10 Junho 2008
Como se dá o processo de comunicação dentro dos movimentos sociais? Responder a essa questão foi a intenção de Raquel Casiraghi ao participar da Semana da Comunicação da Unisinos. A IHU On-Line conversou com a jornalista antes do evento e abordou algumas questões que cercam esse campo. Raquel falou sobre as estratégias de comunicação do movimento e de como surgiu a necessidade de um setor de comunicação para contribuir na organização do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ela também refletiu sobre a importância de trazer para dentro da universidade esse tipo de abordagem, uma vez que um dos objetivos do movimento é “quebrar a questão do pensamento elitizado e trazer a visão do povo”.
“Espero que a partir do resultado dos encontros seja possível desenvolver um trabalho acerca da mídia livre e que seja formada uma verdadeira rede pelos participantes. Espero, também, que esse trabalho não morra, porque é comum alguns veículos promoverem esse tipo de reunião e não dar resultado algum, o que pode trazer um desestímulo”, afirmou ela.
Raquel Casiraghi tem graduação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e atua como assessora de imprensa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio Grande do Sul. Também faz parte da equipe da Agência Chasque de Notícias.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como funciona o processo de comunicação do MST?
Raquel Casiraghi – O processo de comunicação do MST é dividido em basicamente quatro frentes: audiovisual, imprensa, assessoria de imprensa e rádio. A do audiovisual é direcionada à produção de vídeos, a documentários sobre o movimento e assuntos ligados a ele. A frente de imprensa é formada pelos veículos de imprensa do Movimento dos Sem Terra.
O Jornal Sem Terra é o jornal da esquerda mais antigo em vigência no Brasil e existe desde que o movimento foi criado. A primeira edição dele foi lançada antes do lançamento oficial do movimento. O setor de comunicação surgiu na década de 1980, com a necessidade de melhor organização do MST.
IHU On-Line – Como a mídia tradicional foi analisada para que vocês pudessem montar uma estratégia de comunicação para falar com o povo gaúcho e brasileiro?
Raquel Casiraghi – O MST, desde as primeiras discussões sobre a comunicação e a importância dela para o movimento, chegou à conclusão de que a comunicação é seu instrumento de estratégia dentro da luta pela reforma agrária, pelo desenvolvimento dos assentamentos e pela luta por uma outra sociedade. A mídia, desde que o MST foi formado, sempre viu o movimento de forma preconceituosa. O movimento sempre defendeu os interesses da classe dominante e por isso a reforma agrária sempre foi vista com temeridade, porque ela traz uma nova ordem social e retira um pouco do poder daqueles que hoje a detêm.
O que dita a estratégia de comunicação do MST é a própria postura da mídia convencional, que é preconceituosa e tem opiniões preconcebidas. Em raras ocasiões, é aberto espaço igual para que o MST possa colocar suas reivindicações. Mas a comunicação tem como função estratégica mesmo o próprio movimento, porque ela não funciona apenas para divulgar, mas para a organização interna também.
IHU On-Line – Qual é a importância de trazer essa estratégia, esses processos utilizados por vocês para dentro da universidade?
Raquel Casiraghi – Como a universidade é um centro de formação e construção do conhecimento, essa nossa inserção é muito importante. Então, novos conhecimentos estão sendo construídos e estes substituem os que já existem. A importância de trazer o MST para a universidade é quebrar a questão do pensamento elitizado e trazer a visão do povo. A partir disso, precisamos trazer uma nova visão de comunicação, mostrando que ela deve ser um instrumento por meio do qual a população mais desfavorecida pode lutar por suas questões, exprimindo suas reivindicações.
Além disso, há a questão dos profissionais, porque a universidade forma os profissionais de comunicação e muitas vezes não discute uma comunicação alternativa ou ligada aos movimentos sociais, a uma comunicação mais plural e menos comprometida com os interesses comerciais e de setores sociais que banquem os veículos de comunicação.
É importante trazer o MST à universidade para pluralizar o conhecimento oferecido pela universidade e, assim, conseguir mostrar aos estudantes que há outras formas de fazer a comunicação e de se comunicar.
IHU On-Line – E para você, como profissional de comunicação, como foi se deparar com essa realidade, como essa alternativa na profissão?
Raquel Casiraghi – O que contribuiu para minha formação e minha ligação com os movimentos sociais foi meu envolvimento com o movimento estudantil, sem partidarismo. Eu fiz parte, inclusive, da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social. Mas o mais importante foi a minha identificação com a bandeira do MST, apesar de eu não ser agricultora. Foi assim que me aproximei do movimento.
IHU On-Line – Essa inserção do movimento dentro da universidade gerou alguns debates no meio. Qual é a opinião do MST sobre essa dificuldade que se tem de entender os propósitos do MST e a sua autodivulgação como uma alternativa para atuação dos jornalistas?
Raquel Casiraghi – Eu acredito que as pessoas em geral quando nos criticam dessa forma cometam alguns equívocos: uma é comparar o MST a outros movimentos, geralmente a facções criminosas. Por mais que o MST tenha ações que muitas pessoas considerem radicais, não somos criminosos, não apenas pelas táticas utilizadas, mas, principalmente, pelos objetivos, porque o que queremos é pressionar para que a reforma agrária consiga ser feita no país e para que milhares de agricultores que não têm onde plantar tenham sua própria terra. O que ajuda na ignorância das pessoas, dos jornalistas e no ensino da comunicação, é justamente esse tipo de preconceito. Assim, elas não se abrem para novas opções. Ao mesmo tempo, eu questiono como a formação é feita, porque esquecem que há meios alternativos.
IHU On-Line – O avanço tecnológico tem proporcionado maior inserção da comunicação do MST nos meios?
Raquel Casiraghi – Sim, pois ele tem permitido ao MST a inserção, principalmente, nas mídias alternativas. Querendo ou não, a internet permite uma expansão das mídias alternativas. Por mais que não sejam veículos de massa, a internet permite uma diversificação, que pessoas que não “tinham voz” em outros meios possam dar sua verdadeira opinião sobre nosso trabalho e nossas lutas. O avanço tecnológico permite, ainda, que o MST consiga construir suas próprias mídias, assim como variar sua atuação e montar rádios comunitárias dentro de assentamentos, havendo, igualmente, a inserção do MST em outras rádios. Ao mesmo tempo em que a tecnologia se desenvolve desta forma, ou seja, permite que façamos a nossa própria comunicação, o acesso é barrado por causa do limite econômico. Mas, no momento em que esse acesso é adquirido, a comunicação é totalmente facilitada.
IHU On-Line – Vocês têm acompanhado as discussões acerca da mídia livre?
Raquel Casiraghi – Sim. A gente participou da reunião que aconteceu em Porto Alegre, e os jornalistas responsáveis por outras regionais têm tentado participar da discussão em seus respectivos estados. A esse encontro que irá ocorrer no Rio de Janeiro neste mês, não poderemos comparecer, mas o pessoal do Rio de Janeiro e de São Paulo irão e depois nos repassarão as informações.
Este espaço da mídia livre precisa ser potencializado. Isso é muito importante para a comunicação, principalmente pelo fato de que os organizadores do movimento são pessoas com bastante experiência nesse campo e, por isso, conseguem fazer muitas articulações. Desse modo, eu acredito que esse impulso seja importante e precisa ser levado adiante sim.
Espero que a partir do resultado dos encontros seja possível desenvolver um trabalho acerca da mídia livre e que seja formada uma verdadeira rede pelos participantes. Espero, também, que esse trabalho não morra, porque é comum alguns veículos promoverem esse tipo de reunião e não dar resultado algum, o que pode trazer um desestímulo.
IHU On-Line – Que perspectivas você tem para o futuro da comunicação?
Raquel Casiraghi – Eu vejo o jornalismo muito mais pluralizado e diversificado, por causa da internet, que permite dar mais vozes a outros jornalistas e grupos de comunicação. O jornalismo poderá ter mais visões, com diferentes abordagens. Mas, ao mesmo tempo em que essa facilidade será possível, se tem a própria restrição ao acesso. A concorrência do mercado será maior e isso irá pressionar, também, os grandes veículos de comunicação, gerando novas conseqüências para o desenvolvimento da comunicação.
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A comunicação como instrumento de luta. Entrevista especial com Raquel Casiraghi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU