10 Fevereiro 2010
“São cargos importantes, secretários gerais de ministérios, secretários de gabinete, enfim, pessoas muitos importantes para a administração pública, e as suas indicações são feitas sem que haja um debate público, sem que seja apreciada a competência dessa pessoa. Essa transparência na indicação mostraria que a administração pública tem critérios mais impessoais e rigorosos”. Assim, a professora Maria Celina Soares D`Araújo define a elite dirigente presente no governo Lula. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Maria Celina explicou sua pesquisa sobre a máquina politizada no âmbito do Poder Executivo nacional, registrada no seu mais recente livro A elite dirigente do governo Lula (Rio de Janeiro: Ed. PUCRio, 2010). Segundo ela, “este estudo revela muito sobre o perfil do funcionário público e este é altamente mobilizado, partidariamente, é petista e sindicalizado. Ao contrário do que se diz, esses são cargos loteados”.
Maria Celina Soares D`Araújo é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, mestre e doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, com pós-doutorado pela University of Florida (EUA). Atualmente, é professora na PUCRio. Também escreveu Governo Lula, contornos sociais e políticos da elite no poder (Rio de Janeiro: Cpdoc, 2007), Capital Social (Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2003), entre outros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir da sua pesquisa, quais as principais características da máquina pública federal?
Maria Celina Soares D`Araújo – O Brasil se ressente muito de estudos que mostrem o perfil, as qualidades, as características de seus quadros dirigentes. Nós não conhecemos quem manda no dinheiro, quem manda na vida pública, temos muito poucas informações a respeito disso. Não temos um banco de currículos dessas pessoas, não temos informações fáceis. Em uma democracia, é importante que saibamos quem são as pessoas que operam a máquina pública, que autorizam despesas, e assim por diante. Este foi o objetivo do trabalho: conhecer essas pessoas, saber quem elas são, onde estudaram, de que tipo de famílias elas vêm em termos socioeconômicos, quais são suas habilidades específicas e gerais, o grau de escolaridade, enfim, saber se têm a qualificação adequada para o exercício dos cargos. Além disso, indagamos sobre a vida participativa e associativa dessas pessoas. Procuramos saber se essas pessoas têm vínculos fortes com sindicatos, com partidos, com associações de bairro e profissionais, enfim, um perfil associativo e político. Ou seja, fizemos um perfil acadêmico, profissional e um perfil associativo e político dessas pessoas.
"Não podemos, com esta pesquisa e nossos dados, emboçar a tese que diz que esses cargos são preenchidos só por clientelismo"
Com esse quadro, tentamos definir alguns parâmetros sobre quem é essa elite. E chegamos à conclusão de que, do ponto de vista profissional, trata-se de um grupo muito educado, instruído, com experiência profissional e que tem habilidades para ocupar os cargos que estão ocupando. Não podemos, com esta pesquisa e nossos dados, emboçar a tese que diz que esses cargos são preenchidos só por clientelismo. Vemos que não é assim, é um grupo qualificado. Porém, observamos também que é um grupo com uma grande participação sindical, partidária e associativa em geral e está muito acima da média da população brasileira. Praticamente, metade filiada a um sindicato, um quarto filiada ao PT, e isso é muito acima dos padrões brasileiros. Além disso, eles têm vínculos muito fortes com associações profissionais e movimentos sociais. É um grupo, academicamente e profissionalmente, qualificado, mas que também tem essa interface muito forte com a sociedade civil, com os partidos e com a política.
Antes de Lula
Este retrato é o do governo Lula, não sei como é para trás. Para isso já estamos fazendo a pesquisa sobre o governo Fernando Henrique, para vermos se estas características se repetem. Com os dados sobre o governo FHC, poderemos formular hipóteses com mais segurança. Porém, de toda a forma, já podemos observar que, por exemplo, na questão da sindicalização, é um grupo muito sindicalizado, mas isso pode ser uma decorrência do fato de que a maioria dessas pessoas são servidores públicos, e a maioria dos servidores públicos é sindicalizada. Não podemos dizer que isso é uma distorção do governo Lula, podemos observar que este é um dado da administração pública. Também não podemos dizer quais são os impactos que se tem sobre a eficiência e a efetividade da administração pública, se isso é positivo ou negativo, se isso faz ou não diferença, mas, de toda forma, são dados surpreendentes. De um lado pela qualificação, de outro pelo engajamento cívico e político.
Outro dado surpreendente da pesquisa é o fato de que as regras para o preenchimento desses cargos estão muito estáveis. São muitos cargos de confiança. A cada governo, há uma mudança, o que significa que cada governo adapta os critérios para essas indicações. A mudança mais expressiva veio em 2003, quando a Casa Civil concentrou a nomeação de todas essas pessoas. Isso era uma coisa inédita, pois as nomeações eram dispersas, iam para a presidência, para os ministérios etc. Mas nada impede que, seguindo a regra no Brasil, o governo que vem faça diferente, mas, neste governo, há um controle muito grande da Casa Civil.
Outro dado, ainda, que achamos relevante é o fato de que há muito pouca transparência para a indicação desses cargos. São cargos importantes, secretários gerais de ministérios, secretários de gabinete, enfim, pessoas muitos importantes para a administração pública, e as suas indicações são feitas sem que haja um debate público, sem que seja apreciada a competência dessa pessoa. Essa transparência na indicação mostraria que a administração pública tem critérios mais impessoais e rigorosos.
IHU On-Line – Se o próximo presidente não for o candidato que Lula apoiará, como essa nova elite deve reagir e agir?
Maria Celina Soares D`Araújo – Não se trata de uma nova elite. É um grupo de dirigentes públicos que existe no Brasil com esse nome há décadas. É uma elite dirigente, mas não uma nova elite. O que não sabemos é como essa elite era composta antes. Estamos sabendo agora como ela é composta no governo Lula. Ela é uma elite dirigente que existe no Brasil há trinta anos. Isso faz parte da máquina do Estado, são cargos de confiança dentro da máquina pública, cargos disputados. Corre essa lenda de que é tudo clientelismo, mas nós estamos mostrando que não é. Até pode ser clientelismo, mas, das pessoas que ocupam esses cargos, a maior parte tem qualificação e é servidor público federal. Este não é um espaço para livres atiradores.
IHU On-Line – É possível se ter uma ideia de como será o perfil desses dirigentes no próximo governo?
Maria Celina Soares D`Araújo – A tendência, ao observar a história que conhecemos, é que estes continuem sendo integrados por um grande número de servidores públicos federais. A tendência também é que tenha um grande número de sindicalizados, tendo em vista que o servidor público tem uma taxa de sindicalização muito grande. Do ponto de vista partidário, me parece que pode ser diferente, mas teremos que esperar para ver. Creio que haverá uma concentração menor no PT. Se bem que o funcionário público federal também tem uma alta taxa de sindicalização no PT.
Este estudo revela muito sobre o perfil do funcionário público e este é altamente mobilizado, partidariamente, é petista e sindicalizado. Ao contrário do que se diz, esses são cargos loteados. Temos que nos preocupar em entender quem é funcionário público, por exemplo, porque esses cargos são ocupados, majoritariamente, por funcionários públicos. Quem são os funcionários públicos? São funcionários altamente mobilizados. Vamos ver qual será o perfil deles no próximo governo. Que impacto isso tem sobre a máquina do Estado? Pode ser bom, mas vamos ter que pensar. Temos o dado, mas não temos a análise.
IHU On-Line – Qual a representatividade do “sindicalismo de classe média” na sociedade brasileira atual?
Maria Celina Soares D`Araújo – A maior parte dos sindicalizados no Brasil acontece entre os profissionais de classe média, professores, engenheiros, bancários, que são profissões de classe média. Há exceção aos metalúrgicos, uma categoria profissional muito organizada e antiga, mas que também é uma elite operária. Se pegarmos os trabalhadores do comércio e da agricultura, essas taxas de sindicalização são muito baixas. O sindicalismo no Brasil é, majoritariamente, de classe média sim.
"O sindicato, que é um instrumento da sociedade capitalista para o trabalhador fazer valer seus direitos, aqui no Brasil é mais aguerrido quando o patrão é o Estado"
Os sindicatos hoje são expressivos no mundo todo, e no Brasil também. Os sindicatos fortes atuantes são os de serviço público federal. Os sindicatos mais fortes são os das universidades e de algumas estatais. Este é um dado que tem chamado atenção de alguns analistas. O sindicato, que é um instrumento da sociedade capitalista para o trabalhador fazer valer seus direitos, aqui no Brasil é mais aguerrido quando o patrão é o Estado. Isso, certamente, precisa ser analisado com cuidado. Os sindicatos de empresas privadas não fazem greve há muito tempo. O sindicato que têm voz na sociedade brasileira hoje e que têm chamado a atenção é o dos servidores públicos, que têm direito de greve, mas não têm uma lei regulamentando esse direito, o que é mais grave ainda.
IHU On-Line – Uma aproximação do governo com os sindicatos, com a eleição de Lula, era previsível. Porque os dados da sua pesquisa chamam a atenção para a inserção dos sindicalistas em altos cargos no governo?
Maria Celina Soares D`Araújo – O compromisso de Lula com os sindicatos é um compromisso antigo. Ele é um sindicalista e, durante o governo, esforçou-se muito para regulamentar a questão das centrais sindicais. Nada mais foi mudado em relação à organização dos trabalhadores, só a criação das centrais, o que já é muita coisa. Os sindicalistas se aproximaram muito mais da política. Isso é um indicador de democracia, os trabalhadores incorporados no processo político. Isso tudo já era esperado, não é novidade.
O que não se pode associar diretamente é o fato de ser sindicalista que leva uma pessoa a ser competente. Como todos os setores da atividade humana, há os sindicalistas e os sindicatos que contribuem para o bem comum e há aqueles que não. Um governo que se apoie, majoritariamente, nos sindicatos, é uma distorção. O que não é o caso do governo, que firma uma política mais favorável aos sindicatos e que trouxe mais sindicalistas para o governo, mas é um governo plural.
"O que está significando para a sociedade brasileira, em termos de ganhos, uma maior presença de sindicalistas no governo?"
A política se faz por uma política eleitoral e por uma administração pública, que é diferente da vida partidária. O compromisso sindical do governo Lula foi levado a diante e de uma forma competente por ele. O que temos que saber e medir é que impactos positivos isso tem sobre a vida do trabalhador. É isso que temos que saber. Que o fato de trazer trabalhadores para o âmbito do governo pode significar benefícios para o dirigente, mas não necessariamente para a sociedade brasileira. O que me pergunto hoje, e não tenho dados para responder, é o que está significando para a sociedade brasileira, em termos de ganhos, uma maior presença de sindicalistas no governo. Em tese, isso deveria ser positivo, mas a tradição do Brasil é de muito corporativismo e de patrimonialismo, de se apropriar privadamente do poder público. Vamos ver, então, o que acontece.
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Quem é a elite dirigente brasileira, hoje? Entrevista especial com Maria Celina Soares D"Araújo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU