26 Novembro 2008
Uma pesquisa desenvolvida pelo teólogo Jorge Claudio Ribeiro aponta que os jovens têm dado bastante valor à fé, mas não vão às igrejas. Realizado com 520 jovens universitários de 17 a 25 anos, o estudo analisa a forma como os brasileiros se relacionam com as religiões. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o professor diz que “a religião não está sendo tão ágil diante dos problemas que aparecem a cada momento para as sociedades”, mas que isso não seria um problema se ela não se apresentasse – em suas diferentes formas – como “elaboradora da verdade”. Ribeiro acrescenta ainda que “o jovem não é simplesmente alguém que tem 17 ou 25 anos, mas um ser humano que está montando as estruturas básicas da sua existência, fazendo opções que são estratégicas para seu futuro e, ao mesmo tempo, vive intensamente o presente porque está estabelecendo relações de alteridade”.
Jorge Claudio Ribeiro é formado em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira, e em Jornalismo, pela Universidade de São Paulo. Na PUC-SP, realizou o mestrado em Educação e o doutorado em Ciências Sociais. É pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales e pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é sócio da Editora Olho d’Água e professor da PUC-SP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – É comum ouvirmos que a tendência é que o jovem está cada vez menos desligado das práticas religiosas, mas a sua pesquisa mostra o contrário. Por que, em sua opinião, o jovem de hoje mostra que tem mais fé, mas ainda assim não dá valor às igrejas?
Jorge Cláudio – Bom, minha pesquisa é sobre um público jovem específico. É como se olhássemos uma célula pelo microscópio e percebêssemos que o DNA dela pode estar presente em outras células. Meu estudo trata de universitários. Eu vejo que as religiões servem de referência, mas não têm uma autoridade plena como teria em outras fases da história humana e nem em outras idades, como a infância ou uma idade adulta mais tardia. Os jovens enfatizam mais a experiência da fé, que pode ser ajudada ou não pelas religiões. Hoje, dentro da cultura da modernidade, as religiões não têm tanta autoridade, mas valorizam mais a individualidade e a subjetividade. Os jovens estão mergulhados dentro dessa corrente. Os nossos sujeitos valorizam a fé, que induz a reverência do pesquisador, porque é uma coisa muito bonita. Apesar de ser bonito, eles têm fé não por isso, mas porque precisam. A fé é uma energia, uma dinâmica que ajuda o jovem a viver essa fase da vida, e não um adereço.
IHU On-Line – De que modo isso acontece?
Jorge Cláudio – Os jovens se caracterizam menos pela idade do que pela sua capacidade e sua exigência de experimentação. O jovem não é simplesmente alguém que tem 17 ou 25 anos, mas um ser humano que está montando as estruturas básicas da sua existência e fazendo opções que são estratégicas para seu futuro. Ao mesmo tempo, vive intensamente o presente porque está estabelecendo relações de alteridade com pessoas, está conhecendo amigos, tendo experiências inaugurais do amor etc. Então, o jovem está inaugurando uma série de coisas na sua vida. Algumas não servem e outras não dão certo. Isso se deve a uma intensa prática de experimentação, pois ele está vendo como as coisas acontecem. Na medida em que está experimentando, precisa ter consciência de que esse processo – que também é carregado de insegurança, de dificuldades de ver com clareza – irá levá-lo a algum lugar. Para isso, precisa ter uma base mínima e mais intensa de confiança na vida. Para os nossos pesquisados, a expressão “para minha vida tem sentido” é quase um mandamento. Isso dá a ele a possibilidade de que a fé – que, para ele, é mais importante do que as crenças e as religiões formais – seja o núcleo de sua experiência espiritual, nem sempre formalmente religiosa.
IHU On-Line – Depois da pesquisa, como o senhor passou a entender a fé?
Jorge Cláudio – A fé é uma experiência polissêmica, isto é, cada um entende de uma forma diferente, assim como Deus. Ela é carregada de muitos sentidos: permeia o nosso cotidiano, se dá em algo superior a mim (como Deus, como a vida, a humanidade), é uma atitude concreta, que tem um efeito prático. Então, se percebe que uma pessoa que tem fé, não necessariamente religiosa, vai mais longe, porque a fé lhe oferece sentido, direção e beleza para sua vida. A fé oferece uma percepção de que, se cada um acreditar, é possível chegar a realizações. Sem tê-la no que estou fazendo, faço algo de forma burocrática e desanimada. Então, ela tem a ver com o entusiasmo, que, segundo sua etimologia grega, significa “Deus está em nós”. Mesmo que você seja ateu, mas com entusiasmo e fé, já está bom, pois a fé é o núcleo pulsante, o coração da vida humana e da experiência do nosso jovem. Se a pessoa não tiver fé, ela não realiza a sua humanidade. Mas a fé não é certeza, apresentando um componente de construção, de experimentação: é uma aposta. Em geral, quem aposta ganha de alguma forma, e isso vai ajudando o jovem a continuar vivendo.
IHU On-Line – A plurireligiosidade é uma característica do século XXI? Como isso aparece entre os jovens?
Jorge Cláudio – O Brasil se abre, por uma série de razões, desde econômicas até midiáticas, a perceber a existência de outras religiões, de outros praticantes de religiões. Então, eu percebo que há muito mais possibilidades, pois percebo que a humanidade é mais variada e quero experimentar. O Brasil sempre foi um grande laboratório para religiões, mas agora essas experimentações se oferecem concretamente com mais dinamismo, com mais desenvoltura e aí as pessoas aderem mais a esse tipo de coisa. Me parece que as pessoas não aderem a outro tipo de religião conscientes de que é um outro tipo de religião. Aderem porque a Igreja que ela freqüentava fica longe ou o padre não aparece com freqüência, enquanto, por exemplo, abriu na esquina da sua casa uma Igreja que também fala de Jesus e que tem um obreiro muito simpático. Assim, ele vai buscando mais na base da conveniência do que da doutrina.
IHU On-Line – Como o jovem contemporâneo conseguiu desligar-se do temor que as gerações anteriores envolviam Deus? Qual é a imagem que os jovens fazem de Deus?
Jorge Cláudio – Os nossos jovens, e outras pesquisas também apontam nessa direção, têm uma visão menos temerosa, menos masculina, menos doutrinária de Deus. É uma visão mais existencial, mas experimental. Na nossa pesquisa, as representações de Deus se dão da seguinte forma:
1) Deus é um ser superior, uma coisa genérica e distante. Para quem está começando a vida e para quem tem o instrumento poderoso do conhecimento, isto representa mais poder na vida e têm mais alternativas. Esses jovens querem usar essas alternativas para experimentações. Deus, por ser uma instância superior, fica distante, embora eles façam a experiência de Deus.
2) Deus é uma forma de energia, ou seja, não é tão importante assim. Energia é algo importante porque move o mundo, trazendo forças que atravessam o universo, físicas e naturais. Isso é sentido quando amamos, quando temos um grau de solidariedade, uma experiência artística. Assim, a energia é algo que movimenta o cosmos, mas que eu experimento dentro de mim mesmo. A isso eu remeto Deus. Além disso, a palavra energia está muito presente no cotidiano do jovem e está presente no corpo e isso os dá vitalidade.
3) Deus é um ser pessoal. Isso por duas ordens de fatores. A primeira porque, nas religiões cristãs, Jesus é a manifestação mais pessoal de Deus. No judaísmo, era um Deus que dirigia a caminhada do seu povo. Apesar disso, os jovens não têm um censo pessoal muito próximo de Deus. Isso explica por que eles estão fazendo suas experimentações sem que Deus esteja totalmente presente. Ao mesmo tempo, dentro das relações profissionais, urbanas, o amor é um pouco líquido. Bauman fala muito sobre isso. Significa que as relações, na modernidade, são muito líquidas e, por isso, elas fluem. Isso não é ruim e é próprio da juventude.
IHU On-Line – Quais são as principais transformações reveladas por sua pesquisa em relação ao perfil religioso da sociedade atual?
Jorge Cláudio – Eu acho que há algumas tendências. O DNA dessa pequena célula que estudei pode estar ou não presente em outras partes do corpo social. Uma tendência é a secularização, ou seja, as pessoas sabem que estão nesse mundo aqui e que precisam lutar por ele. Nós somos éticos não porque é bonito, mas porque, se não formos, acabamos e, então, será a vez de as bactérias dominarem o mundo. Nesse sentido, há uma tendência para olhar para este mundo aqui. Temos, portanto, uma tarefa até divina de conservar a criação.
A escolarização, o grau de estudo e de conhecimento que as pessoas têm, é fundamental. Então, quanto mais estudo as pessoas têm, menos elas se apóiam na autoridade de outras pessoas e, assim, passam a usar a sua razão que passa a ser um instrumento de autonomia da pessoa. Quanto mais escolarizada alguém é, mais interessante socialmente é, menos cega fica.
A urbanização crescente torna a vida mais complexa, mas cheia de elementos, repleta de inter-relações. Então, é preciso aprender não a navegar num barco sólido, mas aprender a nadar, nem que seja com colete salva-vidas. É preciso haver mais flexibilidade e menos certeza. Precisamos aprender a viver numa certa insegurança, pelo menos numa segurança diferente da que se tinha antes.
IHU On-Line – Fala-se em crise moral da Igreja Católica devido ao fato de ela não avançar em debates acerca das células-tronco, pílula anticoncepcional e preservativo. Para onde migram os jovens que querem tratar desses assuntos e não encontram espaço no catolicismo?
Jorge Cláudio – É preciso falar novamente na polissemia. Um dos problemas pelos quais a Igreja passa é que seus sacerdotes pensam que toda ela possui problemas. Jesus não foi padre e temos de pensar nisso. De fato, está havendo um afastamento entre a hierarquia da Igreja Católica e seus fiéis que estão vivendo uma vida concreta. A hierarquia ainda não se definiu em relação a alguns pontos, mas as mulheres já resolverem essas questões há muitas décadas. As questões que aparecem com muito mais rapidez do que antes não encontram uma solução – e seria curioso se encontrassem – diante de uma doutrina que tem milênios de existência. Esse tempo não consegue resolver os confrontos que serão levantados nos próximos cinco minutos. Outras instâncias – como econômica e cultural – estão agindo com muito mais rapidez em perceber e inventar problemas do que as religiões dão conta de responder. A religião não está sendo tão ágil diante dos problemas que aparecem a cada momento para as sociedades. Isso não seria um grande problema se as religiões – sobretudo o catolicismo e islamismo – não se apresentassem como as principais elaboradoras de verdades. A humanidade precisa se reinventar, e esse é o tipo de coisa que o jovem experimenta. O jovem está imerso nessa temporalidade rápida e as religiões não dão conta. Precisaria a Igreja ter mais calma para usar todo o seu arsenal doutrinário porque ela não está conseguindo fazer isso com o método atual.
IHU On-Line – Hoje, a religião também deve ser alvo de experimentações dos jovens?
Jorge Cláudio – Ela não é alvo, mas terreno de experimentações. No campo doutrinário, os jovens não se encontram, então vão atrás daquilo que consegue resolver a sua juventude, que é um enigma para ele mesmo. O próprio jovem não sabe definir o que é ser jovem. Por isso, precisa de vozes para equacionar seus problemas. Assim, vai fazendo experimentos, não só na religião. Com isso, é um crente sem religião. Ele desencana da religião, mas não da fé.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre os movimentos de jovens dentro das igrejas?
Jorge Cláudio – Isso não é novo e já era um momento de descoberta múltipla e não apenas religiosa. São pessoas mais dedicadas, mas o grande problema é que podem virar grupos de fanáticos, fechados dentro deles mesmos.
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Uma visão de Deus menos temerosa. O jovem e sua relação com a fé. Entrevista especial com Jorge Claudio Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU