16 Março 2014
Na Universidade Gregoriana, no dia 6 de março, o diretor do seu Instituto de Espiritualidade, o jesuíta austríaco Anton Witwer, inaugurou um ciclo de conferências intitulado "'O nosso modo de proceder...'. O discernimento na missão segundo Santo Inácio".
Publicamos aqui um trecho desse primeiro de seis encontros, previstos até o dia 10 de abril. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 08-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Por ordem do imperador, Fabro teve que ir para a Alemanha para assistir aos colóquios de Worms, onde chegou no dia 25 de outubro de 1540 – e só lá ficou sabendo que a Companhia de Jesus tinha sido aprovada. De Worms passou, por Speyer, à Dieta Imperial em Regensburg e partiu no dia 27 de julho de 1541 para a Espanha.
Só meio ano mais tarde, por ordem do Sumo Pontífice, ele partiu de novo para a Alemanha, onde permaneceu – exceto para uma estadia de quatro meses em Leuven – até o dia 12 de julho de 1544. Não sabendo alemão, ele se comunicava com as pessoas em latim ou espanhol; por isso, os seus contatos na Alemanha eram bastante restritos às pessoas instruídas. Apesar disso, ele percebeu em toda parte os efeitos da Reforma e, preocupado com as pessoas da Alemanha, sentiu-se impelido a discernir como melhor ajudá-la.
"Então, senti e sopesei muito o tormento que me faz sofrer continuamente desde que conheci a Alemanha: o temor da deserção total desta nação. Deus não queira que se realize tal pensamento, que se assomou tantas vezes no meu espírito, certamente não por obra do espírito bom, mas sim desse espírito de desconfiança que até agora tem me atormentado de tantos modos, levando-me a me desesperar por realmente dar fruto, primeiro alienando minha alma em tudo isso e, depois, me fazendo desejar abandonar aquela terra do Reno, que me havia sido dada como destino. Queira o céu que a tibieza, frieza, malícia e as deserções verdadeiras ou imaginárias dos homens maus cessem de sobrecarregar o meu espírito, já em si mesmo tão pobre, tépido, frio e incapaz, e tenha fim esta minha instabilidade que tantas vezes me fez ver as coisas irem de bom a melhor mais do que a realidade e que agora me fazia ver tudo perdido e tudo obscuro".
Pedro Fabro se deixa tocar profundamente pela realidade que vive e, considerando os seus limites e defeitos, percebe-a como um desafio que ele, no entanto, quer assumir. Ele se sente convidado por Deus à resposta e por esse motivo também pede insistentemente a sua ajuda, rezando por si mesmo e pelas pessoas que lhe "foram dadas como destino". Justamente porque se sente a fé como puro dom de Deus, ele não julga os hereges, mas, ao invés, tem compaixão deles e vê o "muito bem que Deus semeou dentro dos homens".
"Por isso, acontece-me de passar por cima de muitas das coisas virtuosas e do muito bem que Deus semeou dentro dos homens. Tais bens, além disso, se vistos com olhos simples, quero dizer, prescindindo da presença das malignidades alheias, fariam com que se encontrasse uma paz maior; e eles mesmos, assim identificados, poderiam estar sujeitos a aumentar e a fazer produzir maior fruto desse modo."
É justamente o seu amor pela Alemanha que continuamente o faz refletir sobre a situação vivida e discernir tanto os motivos da perda progressiva da fé, quanto as possibilidades de conforto espiritual. Limito-me a dois textos para sublinhar esse aspecto.
"Durante a missa, nasceu-me outro desejo, isto é, que todo o bem que eu poderei realizar tem a ver com a mediação do Espírito bom e santo. E me veio a ideia de que Deus não gosta da maneira pela qual os hereges querem fazer certas reformas na Igreja. Embora, de fato, digam coisas verdadeiras, o que também acontece com os demônios, não o fazem com aquele espírito de verdade que é o Espírito Santo."
E ainda: "Percebi, então, e comecei a se sentir como os cristãos se afastavam da Igreja. Antes, começam a se tornar mornos nas obras e nas práticas que respondam às graças e aos diversos dons feitos por Deus. Daí são levados a desprezar e a considerar como nada o que não reconhecem como produto do seu próprio juízo. Começam, então, a se perguntar por que creem, esperam, e passam a duvidar de tudo. Assim, deixam escapar os dons derramados do Espírito e perdem a fé autêntica, que se baseia na fé católica e na comunhão dos santos. Depois, quando tudo dissiparam, querem por si mesmos estabelecer e buscar uma fé que repouse sobre o juízo próprio: vão à caça de razões e as vasculham cada um por conta própria, também questionam as Escrituras e as suas interpretações, e decidem sobre o sentido a ser adotado. Assim, de tudo isso, formam a sua fé ou, melhor, as suas opiniões e os seus erros."
Pedro Fabro percebe "os hereges deste tempo como doutores da separação e da renúncia" – como uma ameaça à unidade – e, por isso, pede a Deus "homens que sintam de modo contrário e ensinem com os fatos fatos e as palavras a verdadeira união": "Tomei confiança de poder obter fruto neste tempo, em que as heresias luteranas subverteram quase toda a Alemanha. Estas se reduzem ao abandono da Igreja Católica, a fim de dar àqueles que deixaram a liderança da própria Mãe o direito de fazer, crer, dizer impunemente tudo o que quiser. Por isso, é bem verdade que os hereges deste tempo são doutores da separação e da renúncia. Que Deus queira nos conceder homens que sintam de modo contrário, isto é, que, com os fatos e as palavras, ensinem a verdadeira união, a aceitação das direções recebidas e o progresso em todas as virtudes cristãs."
Por causa do seu conhecimento da situação na Alemanha, Pedro Fabro foi solicitado pelos seus companheiros a oferecer algumas regras de comportamento para aqueles que desejam salvar as almas dos hereges. O resultado de tal pedido é a sua carta do dia 7 de março de 1546, escrita em Madri, em que ele lista oito regras: a primeira é demonstrar grande amor para com os hereges, amando-os realmente e libertando-se de tudo o que poderia diminuir a estima por eles.
Como segunda regra, Fabro convida a buscar obter o seu favor, para que possam nos amar. Por esse motivo, devem ser evitadas polêmicas que humilhem o outro; ao contrário, deve-se tratar com eles sobre os temas que se tem em comum.
Terceiro: como os luteranos geralmente perdem primeiro a atitude interior justa e só depois a fé reta, deve-se partir do que contribui para a atitude de coração e depois oferecer ajudas para a verdadeira fé.
Quarto: se se trata de uma pessoa que não só se apoia em uma doutrina errada, mas também leva uma vida má, é preciso dissuadi-la primeiro dos seus vícios e só depois falar sobre os erros de fé.
Quinto: no caso dos erros acerca das obras, muito frequentes entre os protestantes, deve-se progredir das obras à fé, falando das coisas que possam levá-los a estimar as obras, isto é, por exemplo, movê-los para a oração e para ir à missa.
Sexto: é importante se dar conta das causas dos erros, porque, muitas vezes, eles são fracos na obediência, e, portanto, é importante encorajá-los para que possam alimentar a esperança de que, com a graça de Deus, serão capazes de fazer o que é necessário.
Sétimo: quem soubesse falar com eles somente sobre o reto modo de viver, sobre as virtudes, a oração e sobre coisas semelhantes que também possam levar pagãos a uma vida melhor, ajudaria os hereges mais do que aquele que apresenta muitas provas para refutá-los.
No oitavo ponto, Fabro conclui, resumindo: "Essas pessoas precisam de admoestações, exortações e assim por diante, acerca dos costumes, do temor e do amor de Deus, e do amor das boas obras, como remédio contra as suas fraquezas, a falta de devoção, distrações, o seu peso e os outros males, que não se encontram nem principalmente, nem em primeiro lugar no intelecto, mas sim nos pés e nas mãos da alma e do corpo".
Pedro Fabro não termina a carta sem rezar por essas pessoas: "Jesus Cristo, o Redentor de todos, os encha com o Seu Espírito Santo, porque ele sabe bem que a sua palavra escrita não basta". Isto é, o princípio da sola scriptura não é suficiente, se faltar o sentido interior espiritual para a verdadeira vida cristã.
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O método de missionário de Pedro Fabro na Alemanha protestante: oito regras para recuperar a unidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU