16 Março 2015
Com o Jubileu, Francisco oferece uma hermenêutica da Misericórdia, que a Igreja, segundo as palavras inaugurais de Roncalli, usa como um medicamento que deve ser preferido às armas da severidade.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 15-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A dois anos da sua eleição, semeando as generosas tentativas feitas por todos no mundo para encontrar um "projeto" do pontificado, Francisco continua colocando no centro do seu governo a sua confissão de fé: o Cristo pobre como medida do cosmos, o Pai misericordioso como medida do ser humano, o Espírito que inspira o sensus fidei do povo cristão, para que a "Igreja una" se dê à missão e não à autocomplacência.
Desta vez, ele fez valer o seu modo de ser diante de um clima opaco, onde crescem insatisfações interessados, convocando um Ano Santo extraordinário.
O instrumento escolhido não tem uma boa fama. O Jubileu ordinário da Igreja de Roma foi inventado por Bonifácio VIII para dar recursos e centralidade a um papado pomposo e completou o resgate da sua reputação só quando no ano 2000 inscreveu aquele "mea culpa" que, desde então, irrita como uma toxina os defensores do triunfalismo eclesiástico.
O Jubileu extraordinário é ainda pior. O primeiro, em 1390, devia dar espaço e dinheiro para um dos papas em disputa no Cisma do Ocidente. O segundo, o de 1423, foi celebrado por Martinho V, depois que o Concílio de Constança tinha reunificado a Igreja, e não teve fins muito diferentes.
Os outros dois, no século XX, serviram para outra coisa: o de 1933, proclamado por Pio XI, quis marcar o retorno da Igreja ao espaço público depois dos Pactos Lateranenses; e, em 1983, João Paulo II também repetiu um Ano Santo da redenção, para recuperar visibilidade pública, a cinco anos do fim do papado montiniano.
O Jubileu extraordinário foi adotado por Francisco por outros motivos, que dizem respeito ao Sínodo, ao Concílio e ao povo cristão.
Ao escolher os bispos para o próximo Sínodo, muitas Conferências Episcopais votaram nos "homens da dureza". Com o Ano Santo, Francisco lhes manda um aviso: não é a miséria do povo cristão que pede descontos, mas é a própria natureza de Deus que pede misericórdia. E o povo peregrino fará vê-la.
No 50º aniversário do fim do Vaticano II, volta a se fazer sentir uma tendência a minimizar o Concílio ou a lhe fazer um elogio. A quem o julga com essas categorias, Francisco oferece, com o Jubileu, uma hermenêutica da Misericórdia, que a Igreja, segundo as palavras inaugurais de Roncalli, usa como um medicamento que deve ser preferido às armas da severidade.
O Jubileu, por fim, é um apelo ao povo cristão (um tema da teologia de Lucio Gera) como portador do testemunho de fé aos pastores e com os pastores. Esse rio de peregrinos dirá, com a sua devoção, que o sentido deste papado não está na ilusão de que o antecessor hipoteque as suas escolhas, nas previsíveis resistências da máquina curial, na capacidade desta ou daquela voz de se "anexar" ao pontífice com o propósito da própria carreira.
Irá testemunhar, como dizia o Papa João XXIII, que "não é o Evangelho que muda, somos nós que começamos a compreendê-lo melhor".
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Jubileu, a resposta de Francisco para os defensores do rigor. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU