26 Julho 2010
O amianto é o nome comercial genérico para uma variedade fibrosa de seis minerais metamórficos naturais utilizados em produtos como telhas, caixas d`água, coberturas de edifícios, vestimentas e revestimentos à prova de fogo, isolamento térmico, entre outros. Trata-se de um material com grande flexibilidade e resistência tênsil, química, térmica e elétrica, mas que pode causar câncer tanto nos trabalhadores que lidam diretamente com essas fibras quanto na população que adquire produtos com amianto.
O debate acerca do banimento do amianto já existe há muitos anos, mas a articulação entre empresas e sindicatos deste setor conseguiu, em grande parte, manter a utilização do mineral. Porém, estados como São Paulo já criaram leis proibindo a produção e comercialização de materiais com essa variedade fibrosa. “Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas já desenvolveram tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos”, diz Fernanda Giannasi que luta há 25 anos contra o amianto.
Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, a engenheira civil e auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, narrou sua trajetória de luta e analisou a situação atual do Brasil em relação ao banimento e aos substitutos ao amianto..
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você luta há 25 anos contra o amianto. Como você se inseriu nessa luta?
Fernanda Giannasi – Em 1986, fui aprovada em um concurso público para o cargo de Auditora Fiscal. Na época, podíamos atuar em três áreas: engenharia, medicina e direito. Eu vinha da área de pesquisa na área de engenharia de materiais, e, por coincidência, atuava no Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde faziam pesquisas sobre a substituição do amianto. No final dos anos 1980, a própria Eternit, que hoje luta para manter o amianto, realizava pesquisas com diversas fibras que poderiam substituí-lo, porque já existia uma indicação que poderia banido.
Quando eu entrei no Ministério do Trabalho, fiquei surpresa com a demanda que vinha para a fiscalização em relação ao amianto. Com isso, eu e um colega médico resolvemos mudar a dinâmica e, ao invés de ficar analisando processos de protocolo, começamos a reunir dados para identificar os riscos do ambiente de trabalho e, é claro, que o amianto saltou aos olhos. Havia, nesse período, uma discussão internacional pelo banimento do amianto, existia um fórum na Organização Internacional do Trabalho - OIT que debatia se o mineral deveria ser proibido ou se era possível utilizá-lo controladamente. Com esses dados concretos em mãos, passamos a fiscalizar as empresas de São Paulo.
Eu tenho uma convicção muito grande que, ao longo destes anos, fomos amadurecendo com os debates. Não foi uma coisa assim: “baniram lá fora e temos que banir no Brasil”. É uma trajetória de 25 anos de luta. Quando começamos esse trabalho contra o amianto, o Brasil não tinha tecnologia, não tinha trabalhadores organizados, tinha sindicatos já comprometidos com as indústrias. E nós fomos dialogando com todos os setores, acompanhando a evolução tecnológica. Hoje, eu posso dizer que se o banimento do amianto no Brasil for decretado não vai haver nenhum desabastecimento e ninguém vai ser pego desprevenido. Tenho fiscalizado as empresas do estado de São Paulo que continuam brigando para usar o amianto e elas estão abarrotadas de material para a substituição. Então, não usar mais o amianto é uma questão de vontade política.
IHU On-Line – Quem ainda usa amianto no Brasil?
Fernanda Giannasi – Existem duas questões que precisam ser trazidas para responder a esta questão. Primeiro é a mineração que deixa de existir com o banimento do amianto. E ali existem 600 postos de trabalhos que precisam ser tratados com muita responsabilidade. É preciso fazer uma política de reciclagem e oferta de novos empregos. Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas empresas já desenvolveram a tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos.
Um exemplo é a tecnologia utilizada para fabricar telhas em cerâmicas. O amianto acaba sendo muito mais barato em comparação aos seus substitutos, como o PVA, o poliprotuleno ou outra fibra de reforço. As indústrias sabem que vão perder o monopólio ou a liderança do mercado de coberturas, mas não querem abrir mão disto.
Um terceiro setor que ainda insiste em descumprir a legislação é o de materiais de isolamento térmico. Como o Brasil já não mais produz estes materiais (papelões hidráulicos, gaxetas, juntas), está importando da China. No entanto, não existe uma política federal que impeça isso. O Ministério de Trabalho de São Paulo tem feito uma forte luta nesse ramo do comércio de produtos importados com amianto.
IHU On-Line – Se existem alternativas para o amianto, porque ele ainda é tão utilizado?
Fernanda Giannasi – Em função do custo. Como o Brasil é um grande produtor, o custo fabricação com o amianto é muito menor em relação ao mesmo processo com materiais substitutivos. Além disso, a fábrica que usa amianto não computa os custos sociais e ambientais. Hoje, a comparação é feita “ponto a ponto” e, olhando desta forma, a fibra do amianto custa 30 vezes menos do que uma fibra de carbono ou de vidro, por exemplo. Com este tipo de comparativo, o consumidor e os políticos se assustam, uma vez que, desta forma, os custos de uma edificação parecem aumentar absurdamente. Mas não se pode fazer comparações nestes termos.
O grande apelo que a indústria do amianto tem é o de dizer que o produto dela custa menos e é voltado a um público de menor poder aquisitivo, o que não é verdade. Outra questão: os números astronômicos de empregos que eles dizem gerar. A indústria do amianto diz ter 200 mil postos de trabalho. No entanto, a cadeia produtiva desse mineral gera três mil empregos, sendo que 600 já correm realmente o risco de extinção, uma vez que são aqueles ligados à mineração.
A indústria coloca nessa conta os postos de trabalho gerados pela construção civil. No entanto, o trabalhador que monta um telhado pode trabalhar com matérias que utilizam ou não o amianto. A indústria do amianto também contabiliza o emprego do comerciante que vende telhas e caixas d’água. Mas este também não é um emprego gerado pelo setor do amianto. O mesmo ocorre com o caminhoneiro que transporta o material. Esse número inflacionado realmente é um mito.
IHU On-Line – O sindicato que representa a construção civil ainda está ligado à indústria?
Fernanda Giannasi – Venho denunciando há mais de 20 anos essa ligação umbilical dos sindicatos da construção civil com a indústria do amianto. Parte ou a maioria dos sindicatos têm um relacionamento promíscuo com a indústria. Algumas entidades foram criadas pela própria indústria, fato que denunciei à OIT (Organização Internacional do Trabalho) como um crime contra a organização dos trabalhadores. Temos provas de que existe uma ligação entre a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA) à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e que entre elas há um acordo de financiamento das ações pró-amianto. Isso é um crime que fere as Convenções da OIT.
Nós temos dúvidas até sobre o processo de criação destes sindicatos. O que sabemos é que, de fato, eles não têm legitimidade e representatividade, uma vez que são interlocutores das indústrias, fazendo chantagem com os trabalhadores ao afirmar que se o amianto for banido, os funcionários perderão seus empregos. O trabalhador não tem opção, ele tem que optar entre a saúde e o emprego. Assim, enquanto tem saúde, escolhe o emprego. Porém, quando ele perde a saúde a situação fica muito difícil. Por isso, tem aumentado muito o número de associações de vítimas do amianto nos estados.
IHU On-Line – Que exames precisam ser feitos para se detectar que um trabalhador está doente em função do seu contato com o amianto?
Fernanda Giannasi – Esses exames são os preconizados pela própria OIT através da convenção 162. Num primeiro momento, é feito um exame clínico para que se possa saber quais são as queixas que o trabalhador tem. Depois, há a teleradiografia de tórax que mede a capacidade respiratória do funcionário. Estes são os exames preconizados pela OIT que as próprias indústrias devem realizar anualmente com seus funcionários. Quando o trabalhador é demitido, a indústria é obrigada a acompanhá-lo por 30 anos, oferecendo estes exames, mesmo que não haja mais vínculo empregatício, e o custo é da empresa.
IHU On-Line – Como a senhora avalia o trabalho da vigilância dos trabalhadores expostos ao amianto?
Fernanda Giannasi – Embora a lei de 1995 do uso controlável diga que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve fazer esta vigilância, a Legislação trabalhista diz que o empregador tem obrigações de fazê-lo. No entanto, ainda não houve de fato um compromisso do Governo brasileiro com esta questão. As vítimas estão aparecendo muito tempo depois de se desligar do trabalho com o amianto. Nós temos alguns centros de excelência, como a Fiocruz e a Fundacentro, que estão acompanhando todas as fábricas que utilizam essa fibra. Agora, ainda falta uma decisão política para que a vigilância seja um programa de governo, onde o Ministério da Saúde possa preparar seus profissionais e seus os centros com os equipamentos para que se possa fazer os diagnósticos. E nós vamos pressionar para que isso se torne realidade.
IHU On-Line – Apesar da proibição e restrição ao uso, uma variação da substância conhecida como amianto branco é produzida e exportada para diversos países. O que é o amianto branco?
Fernanda Giannasi – Na verdade, o amianto conhecido hoje é um conjunto de materiais fibrosos que tem características específicas, como a grande resistência ao calor, a chamas e a produtos químicos. Entre os amiantos, há o amianto branco, o amianto azul, o amianto marrom. Hoje, quem fala que existe diferença entre amiantos é a indústria, porque ela procura a culpabilidade aos outros tipos de amianto para todos os males da humanidade. Mas já há estudos que provam que o amianto branco, que é menos agressivo que o amianto azul e marrom, também causa câncer.
Dizer que o amianto azul ou o amianto marrom são os culpados é uma bobagem, o amianto branco também é indutor do câncer. Tanto que a Agência de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde não faz distinção entre os amiantos, todos eles são reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos. Então, esta é uma discussão criada para adiar a decisão do banimento. Qualquer cientista e pesquisador sério sabe que não existe diferença entre os amiantos para o efeito do câncer.
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Uma luta pelo banimento do amianto. Entrevista especial com Fernanda Giannasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU