29 Mai 2015
Alguns achavam que este dia jamais chegaria. Outros esperavam e alguns sempre souberam que ele iria chegar. No sábado, 23 de maio, a Igreja Católica beatificou Dom Oscar Arnulfo Romero y Galdamez, de El Salvador, arcebispo assassinado em 1980 enquanto celebrava missa um dia depois de pedir e, mesmo ordenar, que os soldados parassem de matar civis inocentes.
A reportagem foi publicada pelo Catholic News Service e republicada pelo National Catholic Reporter, 26-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“O Beato Romero é mais uma estrela brilhante que pertence à santidade da Igreja Católica das Américas”, disse o Cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, durante a cerimônia em San Salvador. “E graças a Deus, existem muitos”.
Enquanto aqueles que o perseguiram morreram ou caíram na obscuridade, “a memória de Romero continua viva e dá consolo a todos os pobres e marginalizados”, disse Amato.
As suas homilias frequentemente defendiam melhores condições de vida para os pobres, uma trégua na escalada da violência no país e a fraternidade entre aqueles cujas divisões conduziram, em última instância, a um conflito que durou 12 anos.
Ele não é um símbolo de divisão, mas de paz, declarou Amato.
Em uma mensagem enviada sábado para a ocasião de beatificação, o Papa Francisco disse que Romero “construiu a paz com a força do amor, deu testemunho da fé com a sua vida entregue até o fim”.
Prova disso é a camisa que ele vestia quando foi assassinado, que vidou embebida de sangue depois que uma única bala do atirador tirou sua vida. Oito diáconos carregaram a camisa manchada de sangue, hoje uma relíquia, ao altar em uma caixa de vidro. Outros decoraram-na com flores e velas durante a cerimônia de sábado. Vários sacerdotes estenderam as mãos para tocar a caixa depois fazendo o sinal da cruz.
Em uma época de dificuldades em El Salvador, Romero soube “como guiar, defender e proteger o seu rebanho, permanecendo fiel ao Evangelho e em comunhão com toda a Igreja”, disse o papa em sua mensagem. “O seu ministério se destacava pela atenção especial aos pobres e marginalizados. No momento de sua morte, enquanto celebrava o Santo Sacrifício de amor e reconciliação, recebeu a graça de identificar-se plenamente com Aquele que deu a vida por suas ovelhas”.
O evento, na praça do Divino Salvador do Mundo, em San Salvador, contou com a participação de quatro presidentes latino-americanos e seis cardeais, incluindo: Oscar Andres Rodriguez Maradiaga (de Honduras); Leopoldo Brenes (da Nicarágua); Jaime Ortega (de Cuba); Jose Luis Lacunza (do Panamá); Roger Mahony (dos EUA); e o italiano Amato, além do arcebispo italiano Vincenzo Paglia, postulador da causa de Romero.
A animação não poderia ser maior do que a do Pe. Estefan Turcios (pastor da Igreja de Santo Antonio de Pádua, em Soyapango, El Salvador) e a do diretor nacional das Pontifícias Sociedades de Missão de El Salvador. Antes do conflito que arrasou o país, Turcios havia sido preso por defender os direitos dos pobres. Romero ajudou a libertá-lo.
“Há 35 anos temos pessoas que se inspiram em Romero. Como vocês acham que elas se sentem neste momento?”, perguntou Turcio.
Mas, da mesma forma que teve devotos, Romero teve também detratores.
Logo depois de sua morte, o Vaticano recebeu montanhas de cartas contra Romero, disse Paglia. E isso influiu em seu caminho à santidade, que inclui a beatificação. Mas três décadas depois, o Papa Bento XVI abriria as portas para a causa de santidade do arcebispo.
Em fevereiro, o Papa Francisco assinava um decreto reconhecendo Romero como um mártir – pessoa assassinada “pelo ódio à fé” –, que significou não haver necessidade de provas de um milagre para a sua beatificação. Em geral, são precisos dois milagres para se declara a santidade: um para a beatificação e outro para a canonização.
Turcios disse que, ao estudar a vida de Romero, outros descobrirão todas as verdades do Evangelho que o conduziram a defender a vida, os pobres e a Igreja, e afastarão as inverdades que cercam o seu legado.
Durante a guerra civil que durou de 1979 a 1992, alguns salvadorenhos esconderam, enterraram ou, em alguns casos, queimaram as fotos que haviam tirado com (ou de) Oscar Romero porque isto poderia significar que outros os chamariam de comunistas ou simpatizantes dos rebeldes, o que poderia pôr suas vidas em perigo.
Embora ele ainda possua alguns detratores, disse Turcios, esta beatificação pode ajudar os demais a compreenderem a realidade e a verdades que os outros já conhecem há mais tempo: Romero “foi leal à vontade de Deus, foi leal ao seu povo e o amou, foi leal à Igreja e a amou”, falou.
Um dos presentes do ofertório durante a missa no sábado foi o “De la locura a la esperanza”, documento produzido durante os acordos de paz que terminaram com a guerra civil no país.
O texto relata algumas das maiores atrocidades contra os direitos humanos cometidas em El Salvador durante o conflito, inclusive a morte e o estupro de quatro religiosas estadunidenses, a morte de sacerdotes, catequistas, bem como relata os massacres a civis desarmados – no todo, mais de 70 mil morreram.
Sacerdotes, bispos e cardeais vestiram uma vestimenta vermelha, significando o martírio. As suas estolas foram estampadas com o lema episcopal de Romero: “Sentir con la iglesia”, ou “Sentir com a Igreja”, às vezes traduzido como “Pensar com a Igreja”.
A cerimônia foi o ponto culminante de uma semana que San Salvador contou com inúmeros peregrinos, principalmente da América Latina, mas também de lugares mais distantes como Singapura e EUA, que quiseram celebrar a ocasião. Flores, música, lágrimas e alegria manavam da Catedral Metropolitana do Santíssimo Salvador, em San Salvador, onde o arcebispo está enterrado. Ele é oficialmente o “Beato Romero”, mas para muitos ele já é, há tempos, “San Romero”, ou São Romero das Américas.
O Pe. Juan Navarro, de Maracaibo, Venezuela, disse que visitou o local onde o arcebispo está enterrado para expressar as muitas necessidades de seu país. Alimentos e liberdade de expressão estão em falta, disse ele, e é um lugar com uma situação semelhante àquela que levou à guerra na época de Dom Romero.
“Pedi que [Romero] interceda pelos nossos direitos, que continue inspirando em nós a vontade de seguir em frente quando a realidade da vida é dura”, disse.
Para a salvadorenha de 81 anos Gregoria Martinez de Jimenez, a beatificação marcou o reconhecimento oficial de algo que ela já sabia faz tempo: “Nós finalmente temos um santo que é um de nós”, dizia enquanto lágrimas escorriam.
“Ele era uma duplicação de Jesus”, acrescentou a sua filha, Maria Elena Jimenez Martinez, de 44 anos. As duas participaram do funeral de Romero, onde se detonaram bombas de fumaça e dispararam tiros. Mais do que elação, elas mostravam uma alegria misturada com a tristeza que ficou de uma época dolorosa.
O padre jesuíta Miguel Angel Vasquez Hernandez, de Arcatao, disse que o arcebispo teria ficado um tanto surpreso com uma tal cerimônia, que segundo estimativas custou 1 milhão de dólares e contou com a presença de centenas de milhares de pessoas.
A melhor maneira de homenageá-lo, disse, é trabalhar pela paz e a justiça em El Salvador, e em outras partes do mundo atormentadas pela pobreza, guerra, violência, opressão e injustiça econômica.
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Romero é “mais uma estrela brilhante” pertencente à igreja das Américas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU