02 Julho 2008
Para quem está acompanhando os debates acerca da Mídia Livre, é clara a percepção do intuito desta discussão: democratizar os meios de comunicação, tanto em relação ao acesso quanto em relação à produção e, principalmente, lutar por sustentabilidade, autonomia e liberdade por parte das mídias. O 1º Fórum de Mídia Livre, que aconteceu no Rio de Janeiro, nos dias 14 e 15 de junho, evidenciou e registrou tais anseios, assim como uniu indivíduos e movimentos que trabalham com as novas possibilidades das mídias. Para a coordenadora deste evento, Ivana Bentes, o 1º Fórum de Mídia Livre foi bastante positivo, pois conseguiu agregar uma diversidade grande de pessoas, com diferentes históricos e de diferentes gerações, que desejam o mesmo em relação às mídias. “Precisamos de um novo marco regulatório, porque o que está aí não dá conta do funcionamento legal dessas mídias pós-internet. Todo o marco regulatório das comunicações no Brasil é caduco, da década de 1960 e não dá conta mais do contexto tecnológico, político, social atual”, destacou a professora, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Ivana Bentes Oliveira é comunicadora social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também realizou seu mestrado e doutorado na área de comunicação. Atualmente, é professora e coordenadora dos cursos de comunicação da universidade. Ela já concedeu outras entrevistas exclusivas à IHU On-Line: uma em 24-03-08, intitulada “É restritivo demais pensar só no jornalismo como centro da discussão midiática”, e a outra, “Do profissional ao amador: a diversidade da Mídia Livre”, na IHU On-Line número 254, “Mídia Livre? A democratização da comunicação”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Relembrando como este evento foi construído e as propostas e ações que foram planejadas a partir dele, como a senhora avalia o 1º Fórum de Mídia Livre?
Ivana Bentes – Eu avalio de uma forma muito positiva porque penso estar havendo um novo movimento de mídia no Brasil. É positivo já pela presença de uma grande diversidade de pessoas, desde ativistas históricos, que lutam pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, até uma geração muito nova, que está trabalhando com as novas mídias, por exemplo, com a mídia colaborativa e pensa nessa questão da democratização a partir de outros conceitos e experiências. Por isso, esse evento foi importante, porque juntou essas gerações diferentes e acrescentou à demanda histórica outras demandas atuais, que têm relação com esse cenário de pós-internet e pós-convergência das mídias. Um cenário que, aliás, precisa ser repensado. Em termos de adesão, também foi muito positivo. Compareceram muitas pessoas ao debate inicial, assim como os grupos de trabalho, e também à plenária que encerrou o evento.
IHU On-Line – O que a organização do Fórum está fazendo para articular as propostas junto ao governo federal?
Ivana Bentes – Pensamos em várias ações, sendo algumas de curto e outras de longo prazo. A idéia inicial, refletindo sobre o calendário de ações, é construir alguns consensos básicos e mínimos para que, a partir daí, possamos pensar em ações políticas. Essas propostas estão sendo articuladas por representantes estaduais e regionais definidas no Fórum. Já a comissão organizadora está pronta para uma próxima reunião, que será de balanço, para encaminhar documentos a nível governamental e pensar a publicidade do Fórum de Mídia Livre. Então, os próximos passos são para a consolidação do próprio Fórum. Deste foi tirado um grupo de trabalho executivo ampliado, com maior representação. Pretendemos, então, atuar dentro dos movimentos já existentes, como a Conferência Nacional de Comunicação, para que possamos levar os documentos das reivindicações e propostas aos organizadores e representantes governamentais.
Há ainda outras questões que precisam ser amadurecidas. Por isso, os próximos passos têm relação com essas várias instâncias. Também foi feita a proposta de um segundo Fórum Nacional de Mídia Livre, que provavelmente ocorrerá na Universidade Federal de Vitória, no Espírito Santo. Ao mesmo tempo, pretendemos levar o Fórum de Mídia Livre para o pré-Fórum Social Mundial, que abre também um importante espaço para essa discussão. Além disso, temos muitas ações concretas, como, por exemplo, reivindicar ao governo a participação das pequenas mídias nas verbas publicitárias, ou seja, para abrir uma discussão sobre elas, que hoje só vão para três ou quatro jornais de grande circulação. Então, cada GT (foram cinco GTs) fez planos de ação muito concretos, visando universidades, governo e movimento social. Assim, nesse momento, estamos vivendo um pós-fórum, ou seja, analisando como podemos viabilizar e levar adiante essas ações, que são muitas, além de concentrar, agora, em algumas prioridades.
IHU On-Line - Hoje, muitos meios de comunicação subsistem pela boa-vontade dos jornalistas e coordenadores, que trabalham, muitas vezes, sem estrutura, com pouca sustentação econômica, e, ainda assim, conseguem oferecer à sociedade informações e reflexões de qualidade e que, se dependesse das grandes mídias, não existiriam. Quais são as perspectivas para a Mídia Livre a partir das resoluções deste fórum e do planejamento de novos fóruns?
Ivana Bentes – As principais discussões feitas durante o Fórum de Mídia Livre, que deram uma diretriz para o evento, foram em torno da autonomia, sustentabilidade e liberdade. A questão da autonomia e da sustentabilidade é, hoje, muito importante. A maioria dos “fazedores de mídia” trabalha num regime salarial muito ruim ou como autônomos voluntários. Não temos uma política de apoio, governamental ou privado, para o incremento dessa sustentabilidade, por isso essa questão foi muito discutida. Encontramos isso em todos os planos. Claro que se sabe que a questão da sustentabilidade dos meios de comunicação não se resolve com verba publicitária do governo, mas é um lugar importante de disputa política, pois um governo democrático precisa ter uma política democrática de encaminhamento, de distribuição, de partilha dessas verbas existentes, já que se refere a verbas públicas.
Já uma segunda questão diz respeito à distribuição das revistas, dos jornais. Fica muito difícil para os pequenos produtores de mídia negociar com os distribuidores a chegada do seu material nas bancas. Há também outras questões legais que dificultam o processo de produção de uma pequena mídia. A exigência do diploma do jornalista é dada como uma forma de proteger o produtor de mídia das empresas e que hoje se volta contra esse produtor. No GT de formação para a Mídia Livre, colocou-se essa questão do ponto de vista de quem faz mídia hoje. Essa exigência não funciona nas grandes mídias – que já burlaram tudo o que era possível em termos da exigência de diploma – e só prejudica o produtor de Mídia Livre que se sente patrulhado pelos sindicatos. Acreditamos que, hoje, escrever, analisar, interpretar, traduzir imagens é da ordem da cidadania, um direito de todos. Claro que eu sou diretora de uma escola de comunicação, temos um curso de comunicação, formamos jornalistas, publicitários, radialistas e, se acabar amanhã a exigência do diploma, o meu curso continua porque as pessoas querem uma formação de qualidade e o próprio mercado prefere um estudante que saia de uma escola de comunicação. Essas questões todas me parecem prioritárias. Não queremos criar uma Central Única da Mídia Livre. Sabemos que as soluções passam por soluções singulares, e o Fórum busca parcerias públicas que poderiam fortalecer politicamente e economicamente a Mídia Livre.
IHU On-Line – O que está no centro da discussão midiática hoje?
Ivana Bentes – Primeiro: é o monopólio por parte de poucas famílias que detêm os meios de comunicação. Também está a sustentabilidade, ou seja, o direcionamento da verba pública também é monopolista, porque é voltada a poucas empresas que detêm a maior parte da audiência. Precisamos de um novo marco regulatório, porque o que está aí não dá conta do funcionamento legal dessas mídias pós-internet. Todo o marco regulatório das comunicações no Brasil é caduco, da década de 1960 e não dá conta mais do contexto tecnológico, político, social atual. Isso é absolutamente urgente. O Fórum funcionou como um brainstorm, porque as pessoas saíram dele com idéias que podem ser concebidas de forma descentralizada. Isto não significa que o Fórum resolverá tudo.
IHU On-Line – Qual é a importância hoje de uma Conferência Nacional de Comunicação?
Ivana Bentes – A questão é o que hoje esperamos, mas o que impede de essa Conferência Nacional de Comunicação acontecer é o executivo federal, porque é preciso ter uma convocação do executivo a fim de que ela aconteça e surja esse novo marco regulatório, essa mudança das legislações. Está para acontecer uma conferência virtual como preparatória da Conferência Nacional da Comunicação, que é a base para uma mudança. Há um adiamento, ou seja, esse debate é muito postergado e chegou ao limite da sua realização, porque não é possível avançar em termos de discussões sobre o papel das empresas de telecomunicações, sobre a questão do funcionamento das televisões abertas, porque o que temos hoje é um conjunto de remendos na lei geral das comunicações que vão tentando remendar essa mudança de contexto.
IHU On-Line – Como a senhora vê a disseminação das propostas de Mídia Livre dentro das universidades?
Ivana Bentes – As universidades estão começando a se abrir, mas ainda são muito conservadoras nessa discussão. É possível notar que os movimentos sociais, por exemplo, têm metodologia hoje de produção de mídia, de audiovisual e está experimentando. Por isso, a universidade está na retaguarda dessa discussão, embora seja um espaço fundamental por ser um lugar de formação e, assim, a discussão em torno da Mídia Livre precisa estar dentro dela. Ela precisa dar apoio aos cursos multidisciplinares, aos “mídia-livristas”, aos movimentos que trabalham essa questão. Ou a universidade incorpora essas questões que estão sendo discutidas ou ela ficará na retaguarda da discussão. Por isso, nós propomos que o Fórum de Mídia Livre acontecesse dentro de uma universidade pública, gratuita e organizada pelo próprio curso de comunicação.
IHU On-Line – A senhora defende que o campo jornalístico é importante demais para ficar só com os jornalistas. Qual é o papel dos jornalistas, então?
Ivana Bentes – Isso não elimina em nada o papel dos jornalistas: pelo contrário, só o valoriza. A função de jornalista é apurar, investigar, analisar, interpretar. É uma função de analista simbólico, que hoje é uma das mais valorizadas da produção cultural contemporânea. Por isso ela precisa ser universalizada. O jornalista deve ser um mediador dentro de uma série de reivindicações, anseios, demandas, de exigências sociais em relação aos poderes instituídos, seja o próprio governo, seja as empresas privadas, seja as empresas de comunicação. A função social de jornalista cresce nesse novo contexto. Ele está hoje inserido num grupo chamado produtor de mídia e tem função fundamental como ator político nesta sociedade. O produtor de mídia precisa se reposicionar e se ver de outra maneira. Tal função traz uma exigência social, pois o jornalista, em seu altar de poder, é importante demais para se colocar numa localidade de neutralidade simplesmente. Ele é um mediador social, simbólico importantíssimo. A sociedade quer e precisa fazer mídia para radicalizar a democracia e, nesse sentido, o jornalista tem muito o que mediar, produzir e agir dentro da sociedade contemporânea.
Para ler mais:
Por uma mídia livre, mas de qualidade. Entrevista especial com Ermanno Allegri
Mídia livre? A democratização da comunicação
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1º Fórum de Mídia Livre: avaliação e efetivação de propostas. Entrevista especial com Ivana Bentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU