30 Novembro 2010
Enquanto o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, era ocupado pela polícia no domingo, operação que segue ainda durante a semana, iniciou-se a discussão do sentido e do que está em jogo com essa ação da polícia. Para o sociólogo Ignácio Cano, a “grande ação” de ocupação do Alemão “é uma regressão no sentido dessas políticas públicas reativas que consistiam numa retaliação territorial contra áreas cujos dirigentes criminosos, teoricamente, teriam ordenado as ações na cidade”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Cano fala sobre o posicionamento da polícia e das autoridades e aponta soluções para o problema do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. “Pela experiência das UPPs todas as comunidades têm agora a perspectiva da pacificação. A entrada da polícia significa a possibilidade de que o Alemão seja, finalmente, pacificado. Por isso, não me surpreende o apoio que a população tem dado. Mas não podemos esquecer que quando o tráfico e a própria milícia querem pacificar o local, eles também recebem o apoio de parte da população. O que as pessoas querem é viver tranquilas, é voltar para casa sem medo de tiroteio... qualquer um que fornecer isso será apoiado”, afirmou.
Ignácio Cano é sociólogo graduado pela Universidad Complutense de Madrid, na Espanha. Nesta mesma universidade, realizou o doutorado em Sociologia. Fez pós-doutorado na University of Michigan, na University of Arizona e na Lancaster University. Atualmente, é consultor do Observatório das Favelas e do Governo do Estado de Minas Gerais. Coordena pesquisa na Ong Conectas e na Fundação Heinrich Böll. Também é professor do curso de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a chamada “grande ação” deste domingo no Complexo do Alemão?
Ignácio Cano – Em primeiro lugar, avalio com preocupação pelo seguinte motivo: nós tínhamos, no Rio de Janeiro, uma evolução com a criação das UPPs quando começamos a passar de uma política reativa (quando o crime fazia alguma coisa, o estado tomava alguma atitude de represália) para uma política mais planejada (em que o estado tinha uma agenda que ia desenvolvendo). Em função do que aconteceu na semana passada, a ação ocorrida no Complexo do Alemão é uma regressão no sentido dessas políticas públicas reativas que consistiam numa retaliação territorial contra áreas cujos dirigentes criminosos, teoricamente, teriam ordenado as ações na cidade.
Quando há ações como essa, de queimada de carros, o mais lógico seria investigar quem está por detrás disso, prender os responsáveis e, se já estiverem presos, o que é uma possibilidade real, colocá-los em isolamento, ao invés de fazerem operações territoriais. Mas como houve esse pânico na cidade, a sensação de intimidação, o governo resolver organizar uma ação como essa, de alto valor simbólico, ou seja, ir lá no local – considera o mais perigoso – onde tem uma maior veiculação de pessoas trabalhando no tráfico. Nesse sentido, é um retrocesso. Ainda assim, vejo com um certo alívio, porque o banho de sangue que poderia ter acontecido – e já aconteceu há três anos – não ocorreu, felizmente.
As autoridades de hoje se colocam com muito mais cuidado em relação às intervenções. O mesmo secretário de segurança que, há três anos, disse que não dava para “fazer omeletes sem quebrar ovos”, ou seja, sem causar mortes entre a população, é o secretário que hoje diz que tem que preservar as vidas. Houve uma evolução positiva em função das Olimpíadas e da Copa do Mundo que fazem com que o Rio de Janeiro seja muito visibilizado em operações do teor da de 2007 e que, hoje, teriam uma repercussão internacional muito negativa.
IHU On-Line – O funcionamento do comando do tráfico no Complexo do Alemão é diferente das outras favelas cariocas?
Ignácio Cano – O Alemão simplesmente acabou centralizando muitas lideranças do crime que foram expulsas de outras áreas e fugiram para lá. Além disso, é um complexo de favelas muito grande. Então, o Complexo do Alemão se diferenciava mais pelo tamanho e pela concentração de lideranças. No mais, é muito semelhante às outras comunidades. O tráfico, em geral, é muito fragmentando, ainda que seja visto como uma grande organização.
IHU On-Line – Como você analisa a forma como a mídia tem atuado junto às operações?
Ignácio Cano – De forma muito preocupante porque tem criado um espetáculo em relação à violência. A mídia tem reforçado a metáfora da guerra, da vitória e tem tratado a operação como se fosse a conquista do quartel do exército inimigo. O que não existe. É como se depois dessa ocupação nós tivéssemos vencido a suposta guerra e aí já não tivéssemos mais problemas de segurança pública. Ela está usando um triunfalismo muito grande.
Sem dúvida alguma, há um problema de segurança pública que precisa ser contornado, mas o próprio Estado age, às vezes, de forma criminosa ou excessiva. Ou seja, essa polarização que a imprensa faz, entre o bem e o mal, é simplista. Quem mora nessas comunidades e vive essa realidade não vê a questão dessa forma.
IHU On-Line – Especialistas dizem que nunca a população se revoltou e denunciou tanto quanto hoje. Por que só agora os cariocas resolveram agir?
Ignácio Cano – Pela experiência das UPPs todas as comunidades têm agora a perspectiva da pacificação. A entrada da polícia significa a possibilidade de que o Alemão seja, finalmente, pacificado. Por isso, não me surpreende o apoio que a população tem dado. Mas não podemos esquecer que, quando o tráfico e a própria milícia querem pacificar o local, eles também recebem o apoio de parte da população. O que as pessoas querem é viver tranquilas, é voltar para casa sem medo de tiroteio... qualquer um que fornecer isso será apoiado.
IHU On-Line – Por que o governo não tem mais apostado em informação e inteligência, mas tem apostado na política pacificadora (UPP)?
Ignácio Cano – Ambas não são incompatíveis, mas a inteligência e, sobretudo, a luta contra o crime organizado e a corrupção no aparato do Estado deveriam ser prioridades, mas não o são porque afetam muitos interesses. A política de pacificação é muito necessária, porque temos que recuperar o controle dos territórios, mas precisa de uma política complementar de inteligência e, sobretudo, contra a corrupção.
IHU On-Line – O senhor defende o monitoramento dos policiais e metas de redução dos autos. Como isso pode ser feito?
Ignácio Cano – Seria simples. Da mesma forma que a polícia tem metas de redução da criminalidade, bastaria o governo dizer “quem fizer apreensão de armas com menos mortes vai ganhar um prêmio”. Isso seria simples. Quando o governo, em 1998, premiava os policiais que matavam, o número de mortes aumentou, assim como os índices de abusos das forças policiais. Então, é simples: você premia por um conceito e este acaba acontecendo. Mas o governo, infelizmente, nunca fez esse tipo de recompensa.
IHU On-Line – Que tipo de segurança temos que pensar para o país?
Ignácio Cano – Uma segurança integradora e cidadã. Nesse sentido, o Pronasci é um modelo correto. Ainda assim, os gastos deste programa têm que ser questionados e seus projetos discutidos, mas em linhas gerais é preciso seguir na ideia de uma segurança integradora. Nesse sentido, é preciso insistir na política de pacificação e é preciso haver outra política para áreas não pacificadas, porque a expansão das UPPs é muito lenta. Precisamos de uma política de reforma policial e investimento social para essas áreas.
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A ação policial e militar no Complexo do Alemão é uma regressão. Entrevista especial com Ignácio Cano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU