicos.
Calisi, por sua vez, é muito amigo do pastor italiano Giovanni Traettino, que será o anfitrião do Papa em Caserta. Formou-se por aqui então um movimento chamado C.R.E.C.E.S. (Comunhão Renovada de Evangélicos e Católicos no Espírito Santo). E então organizamos o primeiro retiro espiritual de um dia na UCA de Puerto Madero, num sábado. Éramos 800, 900 pessoas, metade era católica e a outra metade evangélica. Um dia com testemunhos, canções, louvores e pregações. Um dia de comunhão entre católicos e evangélicos.
No ano seguinte, fizemos um segundo encontro e em 2006 convidamos como principal orador do lado católico Raniero Cantalamessa, o pregador da Casa Pontifícia, e, do lado evangélico, Giovanni Traettino. Como a jornada convocou muita gente, foi feita no Luna Park. Era um sábado do ano de 2006. Foi ali que Jorge Bergoglio, então Arcebispo de Buenos Aires, que veio e participou todo o dia conosco, conheceu Traettino.
Desde então, vários pastores de Buenos Aires, a pedido de Bergoglio, passaram a se encontrar uma vez a cada dois meses, aproximadamente, para orar com ele pelo país, pela cidade, pela Igreja... Isso desenvolveu uma amizade entre nós, e por vários anos repetimos o encontro do Luna Park. Bergoglio sempre participava, era um dos que tomava a palavra. Organizamos em Pilar dois retiros de três dias para pastores e sacerdotes. O último foi em outubro de 2012, para o qual veio novamente Raniero Cantalamessa, depois de seis anos.
Assim, alguns meses depois, quando elegeram Bergoglio como Papa, nossa surpresa e alegria foram extraordinárias. Então vários pastores, dentre eles eu, que iam à Europa, perguntaram se era possível um encontro, visto que iríamos fazê-lo apenas em Buenos Aires, para novamente orar juntos e conversar, e assim o fizemos, em maio do ano passado.
Nessa ocasião, eu lhe entreguei uma carta de Giovanni na qual ele pede para manter, agora na Itália, a relação. De modo que os dois foram se encontrando quase que uma vez por mês em Santa Marta. E um dia o Papa lhe disse que gostaria de visitá-los em Caserta, em sua comunidade.
Diz-se que será um encontro privado...
Não diria privado, porque pode ser entendido como algo oculto, mas é uma iniciativa pessoal, o que significa que nem Giovanni Traettino estará representando as instituições evangélicas, nem o Papa estará realizando-a em nome da instituição da Igreja Católica. Nesse sentido é pessoal, assim como os encontros que tínhamos no Luna Park. Porque há pastores que são contrários a isso, assim como há bispos que também são contrários. Então, nós nunca fizemos destes encontros um tema que pudesse ser conflitivo para alguém, por isso dizemos que são de caráter pessoal.
A qual denominação o senhor pertence?
Sou de tradição evangélica, pela minha origem familiar ia a Igreja Evangélica Armênia, mas logo iniciamos uma congregação sem nenhuma denominação. Anos depois tivemos a experiência pentecostal, nunca fomos pentecostais por denominação, mas por experiência. Assim como muitos católicos estão recebendo o batismo do Espírito Santo, por isso são chamados de carismáticos, porque acreditam nos carismas do Espírito Santo, o mesmo ocorre com alguns evangélicos.
Hoje, temos uma ótima relação com todas as denominações evangélicas, eu sou um dos cinco coordenadores do Conselho de Pastores da Cidade de Buenos Aires. Mas estas reuniões não são feitas em nome do Conselho de Pastores, mas sim a título pessoal.
Estes encontros podem dar origem a uma instância de dialogo ecumênico mais formal?
Desde o Concílio Vaticano II houve iniciativas ecumênicas institucionais e teológicas, mas isso entrou em choque com um núcleo duro de divergências de ambos os lados e ficou em uma via morta. Desse tipo de ecumenismo institucional nós não participamos, mas no que acreditamos sim é nisto, o que alguns chamam de ecumenismo espiritual. Quer dizer, se alguém tem o Espírito Santo, se alguém vive os ensinamentos de Cristo, é um filho de Deus e é meu irmão, não importa se é evangélico ou católico. Isto é o que incomoda alguns evangélicos, esta relação e esta aproximação. Assim como também incomoda a alguns católicos, claro.
Será possível superar as diferenças?
A Igreja Católica tem mudado muitas coisas nos últimos 50 anos, mudanças que consideramos positivas porque há uma aproximação cada vez maior nos ensinamentos evangélicos, no sentido dos Evangelhos [os primeiros livros do Novo Testamento]. E o mesmo está ocorrendo com os evangélicos, porque parecia que desde a Reforma polarizaram-se as ideias e as teologias, e pela lei do pêndulo quando um vai ao extremo, o outro vai ao outro extremo. Contudo, com o passar dos séculos, e especialmente nestes últimos anos, está havendo uma aproximação. Ficaram para traz os tempos da missa em latim e os sacerdotes permanentemente de batina preta; hoje há reuniões e missas católicas que parecem cultos evangélicos e também há uma abertura em certos setorer evangélicos para não haver um antagonismo com os católicos.
Então é por aqui que Deus está produzindo uma unidade, não institucional, não discutindo teologia, mas através da experiência comum, que é de sermos verdadeiros cristãos, viver dos ensinamentos de Cristo, receber o Espírito Santo, ter uma experiência com Cristo ressuscitado. Estamos felizes com este progresso.
Pouco depois de assumir como Papa Bergoglio, houve comentaristas estrangeiros que disseram que tinha um estilo de pastor evangélico...
Alguns católicos nos dizem que desde que Bergoglio começou a se juntar conosco, mudou ou assimilou muita coisa. Contudo o mesmo ocorreu conosco. Desde que caminhamos com Bergoglio, vimos e incorporamos muitas coisas positivas da vida dele. E isto é muito bom. Agora, as diferenças existem. Por exemplo, os católicos rezam para a Virgem Maria e nós não, mas não nos colocamos em discussão sobre esse ponto. Deixamos que com o tempo o Senhor vá esclarecendo, como foram esclarecidos outros pontos. Por exemplo, quando eu era menino, era proibido para os católicos a leitura da Bíblia. Hoje, o mesmo Papa a recomenda e presenteia a Bíblia ou os Evangelhos aqueles que vão à audiência geral na Praça São Pedro.
O rabino Abraham Skorka, amigo de Bergoglio e que debatia com ele questões teológicas, disse que um ponto inegociável com o então Arcebispo era Jesus, a quem os cristãos consideram como messias e os judeus como um profeta a mais. O senhor diria que entre os católicos e evangélicos também existe um ponto inegociável e qual seria?
Eu acredito que não. Cantalamessa nos contou que em 1997 a Igreja Católica fez uma reunião com os luteranos na qual admitiu oficialmente a doutrina de Lutero sobre a justificação pela fé, que havia sido o ponto pelo qual Roma o havia excomungado no século XVI. Então acredito que é uma questão de tempo porque tanto os evangélicos têm erros, quanto os católicos. Não há duas Bíblias, assim, com o tempo, baixando os níveis de controvérsia, com serenidade, todos iremos ver o que está errado. Será um processo gradual e vamos nos unindo naquilo que acreditamos.
Esta é minha resposta. Agora, se perguntar isso a outro pastor evangélico, talvez diga que “o ponto inegociável é esse ou aquele”. Eu não vejo nenhum ponto inegociável, porque as diferenças são exageros ou extremos. Por exemplo, na Igreja Católica uma das coisas mais notórias é o uso de imagens, os evangélicos não as utilizam. Acreditamos na Virgem Maria, acreditamos que ela concebeu por obra e graça do Espírito Santo, acreditamos no nascimento virginal de Cristo, mas não oramos para Maria. Essa é uma diferença, porém não acredito que seja uma diferença inegociável. Algum dia, vamos coincidir e Deus irá mudar o que está equivocado, seja do lado católico ou evangélico, Deus irá corrigir a todos.
Como será o encontro em Caserta?
Não conheço a programação em detalhes, mas entendo que haverá um encontro no templo do qual Giovanni Traettino é pastor. Pela manhã, haverá uma reunião na qual ele e Bergoglio farão uso da palavra. Haverá cânticos, louvores, pregações, como nas reuniões que tínhamos aqui. Logo depois um almoço e pela tarde outro momento de convivência e fraternidade.
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“Se alguém vive os ensinamentos de Cristo, não importa se é evangélico ou católico” disse o pastor argentino Jorge Himitián - Instituto Humanitas Unisinos - IHU