Por: Ana Paula Abranoski | 21 Mai 2019
Não há nada mais triste do que enterro de pobre. Porque o pobre começa a ser enterrado em vida. Quem diz é Antônio, um homem esculpido pelo barro de uma humildade mais antiga do que ele. (Eliane Brum)
Foi com essa reflexão que a professora Solange Fernandes (PUCPR) deu início à quarta edição do ciclo de estudos e debates Trabalhadoras(es) do Sistema Único de Assistência Social, que já abordou duas temáticas até aqui: “SUAS: desafios frente à nova conjuntura”, no dia 16 de abril, e “O protagonismo das(dos) trabalhadoras(es) do SUAS nos espaços de organização política e social”, no dia 14 de maio. A iniciativa é promovida pelo CEPAT, com o apoio do IHU.
Debate do primeiro encontro (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)
Solange Fernandes buscou romper com a visão comum que cria uma dicotomia entre teoria e prática, como se fossem coisas distintas. Além disso, abordou o movimento dialético da história. Em sua opinião, a(o) trabalhadora(o) do SUAS precisa ter a capacidade de compreensão da realidade. E mais que isso, a realidade precisa ser transformada para que as consciências possam mudar. Para Fernandes, a realidade não é boa e nem ruim, ela simplesmente é! A forma como se resolve uma contradição, destruindo uma velha forma e gerando uma nova, não é boa, nem má, mas, sim, necessária.
A conjuntura do momento atual, com o cenário caótico imposto pelo novo governo, irá impactar diretamente no trabalho desenvolvido a partir do SUAS e na sociedade brasileira. Estamos a um passo de voltarmos para uma miséria imensurável, num ambiente de violência e criminalização. Falar desta conjuntura é falar também da face mais dura do processo de manutenção do poder pela via do extermínio da vida, com o uso da força e da violência.
Neste ataque aos pobres e vulneráveis, as mulheres e jovens negras (os) são as principais vítimas de uma cultura que fomenta o ódio contra as diferenças de cor/raça, sexualidades e territórios. Então, como sobreviver a esta conjuntura?
Diante de tempos sombrios e de investida radical do neoliberalismo, Fernandes chamou todos e todas à resistência. Quem trabalha com políticas públicas precisa ter um posicionamento político. Lutar por políticas públicas é lutar por direitos humanos. Temos um papel importante para o enfrentamento de desafios e contradições presentes na realidade, juntamente com a sociedade, contribuindo para a construção da cidadania.
Fernandes reforçou que precisamos tomar consciência para além de si (em si...para si...para além de si). Também considera que a crise é uma possibilidade concreta para buscarmos respostas coletivas e qualificadas, pois a resposta para o fenômeno está dentro dele. É nessa perspectiva sócio-histórica que se encontra saídas.
“Precisamos continuar nosso caminho”, propõe Fernandes. É tempo de retomarmos o trabalho e fazermos uma autocrítica, avaliando também o nosso modo de proceder, promovendo uma nova escuta social, sem esquecer do planejamento. Além disso, quando possuímos um conhecimento, há um compromisso ético em repassá-lo aos outros, já que o profissional da política da assistência social é como um marco na estrada. Nosso papel é também o de oferecer caminhos.
Em momentos de crise, é necessário retomar caminhos que nos fortaleçam, retomar estudos e debates. É preciso investir na formação de lideranças, promovendo novos atores sociais, a partir do fortalecimento de vínculos e trocas de experiências. Para Fernandes, isso se dá em um processo de reconexão entre seres humanos.
Essa reconexão é central se queremos vislumbrar novos horizontes, mantendo viva as nossas esperanças, conforme expressa muito bem a bela canção Al otro lado del río, de Jorge Drexler, que abriu o segundo debate, que se centrou no protagonismo das(os) trabalhadores(as) do SUAS.
O tema acerca do protagonismo se torna oportuno em tempos da ofensiva capitalista neoliberal contra os mais pobres e vulneráveis da sociedade e os que se indignam e lutam cotidianamente por justiça social. Estamos em meio a uma aprovação da reforma da previdência, de medidas administrativas e cortes orçamentários que enfraquecem o SUAS, o SUS e a Educação.
Para uma melhor compreensão acerca da ideia de protagonismo, Fernandes fez um resgate histórico do mesmo na fase juvenil, pois é nesta etapa que está presente a perspectiva de mudança. Para isso, retomou a proposta de Antônio Carlos Gomes da Costa para se referir ao jovem como elemento central da prática educativa, sendo o sujeito que deve participar ativamente de todo o procedimento, desde a elaboração, a execução até a avaliação das ações propostas. A ideia principal é fazer com que o jovem tenha uma legítima participação social, contribuindo não somente com a escola, mas também com a comunidade em que está inserido.
Debate do segundo encontro (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)
Ao pensar a realidade das(os) trabalhadoras(es) do SUAS diante de tal perspectiva, Fernandes questionou se fomos estimulados a ser protagonistas. Parece que não. Para ela, fomos “doutrinados” a seguir ordens, com isso, a sociedade, de um modo geral, nos doutrinou para nos colocar em um lugar social específico, sobretudo quando se trata dos filhos da classe trabalhadora. Grande parte das questões que nos limitam estão dentro de nós mesmos, da forma como fomos criados e doutrinados. Temos que olhar para além do imediato, buscar alternativas para além daquilo que o imediato está mostrando. É um exercício diário de olhar a mesma realidade sobre outra perspectiva. É necessário ter um projeto de sociedade e assumir este protagonismo.
O protagonismo está relacionado à autonomia, por isso é preciso se libertar das amarras institucionais, para que a(o) profissional da política da assistência social consiga ser ousada(o), buscando despertar seu potencial transformador. Desse modo, pode reconhecer seus limites e desenvolver habilidades, desafiando-se a fazer de um jeito diferente. Ser protagonista é não ter receio de se colocar à frente nos desafios, é saber se posicionar.
Como sujeito e voz coletiva, as(os) trabalhadoras(es) do SUAS precisam aprofundar seus conhecimentos e consolidar a autonomia profissional. Não é possível ser protagonista sem haver autonomia. É preciso acreditar naquilo que se faz e na potencialidade das ações. É necessário implementar um projeto político para estimular o protagonismo, superando o pragmatismo e o imediatismo, a partir de ações práticas que transformam, de forma criativa e propositiva, e com um planejamento consciente, crítico e flexível.
Para Antônia Valdecia de Assis, uma das participantes desse ciclo de estudos e debates, a primeira atitude de quem busca ser protagonista na garantia e na defesa dos direitos humanos é acreditar na potencialidade das pessoas. Outra questão é compreender e fazer memória que o SUAS é fruto de nosso protagonismo profissional na defesa e na consolidação da política nacional da assistência social. Para Assis, o SUAS existe porque somos protagonistas. “É um prejuízo para a população e para os direitos assistenciais quando vejo pessoas que vêm trabalhar nos Municípios e negam o processo de luta em defesa do SUAS. É um retrocesso!”, afirma Assis.
“Penso que se cada um de nós formos protagonistas em nossa atuação profissional, despertará o protagonismo tanto nas pessoas que estão trabalhando conosco, como nas pessoas que atendemos e, como consequência disso, atingiremos as comunidades. As comunidades são capazes de se levantar e fazer a defesa de seus direitos e nosso potencial técnico é estar à disposição e apoiar essas pessoas”, ressaltou Assis.
“Não podemos deixar que a conjuntura e que as dificuldades do cotidiano nos endureçam ou nos deixem desatualizadas. Estar em movimento, participando de processos como as mobilizações, nesse ciclo ou cursos de capacitação, nos fortalece e nos faz protagonistas”.
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Em tempos sombrios, ser protagonistas de novas práticas sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU