21 Janeiro 2019
Em uma decisão significativa com consequências para as relações da Santa Sé com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre, e com seus seguidores, o Papa Francisco suprimiu a Comissão Ecclesia Dei, estabelecida por São João Paulo II em 1988 para dialogar com esses fiéis depois que o arcebispo rompeu a comunhão, ordenando quatro bispos sem o mandato papal.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada em America, 19-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa colocou seu trabalho futuro sob uma nova unidade na Congregação para a Doutrina da Fé. Ele fez isso em reconhecimento do fato de que as questões-chave a serem resolvidas com os lefebvrianos são doutrinais, e não litúrgicas.
O Vaticano anunciou isso nesse sábado, 19 de janeiro, quando publicou uma carta apostólica em forma de motu proprio (um decreto executivo) “sobre a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei”.
O decreto recorda que João Paulo II criou a Comissão Eccelsia Dei em 2 de julho de 1988, após o rompimento da comunhão por parte do arcebispo Lefebvre, para colaborar com os bispos e os dicastérios da Cúria Romana “para facilitar a plena comunhão eclesial dos sacerdotes, seminaristas, comunidades ou religiosos e religiosas individuais, ligados à Fraternidade fundada por Dom Marcel Lefebvre, que desejavam permanecer unidos ao Sucessor de Pedro na Igreja Católica, conservando as próprias tradições espirituais e litúrgicas”.
Quase 20 anos depois, em 7 de julho de 2007, Bento XVI publicou outro decreto (motu proprio) chamado "Summorum pontificum", que autorizava o uso da forma “extraordinária” do Rito Romano juntamente com o “ordinário”, que havia sido promulgado após o Vaticano II. A forma “extraordinária” permitia o uso do Missal Romano de 1962 (promulgado por São João XXIII antes do início do Concílio Vaticano II).
A decisão de Bento XVI respondia não apenas aos desejos dos lefebvrianos, mas também aos desejos dos setores tradicionalistas da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, ele designou à comissão a autoridade sobre os institutos e comunidades religiosas que usam a forma extraordinária.
Dois anos depois, em 2009, após remover a excomunhão dos quatro bispos lefebvrianos, Bento XVI publicou um novo decreto no qual reconhecia que as questões com os lefebvrianos eram, então, principalmente doutrinais e, por isso, integrou a comissão mais plenamente à Congregação para a Doutrina da Fé e decretou que seu prefeito deveria presidi-la.
O Papa Francisco deu um passo adiante nesse sábado, ao suprimir a comissão e ao transferir todo o seu trabalho para uma nova unidade a ser estabelecida dentro da Congregação para a Doutrina da Fé. No decreto, ele deixou claro que as questões litúrgicas não são mais uma causa importante de divisão, porque “os institutos e comunidades religiosas que celebram habitualmente na forma extraordinária encontraram hoje a sua própria estabilidade de número e de vida”.
Em outras palavras, a situação de “emergência” ligada às questões litúrgicas terminou. Os principais problemas agora entre a Santa Sé e os lefebvrianos são de natureza estritamente doutrinal e, assim, estão propriamente sob o mandato da Congregação para a Doutrina da Fé.
Consequentemente, como resultado da revogação das excomunhões dos quatro bispos lefebvrianos em 1988, da autorização do uso do Missal Romano de 1962 na forma “extraordinária” do Rito Romano e das faculdades concedidas pelo Papa Francisco aos sacerdotes da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, as questões doutrinais são as únicas ainda em aberto, mas são as mais importantes.
Como resultado do decreto desse sábado, a equipe da comissão será transferida agora para a nova unidade da Congregação para a Doutrina da Fé, com uma exceção – Dom Guido Pozzo. O arcebispo italiano, que atuou como secretário da comissão por nove anos (2009-2012 e 2013-2019), mas que era considerado em Roma como muito próximo dos setores tradicionalistas da Igreja, foi designado para um cargo recém-criado como supervisor da economia da Capela Musical Pontifícia, mais conhecido como Coro Sistino.
Esse encargo-surpresa foi anunciado em um segundo motu proprio também publicado no dia 19 de janeiro sobre a “Capela Musical Pontifícia”.
Até então, o Coro Sistino, que data de 1471 (embora as origens do coro papal remontem ao Papa Gregório Magno), fazia parte da Prefeitura da Casa Pontifícia, chefiada pelo arcebispo Georg Ganswein.
Nesse sábado, no entanto, o Papa Francisco o realocou, de modo mais apropriado, para o Escritório das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, tanto para enfatizar seu papel litúrgico quanto, como diz o decreto, “para a proteção e promoção da sua prestigiosa herança artístico-musical”.
Algumas fontes em Roma interpretam a decisão do papa em parte como uma resposta às acusações de má gestão financeira relacionadas ao Coro Sistino (um processo está em andamento no Vaticano sobre esse assunto) e à crítica sobre alguns aspectos da sua participação no Metropolitan Museum da exposição de Nova York em 2018 sobre "Corpos celestiais: moda e imaginação católica", um evento sobre a relação entre o sagrado e o profano na moda, música e arte, realizado sob o patrocínio do Pontifício Conselho para a Cultura.
O Coro Sistino, que é composto por 20 homens adultos e cerca de 35 cantores meninos, torna-se parte agora do escritório vaticano que é dirigido pelo mestre de cerimônias das liturgias papais, Mons. Guido Marini. Ainda não está claro se essa é apenas uma única mudança na prefeitura ou a precursora de outras.
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Papa Francisco coloca diálogo com lefebvrianos sob o comando da Congregação para a Doutrina da Fé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU