17 Mai 2016
“O governo interino não parece ter a redução de desigualdade como prioridade; muito pelo contrário”, afirma o economista.
Imagem: www.ecossocioambiental.org.br |
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o economista faz um balanço da redução das desigualdades no país nos últimos anos e pontua que “os governos do PT atuaram bastante sobre a desigualdade de renda corrente, por meio da política de valorização real do salário mínimo”.
Segundo ele, alguns dados ilustram o enfrentamento das desigualdades, como o fato de o Brasil ter saído do “mapa da fome da ONU”, o “aumento do investimento em educação como proporção do PIB”, o aumento da “frequência de crianças de quatro e cinco anos à escola e de jovens na universidade”, e “o fortalecimento do mercado de trabalho fez com que aumentasse a proporção de trabalhadores formais”. Entretanto, menciona, “não houve mudança significativa” na “desigualdade de patrimônio” e, portanto, “é preciso encontrar formas de tributar mais o patrimônio”.
Na interpretação de Fábio Waltenberg, no Brasil há um ataque às pautas sociais e “qualquer política que vise redistribuir minimamente mais do que se redistribui hoje é pejorativamente chamada de bolivariana, lulopetista, comunista, esquerdista etc. De modo caricatural, dá-se a entender que o que a esquerda deseja é transformar o Brasil numa Venezuela, numa Cuba, quando, na realidade, trata-se de políticas que, se implementadas, viriam a compor um estado de bem-estar social nos moldes dos que existem em países desenvolvidos da Europa e da América do Norte”.
Para ele, entre as políticas fundamentais a serem implementadas para reduzir as desigualdades, destacam-se: “tributar mais o patrimônio; tributar menos o consumo; reduzir os juros; manter ou ampliar políticas de distribuição de renda; aumentar os investimentos sociais”.
Fábio Domingues Waltenberg é professor-adjunto na área de microeconomia e bem-estar social no departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense. É doutor em Economia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, com a tese "Quantitative and normative analysis of educational inequalities, with reference to Brazil", e mestre e bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo - USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que balanço faz acerca do enfrentamento das desigualdades no Brasil nos últimos anos? As políticas adotadas pelos governos Lula e Dilma contribuíram para reduzir as desigualdades ou apenas a pobreza?
Foto: Arquivo Pessoal / Linkedin
Fábio Waltenberg - O professor Claudio Dedecca, da Unicamp, usa uma interessante categorização de dimensões das desigualdades:
1. Econômicas:
a) De renda corrente (fluxo): renda do trabalho, da proteção social, de aluguéis, de juros e dividendo, produção para consumo próprio.
b) De patrimônio (estoque): ativos imobiliários, ativos financeiros.
2. Sociais: As desigualdades que ele classifica como sociais são aquelas baseadas em bens fornecidos em bens e direitos, e não em forma monetária, como água e saneamento, agrária, alimentar, educação, energia, habitação, meio ambiente, previdência, trabalho, saúde, transporte.
Os governos do PT atuaram bastante sobre a desigualdade de renda corrente, por meio da política de valorização real do salário-mínimo (a política mais importante dos governos do PT), que impacta renda do trabalho e benefícios do INSS. Programas de assistência como Bolsa Família têm um impacto maior sobre redução de pobreza do que sobre redução de desigualdade, mas ainda assim contribuíram para a queda da desigualdade, de forma complementar à política de aumentos reais do salário mínimo. Os estudos mostram queda no índice de Gini de renda, que mensura desigualdade, de algo em torno de 0,60 para algo em torno de 0,50. Ainda é muito alta a desigualdade de renda, mas não dá para negar que caiu.
Houve algum avanço no combate às desigualdades classificadas como sociais por Dedecca - mais em algumas áreas que em outras. O Brasil saiu do "mapa da fome" da ONU; houve aumento do investimento em educação como proporção do PIB; aumentou bastante a frequência de crianças de quatro e cinco anos à escola e de jovens na universidade; o fortalecimento do mercado de trabalho fez com que aumentasse a proporção de trabalhadores formais; houve avanço em habitação. Em outras áreas, as melhorias não foram tão marcantes.
Quanto ao item 1b acima, o de desigualdade de patrimônio, não houve mudança significativa. Os estudos de Medeiros (IPEA) e seus coautores, bem como de Milá (orientado por Piketty) com dados das declarações de IRPF da Receita Federal, mostram que a renda e a riqueza dos mais ricos não se reduziram na última década.
"No campo da tributação, seria preciso reduzir o peso de impostos indiretos" |
IHU On-Line - Alguns especialistas fazem uma crítica ao modo como as políticas públicas foram implementadas nos últimos anos, porque teriam, segundo eles, beneficiado mais os rentistas e o setor privado do que propriamente as pessoas que necessitavam de políticas públicas. Como você analisa esse tipo de crítica?
Fábio Waltenberg - Muitas políticas beneficiaram quem mais necessitava, como explicado na resposta anterior. Mas também é verdade que rentistas e setor privado se beneficiaram também. Os rentistas, por exemplo, pelos juros ainda altos. Os juros baixaram bastante desde o início do governo Lula, mas ainda se mantêm num patamar muito elevado numa comparação internacional. Houve uma tentativa de Dilma de reduzi-los (para cerca de 2% em termos reais), mas durou pouco tempo. A pressão por juros altos é muito forte no Brasil.
Quanto ao setor privado, beneficiou-se do desenho de diversas políticas públicas. Como exemplo, cito empreiteiras em programas de habitação, grandes grupos educacionais em políticas como Prouni e FIES, ou o aumento acelerado de planos de saúde privados de qualidade duvidosa (hoje, o gasto nacional com saúde privada como proporção do PIB é maior que o gasto público com saúde). Alguns veem a participação do setor privado como algo a ser evitado, por princípio. Eu não vejo desta forma, mas o cuidado que se deve ter para que as políticas públicas não sejam formatadas segundo a vontade de grandes grupos empresariais é enorme. Algo muito difícil num sistema político com financiamento privado de campanha - empresas não doam por amor à agenda do partido, mas por interesse próprio.
IHU On-Line - Quais são os maiores desafios do Brasil em relação à redução das desigualdades? Em que aspectos as desigualdades foram reduzidas e em quais isso ainda não foi possível?
Fábio Waltenberg - No campo da tributação, seria preciso reduzir o peso de impostos indiretos - por exemplo, aqueles que incidem sobre bens e serviços como o ICMS - que são pagos por todos, independentemente da situação socioeconômica, em prol de incremento dos tributos diretos. Sobretudo, é preciso encontrar formas de tributar mais o patrimônio.
Isto permitirá aumentar os investimentos públicos em saúde, educação, habitação, enfim, em todos os bens classificados como sociais na resposta à primeira questão. É claro que é importante gerir melhor os investimentos públicos sociais, mas não há "melhoria de gestão" que compense uma situação de profundo subfinanciamento.
Enquanto isto não for feito, seguiremos tendo uma dualidade entre sistemas públicos subfinanciados destinados a pobres e remediados, e sistemas privados exclusivos a quem pode pagar caro por eles.
IHU On-Line - Quais são os fatores que dificultam a redução das desigualdades sociais no mundo de hoje, especialmente no Brasil?
Fábio Waltenberg - Há uma ofensiva muito forte no mundo todo contra pautas progressistas e em prol de uma agenda liberal. No Brasil, qualquer política que vise redistribuir minimamente mais do que se redistribui hoje é pejorativamente chamada de bolivariana, lulopetista, comunista, esquerdista etc. De modo caricatural, dá-se a entender que o que a esquerda deseja é transformar o Brasil numa Venezuela, numa Cuba, quando, na realidade, trata-se de políticas que, se implementadas, viriam a compor um estado de bem-estar social nos moldes dos que existem em países desenvolvidos da Europa e da América do Norte.
A não ser em períodos de grande bonança econômica internacional, como foi parte do governo Lula - em que todas as classes socais melhoraram -, em geral, implementar políticas em prol da redução da desigualdade implica conflitos distributivos. Passado o boom de commodities, que tanto beneficiou o Brasil, agora redistribuir é um desafio maior, porque requer mudanças estruturais.
IHU On-Line - Que tipo de ações um país precisa realizar para ter maior impacto na redução das desigualdades? O que seria uma política pública de fato republicana para reduzir as desigualdades?
Fábio Waltenberg - Tributar mais o patrimônio; tributar menos o consumo; reduzir os juros; manter ou ampliar políticas de distribuição de renda; aumentar os investimentos sociais.
|
"Não se pode resumir a desigualdade à desigualdade de renda" |
IHU On-Line - O conceito desigualdades é o que melhor expressa as dificuldades em torno das questões sociais? Outros conceitos ajudam a pensar essa questão?
Fábio Waltenberg - O conceito de desigualdades é importante, desde que visto em sua forma multidimensional (como explicado na primeira questão). Não se pode resumir a desigualdade à desigualdade de renda, pois seria muito redutor.
Há conceitos como o de funcionamentos e capacidades, cunhados pelo economista indiano Amartya Sen, que também são úteis. Funcionamentos são resultados ou conquistas relevantes das pessoas (exemplo: aprender a ler é algo importante, assim como ter o que comer). Capacidades é a liberdade de que efetivamente dispõe uma pessoa (exemplo: aprender a ler e ter o que comer é importante, porque dá mais opções de escolha a quem alcançou tais resultados).
Combinando funcionamentos, capacidades e desigualdades multidimensionais, temos um quadro conceitual que permite fazer boas análises.
IHU On-Line - No atual contexto de crise econômica que o Brasil vive, o que vislumbra em termos de enfrentamento das desigualdades? Qual deve ser o cenário dos próximos anos? Muitos especialistas falam que haverá retrocessos. Concorda?
Fábio Waltenberg - O governo interino não parece ter a redução de desigualdade como prioridade; muito pelo contrário. Mas é difícil falar sobre o contexto atual, porque estamos sob comando de um governo interino, que pode durar seis meses ou sobreviver a uma nova votação no Senado e durar dois anos e meio. Talvez possamos ter uma ideia das perspectivas de futuro daqui a seis meses.
Por Patricia Fachin
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Houve avanços no combate às desigualdades, mas futuro é incerto. Entrevista especial com Fábio Waltenberg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU