22 Julho 2015
Andrea Riccardi é um professor italiano que, em 1968, fundou a comunidade católica Santo Egidio, que promove o diálogo inter-religioso e ecumênico. É um dos pensadores mais reconhecidos da Igreja europeia. É historiador, professor da Universidade de Roma Tre e especialista em questões católicas. Entre seus inúmeros livros, publicou A surpresa do Papa Francisco. Crise e futuro da Igreja. A comunidade de Santo Egídio, que ele preside, com mais de 50 mil membros em 70 países, também é reconhecida pela mediação em conflitos.
A reportagem é de Marcelo Larraquy, publicada no jornal Clarín, 19-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Qual é a sua reflexão sobre a viagem do papa à América do Sul?
Ela faz parte de uma intuição importante do papa. Como a cidade e as sociedades periferizam, é preciso recomeçar a partir daí. Faz parte da sua estratégia pastoral de ir às periferias, neste caso, latino-americanas.
Como a Europa, que você caracteriza como decadente, recebe essa mensagem de Francisco?
A Igreja europeia ficou doente um pouco pela decadência europeia, especialmente pelo seu pessimismo diante do mundo. Pela primeira vez em séculos, a Europa não guia a história. A eleição de Bergoglio foi importante porque despertou a energia da Igreja e diz à Europa que ela pode se salvar da decadência se não viver para si mesma e começar a viver para a periferia. É um papa que indica aos europeus que eles devem olhar para fora das fronteiras e também para a periferia do continente, Lampedusa, Nápoles, Albânia, como ele fez com as suas viagens.
Você acha que ele vai conseguir isso, com o peso que o cristianismo eurocêntrico tem?
No cristianismo, nunca há vitórias. Porque cada tentativa profética alcançada é também uma derrota. Francisco tem um grande poder de atração. Mas há uma resistência ao papa entre bispos, sacerdotes, organizações, movimentos tradicionalistas. Por que essa resistência? Porque é uma nostalgia das pequenas cristandades. Subcristandade, minorias cristãs puras e duras. Na realidade, o projeto do Papa Francisco é mais evangélico e ambicioso. Ele pensa em um cristianismo de povo, sem fronteiras. Não de puros e duros. A Igreja como movimento de um povo que vai além.
Bento XVI dialogava com a razão ocidental. Francisco, como adepto da teologia popular que é desconhecida na Europa, não implica uma ruptura desse diálogo?
João Paulo II olhava para o Leste, queria fazer uma revolução no Leste, e olhava para o mundo. Bento XVI falava com o Ocidente do secularismo e da razão secularizada, com o Iluminismo. A Europa dizia que ele era "o papa dos valores". Em troca, Francisco tem uma linguagem que desloca a cultura europeia. Assim como o Evangelho desloca o europeu. A Europa, no seu espírito de fina decadência, não consegue englobar o Papa Francisco. Alguns têm desconfiança, criticam o modo latino-americano, impulsivo, que abre problemas. Muitos acreditam que os problemas só podem ser abertos se já se tiver a solução.
Ao contrário, Bergoglio promove o debate sem conhecer o resultado.
Claro. Nós, católicos, hoje discutimos. Também fizemos isso depois do Concílio Vaticano II, mas a esquerda e a direita atiravam uma contra a outra. Hoje se discute. O governo do papa é pessoal e carismático. Ele recebe cardeais, dá indicações, ouve. É um governo institucional. São essas duas dimensões.
Como o papa decide a política internacional do Vaticano?
Dizia-se que ele era um papa pastor, que não entendia nada de diplomacia. E até então a diplomacia vaticana não era ótima, nem crível. A Secretaria de Estado era acusada de certa inércia. Francisco mobilizou a diplomacia vaticana: ele fez a oração pela Síria e evitou o bombardeio norte-americano, a oração pela Palestina e Israel nos jardins vaticanos, o acordo Estados Unidos e Cuba, que é um golpe de mestre. Ele é um diplomata como figura, porque ama a paz e tem horror à guerra. E leva os dramas e problemas à oração, que o liberta dos preconceitos ideológicos. É um homem cheio de espírito e de energia.
O que esse pontificado deixará? O que conseguirá consolidar?
Não sei. Acho que é um papado importante para a Igreja Católica, e a globalização o torna mais importante. Não sou um profeta. Sou um historiador. Meu olhar tem a ver com o presente. Se um empresário toma uma empresa em crise como era a Igreja e, em poucos meses, a leva a este nível do índice Dow Jones, teriam dobrado o seu salário... O papa permitiu expressar a energia profunda da Igreja, que estava prisioneira do pessimismo. Qual será a herança? Ele é o primeiro papa da globalização, assim como Wojtyla foi o da superação da Guerra Fria. Mas a Igreja na globalização deve se reformar. Deve se tornar mais povo.
Qual foi o segredo? A necessidade de uma mudança? As qualidades de governo de um homem? Ou o Espírito Santo, como dizem os fiéis?
O segredo é que Bergoglio crê muito e gosta muito das pessoas. E tem uma grande sensibilidade e ideias. Não é um acadêmico, mas um homem de cultura que tem chaves interpretativas muito originais. É o homem certo, disponível. Mas não é manipulável. Isso é importante para um papa. Em dois anos, ele aprendeu muito, mas não se deixa manipular.
Não se deixa manipular pelo entorno vaticano?
Quando se ocupa uma cúpula como o papado, vem a vertigem. Você se pergunta se está fazendo bem, se está fazendo mal, se está quebrando a Igreja. Mas o papa não se deixa manipular pelas pressão, pelo medo, nem pelo entorno do Vaticano.
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Bergoglio. ''Ele é o primeiro papa da globalização''. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU