27 Mai 2014
O cardeal Theodore McCarrick está entre os últimos guerreiros de estrada da Igreja Católica, viajando mundo a fora apesar de sua idade avançada para servir como solucionador informal de problemas diplomáticos. Poucos líderes religiosos estariam em melhor condição, portanto, de avaliar exatamente aquilo em que o Papa Francisco se meteu ao se envolver no, aparentemente, infindável conflito entre israelenses e palestinos.
A entrevista é de John L. Allen Jr., publicada por The Boston Globe, 26-05-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
McCarrick, 83, arcebispo emérito de Washington, D.C., esteve na Faixa de Gaza semana passada para monitorar a situação enfrentada por uma população pequena porém importante simbolicamente, em seguida se juntando à viagem papal na Jordânia e em Jerusalém.
Segundo McCarrick, Francisco não se preocupou em arriscar a sua credibilidade política caso sua iniciativa de paz anunciada no domingo vier a fracassar em resultados concretos. Na ocasião, o pontífice convidou o presidente palestino Mahmoud Abbas e o presidente israelense Shimon Peres para rezarem juntos no Vaticano.
“Ele não está se colocando do lado de fora de um limbo, ele está se colocando diante da Cruz”, contou McCarrick ao jornal The Boston Globe em entrevista nesta segunda-feira.
“Após o fracasso da iniciativa de John Kerry”, disse, referindo-se aos esforços feitos pelo secretária de Estado americano para impulsionar as negociações entre israelenses e palestinos, “muitas pessoas se perguntaram se havíamos chegado ao ponto final das negociações, não havendo mais possibilidades. Hoje, o papa trouxe de novo as esperanças”.
Eis a entrevista.
De forma geral, o que o senhor achou da viagem?
Eu acho que fui muito bem sucedida. O Santo Padre fiz muitas das coisas que queria ter feito, tendo dado alguns passos importantes ao longo do caminho. Teve a imagem dele rezando no muro [entre Israel e a Cisjordânia], e a sua proposta surpreendente de reunir os líderes de Israel e da Palestina “em sua casa” no Vaticano para orarem pela paz. Supõe-se que parte da oração pela paz será tentar pensar alguns passos realistas para a resolução do conflito.
A oração conjunta de ontem à noite entre o Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu deve encorajar católicos e ortodoxos a trabalhar mais firmemente na busca da unidade de todos os cristãos.
O senhor acredita que rezar com Abbas e Peres pode conseguir alguma coisa?
Precisamos ter a esperança que sim. Esta iniciativa vem na esteira do fracasso da iniciativa de John Kerry que, apesar de seu forte empenho, deixou muitos com um sentimento de perda. Muitas pessoas se perguntaram se havíamos chegado ao ponto final das negociações, não havendo mais possibilidades. Hoje, o papa trouxe de novo as esperanças. Naturalmente, foi sem querer que o Santo Padre aconteceu de estar aí logo após o que aconteceu com o iniciativa de John Kerry, porém não há outro lugar melhor para ele estar no momento. Ele deu às pessoas um motivo para não desistirem.
O papa está pondo uma ênfase na oração e está buscando saber o que somos capazes de fazer. O secretário de Estado americano John Kerry não é um líder religioso; é um estadista. O Santo Padre pode trazer a questão da oração aqui, o que poderá ser exatamente a coisa certa para um conflito no qual a religião desempenha um papel central.
Estará o papa pondo em risco a sua credibilidade política caso nada decorra disso tudo?
Eu não diria isso. Eu acho que ele está contando com a ajuda do Senhor, e não se pode dizer que isso não seja a coisa certa a ser feita. Sei que a credibilidade política é importante neste mundo, mas é mais importante ser fiel a Deus.
Ele não está se colocando do lado de fora de um limbo, ele está se colocando diante da Cruz, e é para isso que ele foi chamado.
Qual a situação na Faixa de Gaza?
As pessoas estão bastante infelizes, e cada vez fica pior. Talvez haja 1.7 ou 1.8 milhões de pessoas no total, e 70% delas estão desempregadas. É uma parcela enorme. Estão famintas; muitas delas perderam as esperanças.
Preciso dizer que conheci um número de jovens em Gaza que me impressionaram bastante. São inteligentes; olham para o futuro. Eles serão a esperança da Faixa de Gaza se tiverem uma chance.
Em termos de comunidade católica, há certamente preocupações para com o futuro. Os padres são ótimos, muito positivos. Há apenas cerca de 500 católicos em todo o local e compartilham as realidades globais que todos os demais enfrentam.
Como é a relação deles com os muçulmanos?
Ela varia. Em geral, é bastante boa. A Igreja Católica provavelmente tem a melhor escola da Faixa de Gaza, e a maioria dos alunos são muçulmanos cujos pais os colocaram aí porque querem uma boa educação com valores sólidos.
Há alguns [muçulmanos] na periferia de Gaza, alguns deles fundamentalistas; estes trazem tempos difíceis aos cristãos. Não muito tempo atrás uma bomba foi detonada próximo a uma igreja, que obviamente assustou a todos. No geral, são pessoas boas, abençoadas.
Em que sentido caminham as relações entre católicos e muçulmanos?
Na Jordânia, fiquei bastante surpreso pela hospitalidade mostrada ao papa pelo príncipe Ghazi, o qual tem a intenção verdadeira de encontrar uma forma, no mundo islâmico, de construir novas relações com a Igreja Católica. Isso trouxe esperanças de que muitas coisas boas estão para acontecer.
Ghazi é um querido amigo meu, e estou muito grato por sua bondade para comigo e por seu interesse na Igreja. Ele foi figura central na Mensagem de Amã/2005 [um comunicado pedindo tolerância e unidade no mundo islâmico]; e mesmo que este texto tenha perdido um pouco de credibilidade por causa da Primavera Árabe, trata-se de um documento importante.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco “não está do lado de fora de um limbo, mas diante da Cruz”, diz cardeal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU