Por: Ana Paula Abranoski | 30 Junho 2021
Construir estratégias profissionais e, na conjuntura atual, fortalecer o trabalho comunitário em resposta à crise pandêmica, para enfrentar os avanços das políticas neoliberais do atual governo, foram a pauta do debate [online] promovido pelo CEPAT, na última quinta-feira, dia 24 de junho.
A iniciativa contou com o apoio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Departamento de Ciências Sociais, da UEM, Curso de Serviço Social e Núcleo de Direitos Humanos, da PUCPR, e Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
Discutir o cotidiano profissional é um desafio para todas e todos, mas durante o encontro, Solange Fernandes (PUCPR) apontou alguns elementos para o fortalecimento do trabalho comunitário, com estratégias de participação e de resistência na defesa e garantia dos direitos humanos. Entre elas, atrair a participação da população com atividades que possam promover a discussão do cotidiano e a busca de respostas conjuntas.
Solange Fernandes, da PUCPR.
Fernandes destacou que quando temos um problema, precisamos olhar para a história, pois ela indica o caminho para as mudanças que precisamos fazer. Em relação ao avanço das políticas públicas, particularmente da Assistência Social, lamentou a tragédia que estamos vivenciando.
Então, diante da histórica correlação de forças na sociedade, com poderosos agentes contrários aos interesses da população vulnerável, como construir essa resistência? Por meio do Estado? São questões que só podem ser respondidos por nós todos. Não podemos esperar que a resposta venha do Estado, mas, sim, coletivizar as demandas e o caminho de superação da crise.
A população busca nos serviços socioassistenciais respostas aos seus problemas, sendo muitas vezes ignorada. A proposta, então, é romper com a imposição da lógica de respostas prontas, ineficazes, e contribuirmos para que os sujeitos sociais construam saídas possíveis para os problemas individuais e coletivos, considerou Fernandes.
E para construir todo esse processo de resistência é necessário investir na ampliação da autonomia profissional. Para Fernandes, muitas das políticas públicas construídas não foram acompanhadas pela perspectiva da autonomia dos sujeitos políticos, junto às comunidades e as populações mais vulneráveis. É necessário abrir espaços para mais de uma alternativa de trabalho, em um processo de construção de caminhos em sintonia com a realidade e as demandas dos indivíduos e comunidades, pois se não há alternativas, não somos livres.
Solange Fernandes, da PUCPR, e Maria Valdevânia de Assis, Trabalhadora SUAS de Curitiba.
E na conjuntura atual, quando as demandas da população não são atendidas, como sair desse impasse? Para Fernandes, é como se estivéssemos vivendo num período de guerra, não havendo outro caminho que não passe por saídas comunitárias. Não há respostas prontas, pois só pode ser encontrada no próprio fenômeno e de forma coletiva.
O Estado não consegue dar conta de tudo, o que não quer dizer que abrimos mão dele. Nós o disputamos e queremos que a população continue pressionando para diminuirmos o fosso da desigualdade social. Nesse sentido, Fernandes avalia que nós, trabalhadoras(es) do SUAS, militantes sociais, das pastorais sociais, dos grupos de associações, estamos muitos passivos e paramos de reivindicar. Muitos espaços de participação desapareceram.
Mas o que é efetivamente um trabalho comunitário? Como se dá? Para Fernandes, é preciso conhecer a comunidade, saber como esta comunidade se identifica, quais são suas demandas, com começo, meio e fim. A metodologia precisa estar baseada no próprio movimento das capacidades dos moradores em questão, podendo ser múltipla, seja através da cultura, da juventude, de um grupo de mulheres, de idosos, etc.
Nós, trabalhadoras(es) do SUAS, precisamos contribuir para a articulação da participação, com um planejamento consistente que deve estar aliado ao diagnóstico territorial, possibilitando uma leitura crítica das realidades vivenciadas, das vulnerabilidades existentes e também das potencialidades.
Outro fator importante é trabalhar com os princípios da autogestão, com a economia solidária. É preciso apostar na autonomia das pessoas e acreditar que possuem condições de se superarem, mas em certos momentos cometemos o equívoco de achar que só os técnicos possuem as repostas.
Fernandes alertou sobre a importância de treinarmos o nosso olhar, apontando para a necessidade do rompimento com as visões preconceituosas e conservadoras que permeiam a sociedade. É fundamental ter um pensamento autônomo para realizar a defesa dos direitos humanos.
É preciso uma postura ética frente às diversas demandas apresentadas pela comunidade, não permitindo que os nossos valores e crenças influenciem negativamente neste trabalho, preservando com esta comunidade suas diversas histórias de vida, com o intuito de não cair no paradigma da “culpabilização” da comunidade por sua situação de pobreza, desemprego, entre outros.
Ana Paula Abranoski, do CEPAT, Solange Fernandes, da PUCPR, Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos, do CEPAT, Maria Valdevânia de Assis, Trabalhadora SUAS de Curitiba e Lilian Avanzo, do CEPAT.
É um chamado a que reprogramemos o nosso olhar para o capital intangível. Isso implica olhar para um grupo de mulheres, por exemplo, enxergando nelas a potência para a construção das respostas que precisam.
A sociedade almeja mudanças, mas não consegue identificar como chegar a um resultado positivo. Nesse sentido, o profissional da assistência social, quando pautado por um compromisso ético e político, pode orientar essa busca e auxiliar nos caminhos rumo a esse propósito.
E vale destacar que a partir da destituição de Dilma Rousseff, houve o desmantelamento das políticas públicas, iniciado com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os investimentos em serviços públicos como educação, saúde e assistência social, dando início a um processo muito intenso de desmonte das estruturas do Estado brasileiro. Tivemos um período de desmonte de políticas públicas importantes, deixando as comunidades ainda mais vulneráveis.
Enquanto tais políticas públicas seguem menosprezadas, resta ao povo a auto-organização, o apoio dos movimentos populares e para nós, trabalhadras(es) do SUAS, é o momento de quebrar paradigmas, de criar vínculos de confiança com a comunidade e promover o acesso a direitos. Em tempos de covid-19, precisamos do nosso espírito de luta rejuvenescido por uma justiça social efetiva, contando com toda a solidariedade e potencialidade existente na comunidade.
Ao final, Solange Fernandes reforçou que é preciso enxergar o que queremos e o que temos na comunidade, para ver o que é possível ser feito. As(os) trabalhadoras(es) do SUAS precisam estimular a celebração, o fortalecimento, o conhecimento e o compromisso com a mudança. É preciso superar o medo do desconhecido e ousar em novas práticas sociais.
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Desafios socioassistenciais: coletivizar as demandas e o caminho de superação da crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU