28 Mai 2009
Será inaugurado, neste sábado, o primeiro banco comunitário do Rio Grande do Sul. Localizado numa das regiões mais pobres de São Leopoldo, ele surge com um papel ousado, mas que, baseado em outras experiências parecidas, pode dar muito certo. Com o objetivo de promover o desenvolvimento local, introduzindo uma moeda própria, o banco comunitário será gerenciado pelos próprios moradores da região oeste da cidade, que abrange os bairros São Miguel, Vicentina, Paim e São João Batista. “É uma das regiões mais carentes de São Leopoldo”, explicou o técnico Eduardo Vivian da Cunha, que encabeçou o projeto junto com a Associação Amigos em Ação.
Eduardo contou à IHU On-Line, numa entrevista realizada pessoalmente, como se constitui um banco comunitário e quais os planos para o projeto que está sendo lançado em São Leopoldo. “A pessoa que possui problema de crédito na praça não terá, necessariamente, dificuldade para fazer empréstimo num banco comunitário. Com isso, este acaba promovendo uma lógica de vizinhança, de comunidade, porque obriga as pessoas a se conhecerem”, destacou.
Eduardo Vivian da Cunha é engenheiro químico, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É mestre e doutor em Administração, pela Universidade Federal da Bahia, onde atualmente é técnico de projetos de Economia Solidária. Na Unisinos, atua como técnico em cooperativismo no programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é um banco comunitário?
Eduardo Vivian da Cunha – O banco comunitário é um instrumento para a promoção do desenvolvimento local. Ele é baseado na lógica da Economia Solidária, portanto segue princípios como os da cooperação, solidariedade, geração de trabalho e renda, mas sob outra ótica. Esses são elementos que trabalhamos no programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários aqui na Unisinos. Para a promoção do desenvolvimento local, o banco comunitário tem alguns instrumentos específicos e algumas formas de agir típicas da Economia Solidária. Há uma experiência que é muito emblemática no Brasil e serve de exemplo para muitos: o Banco Palmas. Ele fica em Fortaleza, no Ceará, num bairro chamado Palmeiras. Existe muito material na internet sobre ele. Lembro até de um Globo Repórter que fez uma reportagem sobre esse banco, ao falar de geração de renda.
IHU On-Line – Quais as principais diferenças de um banco comunitário para um banco tradicional?
Eduardo Vivian da Cunha – Ele se chama banco porque lida com a questão financeira, mas no jeito de operar ele é muito diferente do banco tradicional. Em primeiro lugar, o banco comunitário é autônomo. O proprietário dele é a comunidade, que gerencia fundos e recursos. Além disso, ele lida com a questão do microcrédito a partir de uma outra lógica. O dinheiro que o banco comunitário tem é usado para fomentar a geração de trabalho, renda e consumo, atuando diretamente no desenvolvimento local. São pequenos empréstimos que a pessoa faz para negociar e consumir. No entanto, a forma de liberação de crédito é diferente. No banco convencional, existe uma burocracia própria, se consulta o SPC, o Serasa etc. No banco comunitário, os cuidados para empréstimo segue uma lógica de vizinhança. Para liberar o microcrédito, a vizinhança é consultada, ou seja, pessoas que conhecem quem quer fazer o empréstimo. Portanto, pede-se o aval da comunidade. A pessoa que possui problema de crédito na praça não terá, necessariamente, dificuldade para fazer empréstimo num banco comunitário. Com isso, este acaba promovendo uma lógica de vizinhança, de comunidade, porque obriga as pessoas a se conhecerem.
IHU On-Line – E quem trabalha no banco agirá de que forma para conversar com a comunidade sobre um ou outro cidadão que precisa dos serviços do banco comunitário?
Eduardo Vivian da Cunha – Nós os chamamos de agentes de crédito. Eles recebem a solicitação e, em determinado dia da semana, visita a pessoa, quem ela indicou, enfim, faz um apanhado da vida financeira dela para ver em que medida o banco pode ajudá-la. Esse aspecto envolve menos o julgamento do que o que um banco comum pode fazer em relação a uma pessoa. Muitas vezes, esta vai ao banco pedir uma coisa e ele acaba sugerindo outras coisas, porque percebe algumas dificuldades. Então, o banco comunitário pode contribuir com ideias que irão ajudar mais do que a pessoa pensava.
IHU On-Line – E quem pode usufruir do banco comunitário?
Eduardo Vivian da Cunha – Como o banco é comunitário, ele está situado numa região. Neste caso, está ligado aos bairros São Miguel, Vicentina, Paim e São João Batista, na região oeste de São Leopoldo. Então, o público-alvo do banco são as pessoas da comunidade. Esse é o primeiro critério. Fora isso, existe uma lista de critérios para realizar o empréstimo para a pessoa, como ser maior de idade, ser morador desta região há mais de um ano, ter referências na vizinhança, e assim por diante. Esses critérios foram criados pelo Comitê Gestor do banco comunitário.
IHU On-Line – Quais as peculiaridades da zona oeste de São Leopoldo para receber o banco comunitário?
Eduardo Vivian da Cunha – Como o papel é a promoção do desenvolvimento, normalmente ele se situa na região mais vulnerável da cidade. Nesta região, há uma criminalidade grande, principalmente na região da Vicentina e Paim. O índice de pessoas ajudadas por programas assistenciais é maior. É uma das regiões mais carentes de São Leopoldo.
IHU On-Line – Como o Comitê gestor foi eleito?
Eduardo Vivian da Cunha – O projeto foi feito junto com uma associação da comunidade e, ao pensarmos num banco comunitário, concluímos que ele deveria ser, portanto e obviamente, o mais comunitário possível. Então, deveria envolver as pessoas da comunidade, ou seja, elas deveriam “tocar” o banco. Estou como técnico do projeto, mas meu papel é o de ajudar a crescer. Depois, posso até me manter vinculado de alguma forma, mas não estarei à frente do projeto. Foram feitas reuniões abertas para toda a comunidade divulgando o projeto. A partir disso, perguntamos quem queria se envolver no projeto, pois um comitê gestor estava sendo formado. Quem quis se envolver está dentro do projeto. O comitê gestor está definindo os critérios para se ter acesso aos serviços do banco, assim como também as às linhas de crédito que ele irá oferecer a partir da realidade da região. O comitê também vê a questão da moeda social.
IHU On-Line – E a comunidade que não está no comitê, mas quer se envolver, pode, por exemplo, investir no banco?
Eduardo Vivian da Cunha – Boa questão. As pessoas podem se envolver a qualquer momento, pois as reuniões são sempre abertas. Também podem ser usuários, pedindo empréstimos etc. No entanto, investir fazendo depósitos depende de um marco legal. Hoje, um banco comunitário não possui uma instituição jurídica própria e está vinculado a uma associação, não tendo, portanto, CNPJ... Então, ele precisa se constituir legalmente para receber investimentos, além de precisar ser uma cooperativa de crédito. Não é qualquer marco que permite isso. É uma dificuldade dos bancos comunitários. Existe, inclusive, uma discussão grande sobre o marco nacional de um banco comunitário. Este funciona com muita dificuldade porque não existe uma lei que ampare e permita seu fucionamento, por isso não podem receber depósitos. A maioria dos bancos comunitários do país são associações, que não podem receber depósitos. Esse é um horizonte para trabalharmos no banco comunitário. Ele pode se constituir numa cooperativa de crédito ou como agente bancário. Assim, teríamos um banco comunitário que funciona como correspondente de outro banco.
IHU On-Line – Como isso vocês mostram, num momento de crise financeira, que uma outra economia é possível...
Eduardo Vivian da Cunha – Exato. Eu estava olhando uma entrevista que a Folha de S. Paulo fez com um economista belga, Bernard Lietaer, que participou da constituição do Euro. Ele fala justamente sobre essa questão, estudando a questão das moedas complementares na Europa. Fez comentários sobre o Banco Palmas e as experiências de bancos comunitários no Brasil. Diz ainda que o que tem visto na Europa e no Brasil é que os bancos comunitários agem num processo anticíclico. Ou seja, quando acontece uma crise, a moeda oficial se torna mais escassa e há uma redução da atividade econômica, o que faz com que as pessoas busquem mais a moeda social, que acaba crescendo e tapando o furo da crise. Então, ela é o processo anticíclico da crise e ajuda a manter as pessoas em períodos de crise.
IHU On-Line – Como funciona a moeda social?
Eduardo Vivian da Cunha – Ela é um elemento muito forte nos bancos comunitários. É uma moeda constituída localmente pelos moradores da região e que circula só nesse espaço. O papel dela é permitir que a riqueza fique o maior tempo possível dentro daquela região, pois, se ela é aceita só ali, a comunidade precisa comprar num mercadinho do bairro, e quem recebe a moeda social tem condições de aumentar sua produção, gerar postos de trabalho. Uma irá ajudar o outro. O papel da moeda social também é promover o desenvolvimento social. Existe pouca poupança líquida naquela região, e a moeda social contribuiu para o aumento disso.
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Primeiro banco comunitário do Rio Grande do Sul será lançado neste sábado. Entrevista especial com Eduardo Vivian da Cunha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU