18 Fevereiro 2015
Em suas 15 peregrinações anteriores, o grupo católico de defesa dos direitos dos homossexuais chamado New Ways Ministry atraiu, talvez, duas dúzias de pessoas para uma visita a locais sagrados como Assis e Roma.
No ano passado, o número de peregrinos duplicou inesperadamente para 50.
Esta diferença se deve ao assim-chamado “efeito Francisco”, onde a aceitação de braços abertos do papa está trazendo novas esperanças aos católicos gays e lésbicas que se sentiram excluídos da Igreja durante década.
A reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service, 16-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O mais surpreendente é que tanto o grupo New Ways quanto uma outra organização católica LGBT na Inglaterra estão encontrando apoio da hierarquia católica em seus esforços no sentido de se reunir com o pontífice quando ambos visitarem o Vaticano na Quarta-feira de Cinzas (dia 18 de fevereiro), início da Quaresma, período de penitência e jejum que precede a Páscoa.
Por exemplo, Dom Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia e principal assessor do Papa Emérito Bento XVI, respondeu ao pedido do New Ways para um encontro/saudação papal reservando entradas para o grupo na audiência pública semanal de Francisco na Praça de São Pedro. Não é um encontro privado – que é difícil para qualquer um conseguir –, mas já é alguma coisa.
O embaixador do papa em Washington encaminhou um pedido semelhante a Roma. Até mesmo o arcebispo de San Francisco, Dom Salvatore Cordileone – principal representante da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA na batalha contra o casamento homoafetivo – escreveu uma carta ao Vaticano em nome do grupo.
Em dezembro passado, Cordileone teve um encontro construtivo com Frank DeBernardo, diretor executivo do New Ways, e com a Irmã Jeannine Gramick, cofundadora do grupo e uma defensora de longa data da inclusão da comunidade LGBT na Igreja. Ambos ficaram surpresos com a disposição do arcebispo em escrever ao Vaticano uma carta por eles.
Além disso, o cardeal inglês Vincent Nichols, de Westminster, enviou uma calorosa bênção a um grupo de católicos LGBTs de Londres que se reuniram com o New Ways em Roma. “Tenham certeza de minhas orações por cada um e cada uma de vocês”, escreveu Nichols. “Tenham uma maravilhosa peregrinação. Deus abençoe a todos vocês”.
“Percebo que esta reação positiva que estamos tendo da hierarquia deve-se ao espírito de acolhida do Papa Francisco, que quer dar as boas-vindas a todos e todas”, disse Gramick por telefone, direto de Assis, local que foi a última parada dos peregrinos antes de rumarem para Roma.
“Isto é um tanto encorajador para as pessoas que se sentiram deslocadas e rejeitadas durante muito tempo. Estamos muito esperançosos”.
A Irmã Gramick sabe o que é ser rejeitada. Em 1999, ela foi silenciada pelo Vaticano por seu trabalho “errôneo e perigoso” junto aos católicos gays. Ela e um padre que cofundou o New Ways Ministry em 1977 haviam “causado confusão entre os católicos e prejudicado a comunidade igrejeira”, disse o departamento chefiado pelo Cardeal Joseph Ratzinger, que mais tarde seria eleito Papa Bento XVI.
O trabalho deste ministério – o New Ways Ministry – foi considerado “inaceitável em termos doutrinais”. Um ano mais tarde, a Irmã Gramick foi proibida até de falar soobre os 11 anos de seu trabalho, ordem a que ela recusou a aceitar. Em 2010, a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA se referiu ao New Ways como não “tendo a aprovação nem reconhecimento da Igreja Católica”.
Hoje, o grupo espera que o Vaticano o inclua na lista dos grupos oficiais de peregrinos lidos em voz alta na audiência pública. Seus participantes adorariam também chegar perto o suficiente do papa para dar-lhe um aperto de mãos e, talvez, posar para uma foto enquanto ele passa por meio da multidão.
Isto tudo pode parecer coisa pequena, mas os católicos LGBTs dizem que, na verdade, tais aberturas representam um enorme passo, considerando como foram eles tratados sob os papados de Bento XVI e São João Paulo II.
Francisco, por outro lado, alterou claramente o tom da conversa, mesmo se mudanças substanciais ainda não foram feitas.
Esta mudança começou com alguns dizeres marcantes do pontífice, em particular aquele feito durante a coletiva de imprensa a bordo do avião que o trazia do Brasil a Roma em julho de 2013, ocasião em que lhe perguntaram sobre se um gay poderia ser padre. Aqui, Francisco disse: “Se alguém é gay e busca ao Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”.
Ele até usou a palavra inglesa “gay”, algo que nenhum papa havia feito até então, já que a maioria dos bispos preferem o termo mais clínico “homossexual”.
Poucos meses depois, Francisco pessoalmente respondeu a um apelo feito por um grupo católico gay em Florença, dizendo-lhes que gostou da carta a ele enviada e assegurou-lhes de sua bênção.
E então, no mês passado, surgiu a notícia de que Francisco se reuniu com um transgênero espanhol que havia escrito ao papa – com o auxílio de seu bispo – após se sentir rejeitado na paróquia local por causa de sua operação de mudança de sexo. Foi um momento comovente para Diego Neria Lejarraga e para muitos católicos LGBTs.
“Este cara ama o mundo inteiro”, disse à CNN, referindo-se a Francisco. “Acho que não há, em sua cabeça, em seu modo de pensar, discriminação contra ninguém. Estou falando sobre ele, não sobre a instituição”.
Francisco também encorajou discussões sobre o trabalho da Igreja para com os católicos gays e lésbicas no último encontro (em outubro) dos principais cardeais e bispos sobre a vida familiar – discussões que produziram alguns elogios interessantes, alguns até inéditos, por parte dos líderes eclesiásticos relativos à fé e ao testemunho dos católicos LGBT.
Ao mesmo tempo, Francisco tem frequentemente reiterado que o ensinamento da Igreja sobre o matrimônio é somente entre um homem e uma mulher, e criticou o que chama de “colonização ideológica da família” por parte dos países ocidentais, linguagem que faz referência, em parte, aos esforços em promover o casamento gay e outras questões em países em desenvolvimento. O pontífice tem criticado veementemente também a “teoria de gênero”, que, para muitos, é um chavão suspeito da cultura secular.
Mesmo assim, os líderes do New Ways Mnistry e outros católicos gays enxergam verdadeiras razões para estarem esperançosos, e não apenas para eles mesmos.
Desde o começo de seu papado, Francisco procurou mudar o foco da hierarquia para longo daquilo que ele disse ser uma “obsessão” com questões sexuais e apontar a atenção no sentido de uma maior preocupação para com os pobres e todos aqueles que são rejeitados pela Igreja e pela sociedade – prioridade de justiça social que muitos católicos gays também partilham.
Além disso, os católicos LGBTs veem uma mudança no sentido de uma discussão aberta sobre uma gama de tópicos como bom para a Igreja e para eles mesmos.
“Embora a comunidade católica LGBT espera por mudanças, ela está realista o suficiente para saber que Francisco pode não fazer estas mudanças”, disse DeBernardo. “Mas ele está fazendo coisas que vão ajudar na vida espiritual destas pessoas”.
DeBernardo disse que muitos católicos gays não estão buscando a aprovação da Igreja, mas sim um reconhecimento de que existem e de que “sejam tratados como seres humanos”.
Uma foto ou referência verbal durante a audiência geral desta quarta-feira poder ser um tal reconhecimento. “Assumimos uma visão de longo prazo”, disse, a Irmã Gramick, “e cada passo é um progresso”.
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Católicos gays encontram um novo tom sob o Papa Francisco e com seus próprios bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU